sexta-feira, 31 de julho de 2020

O Fédon de Platão e o caminho das virtudes

O Fédon de Platão



Seleção de passagens sobre a jornada da alma e a senda da virtude:

"...os verdadeiros filósofos se acautelam contra os apetites do corpo, resistem-lhes e não se deixam dominar por eles; não têm medo da pobreza nem da ruína de sua própria casa, como a maioria dos homens, amigos das riquezas, nem temem a falta de honrarias e a vida inglória, como se dá com os amantes do poder e das distinções. Não é essa a razão de se absterem de tudo."

"É que toda alma humana, nos casos do prazer ou de sofrimento intensos, é forçosamente levada a crer que o objeto causador de semelhante emoção é o que há de mais claro e verdadeiro, quando, de fato, não é assim."

"Porque os prazeres e os sofrimentos são como que dotados de um cravo com o qual se transfixam a alma e a prendem ao corpo, deixando-a corpórea e levando-a a acreditar que tudo o que o corpo diz é verdadeiro."

"...logo depois, [a alma] volta a cair noutro corpo, onde cria raízes como se tivesse sido semeada nele, ficando de todo alheia da companhia do divino, do que é puro e de uma só forma."

"A alma do filósofo não raciocina desse jeito, nem pensa que a filosofia deve libertá-lo, para depois de livre, entregar-se de novo aos prazeres e às dores e voltar a acorrentar-se, deixando írrito seu esforço anterior e como que empenhada em fazer o inverso do trabalho de Penélope em sua teia. Ao contrário: Alcançando a calmaria das paixões e guiando-se pela razão, sem nunca a abandonar, contempla e se nutre do que é verdadeiro e divino e que paira acima das opiniões, certa de que precisará viver a vida assim, a vida toda, para, depois da morte, unir-se ao que lhe for aparentado e da mesma natureza, liberta das misérias humanas."

"Nisto, por conseguinte, antes de mais nada, é que o filósofo se diferencia dos demais homens: no empenho de tirar quanto possível a alma da companhia do corpo."

"Ora, a alma pensa melhor quando nada disso tem a perturbá-la, nem a vista, nem o ouvido, nem dor, nem prazer de nenhuma espécie, e, concentrada ao máximo em si mesma, dispensa a companhia do corpo, evitando tanto quanto possível qualquer comércio com ele, e esforça-se por apreender a verdade."

"e a temperança: Não deixa-se dominar pelos apetites, porém desprezá-los e revelar moderação, não será qualidade apenas das pessoas que em grau eminentíssimo desdenham do corpo e vivem para a filosofia?"

"Essa não é a maneria correta de alcançar a virtude: Trocar uns prazeres por outros, tristezas por tristezas, ou temores por temores de outra espécie, como trocamos em miúdos moedas de maior valor? Só há uma moeda verdadeira pela qual tudo isso deva ser trocado: Sabedoria."

"Para não ficarmos misólogos, disse, como outros ficam misantropos. O que de pior pode acontecer a qualquer pessoa é tornar-se inimigo da palavra. A misologia e a misantropia têm a mesma origem. O ódio ao homem nasce do excesso de confiança sem razão de ser, quando consideramos alguém fiel, sincero e verdadeiro, e logo depois descobrimos que se trata de pessoa corrupta e desleal, e depois outra mais nas mesmas condições. Vindo isso a repetir-se várias vezes com o mesmo paciente, principalmente se se tratar de amigos íntimos e companheiros de alto crédito, depois de decepções seguidas, acaba essa pessoa por odiar os homens e acreditar que ninguém é sincero. Nunca observaste que é assim mesmo que as coisas se passam?
- Sem dúvida, respondi.
E não é isso deprimente? Continuou. Pois é claro que esse indivíduo procura o convívio de seus semelhantes sem conhecer devidamente a natureza humana, pois, se dispusesse de alguma experiência nas suas relações com eles, teria compreendido como é realmente o mundo, isto é, que são poucos os indivíduos inteiramente bons ou maus de todo, e que a maioria constitui o meio-termo."

"Tudo o que leva a ideia do contrário da coisa que o recebe, não admite nesta o contrário daquilo que ele leva."

"A alma dá vida e não admite o contrário da vida, logo é imortal, mesmo dando vida ao que é perecível."

"Precisamos tudo fazer para em vida adquirir virtude e sabedoria, pois bela é a recompensa e infinitamente grande a esperança."

"Pode tranquilizar-se com relação à sua alma o homem que passou a vida sem dar o menor apreço aos prazeres do corpo."

"Todo entregue aos deleites da instrução, com os quais adornava a alma, não como se o fizesse com algo estranho a ele, porém como jóias da mais feliz indicação: temperança, justiça, nobreza e verdade, espera o momento de partir para o Hades quando o destino a convocar."

Referências:
Platão. Fédon. trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Ed. UFPA, 2011.

Em breve postaremos mais sobre o lançamento de um livro acerca da ética ensinada pelos antigos filósofos em diálogo com diferentes tradições espirituais.