quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Blavatsky e o ano novo

 1888

Helena Petrovna Blavatsky 
As pessoas geralmente desejam a seus amigos um feliz e, às vezes também acrescentam “próspero”, ano novo a seus amigos. Sob o número sombrio de 1888, não há muitas chances de felicidade ou prosperidade para aqueles que vivem em prol da Verdade; mas, ainda assim, o ano é anunciado pela gloriosa Vênus-Lúcifer, brilhando de forma tão resplandecente que tem sido confundida com outra visitante ainda mais rara, a estrela de Belém. Certamente que, com ela também presente, algo do princípio Christos deve nascer sobre a terra em tais circunstâncias. Mesmo que a felicidade e a prosperidade estejam ausentes, é possível encontrarmos algo maior que ambas neste próximo ano. Vênus-Lúcifer é a patrona de nossa revista e como escolhemos vir à luz sob seus auspícios, também desejamos tocar a sua nobreza. Isso é possível para todos nós individualmente, e, em vez de desejarmos um próspero ou feliz ano novo a nossos leitores, sentimo-nos mais propensos a pedir-lhes que tornem o ano digno de seu arauto brilhante. Podem assim fazê-lo aqueles que são corajosos e resolutos. Thoreau destaca a existência dos artistas da vida, pessoas que podem mudar a cor do dia e torná-lo belo para aqueles com quem têm contato. Nós afirmamos que há Adeptos, Mestres da vida, que a tornam divina, como a todas as outras artes. Não seria esta a maior de todas as artes, aquela que afeta a própria atmosfera na qual vivemos? Que se trata da arte mais importante percebemos de imediato ao nos lembrarmos de que cada pessoa  a respirar o sopro da vida tem um efeito sobre a atmosfera mental e moral do mundo e contribui para colorir o dia daqueles ao seu redor. Aqueles que não ajudam a elevar os pensamentos e as vidas dos outros, necessariamente, paralisam-nos por sua indiferença se não estiverem a ativamente arrastarem-nos para baixo. Quando este último ponto é alcançado, a arte da vida se converte na ciência da morte; vemos o mago negro em ação. E ninguém pode ser completamente inativo.
Embora muitos livros e retratos ruins sejam produzidos, nem todos que são incapazes de escrever ou pintar bem insistem em fazê-lo de forma ruim. Imaginem o resultado se assim o desejassem! Entretanto, o mesmo se aplica à vida. Todos vivem, pensam e falam. Se todos os nossos leitores que têm alguma simpatia para com Lúcifer se esforçassem em aprender a arte de tornar a vida não só bonita, mas também divina e se comprometessem a não mais serem levados pela descrença na possibilidade desse milagre, mas iniciassem a tarefa hercúlea de uma vez por todas, então 1888, por mais pouco auspicioso que seja o ano, seria devidamente conduzido pela estrela radiante.
A felicidade e a prosperidade nem sempre são as melhores companhias para mortais pouco desenvolvidos como a maior parte de nós; elas raramente trazem consigo a paz, que é o único contentamento permanente. A noção de paz é geralmente conectada com o fim da vida e um estado de consciência religiosa. Esse tipo de paz, porém, geralmente traz consigo o elemento da expectativa. Os prazeres deste mundo foram subjugados e a alma aguarda alegremente com a expectativa dos prazeres da próxima vida. A paz da mente filosófica é muito diferente e pode ser alcançada cedo na vida, quando os seus prazeres mal foram experimentados, bem como quando já foram completamente bebidos. Os transcendentalistas americanos descobriram que a vida poderia se tornar sublime sem auxílio sequer de circunstâncias ou fontes de prazer e prosperidade. É claro que isso já foi descoberto muitas vezes antes, e Emerson apenas assumiu novamente a súplica de Epiteto. Mas toda pessoa deve descobrir esse fato novamente por si mesma, e uma vez tendo compreendido isto, ela sabe que será miserável caso não se esforce em tornar tal possibilidade em realidade na sua própria vida.
O estoico se tornou sublime porque reconheceu a sua própria responsabilidade absoluta e não tentou fugir dela; o transcendentalista ainda mais, pois tinha fé nas possibilidades desconhecidas e não testadas dentro de si. O ocultista reconhece plenamente a responsabilidade e reivindica o seu título após ter testado e adquirido o conhecimento de suas próprias possibilidades. O teosofista que tem seriedade vê sua responsabilidade e esforços para encontrar o conhecimento, vivendo, nesse ínterim, de acordo com os padrões mais elevados de que tem consciência. A todos eles, Lúcifer os saúda! A vida do Homem está em suas próprias mãos, o seu destino pertence a si mesmo. Então, por que 1888 não deveria ser um ano de desenvolvimento espiritual maior do que todos em que vivemos anteriormente? Depende de nós mesmos para assim fazê-lo. Esse é um fato real, não um sentimento religioso.
Num jardim de girassóis, cada flor se volta para a luz. Por que não fazemos o mesmo? Que ninguém imagine se tratar de mero capricho dar importância ao nascimento do ano. A terra passa por suas fases definidas e o ser humano com ela; e se um dia pode ser colorido, um ano também pode. A vida astral da terra é jovem e forte entre o Natal e a Páscoa. Aqueles que formularem seus desejos agora terão força extra para realizá-los com diligência.
[Artigo originalmente publicado na revista Lucifer, Vol. I, No. 5, Janeiro de 1888, pp.
337-338. Traduzido por Bruno Carlucci em dezembro de 2017. Revisado em dezembro de 2019].