quinta-feira, 14 de maio de 2020

Plotino e as Proposições Fundamentais de “A Doutrina Secreta”

Plotino e as Proposições Fundamentais de “A Doutrina Secreta”


Rafael Nascimento*


TheoSophia

A Filosofia Esotérica não se caracteriza por ser velha! Ela não é um corpo de conhecimento inerte, caído em desuso, capaz de encontrar ressonância apenas nas mentes arcaicas ou lunáticas. Pelo contrário. A TheoSophia consiste em um sistema capaz de transformar nossa percepção embotada da realidade ordinária, expandindo nossa consciência, nos direcionando com segurança em uma caminhada que tem por objetivo a percepção da Verdade em todos os seus níveis. Ela se mantém atual, pois lança luz nos problemas mais urgentes e profundos do planeta: egoísmo, ganância, segregacionismo, dores e sofrimentos de todos os tipos, frutos da grande ignorância que assola a pobre e órfã humanidade. Mesmo assim ela não deixa de ser antiga, pois existe desde os primórdios do mundo, consistindo no próprio sistema de leis naturais (Gupta Vidya) que trouxeram nosso universo à manifestação. Um conjunto de Sábios, os grandes Magos, Mestres e Gurus de todas as eras, versados nesta filosofia, ensinam sua Doutrina Secreta aos que se encontram preparados. Por isso, disse Blavatsky: “Tais verdades não são, de modo algum, expostas com caráter de revelação; nem a autora tem a pretensão de se fazer passar por uma reveladora de conhecimentos místicos que fossem agora trazidos à luz pela primeira vez na história. A matéria contida nesta obra pode-se encontrar esparsa nos milhares de volumes que encerram as Escrituras das grandes religiões asiáticas e das primitivas religiões europeias – oculta sob hieróglifos e símbolos, e até então despercebida por causa desse véu.” (A Doutrina Secreta Vol. I) 

Dois autores e uma Verdade

Helena Petrovna Blavatsky nasceu em 12 de agosto de 1831 em Dnepropetrovsk, Ucrânia, e morreu no dia 8 de maio em Londres, na sede europeia da Sociedade Teosófica, situada na Avenue Road, número 19.

Helena casou-se, em 1849, com Nikifor Blavatsky, de quem herdou seu conhecido sobrenome, mas pouco tempo depois deixou seu marido e viajou pela Turquia, Grécia, Egito e França. Em 1951, encontrou seu Mestre em Londres, fato que mudaria drasticamente os rumos de sua vida. Andou pelo mundo e em meados da década de 1860, enquanto viajava entre tribos nativas do Cáucaso, enfrentou graves crises físicas e psíquicas, adquirindo controle completo sobre seus poderes ocultos, manifestados desde a infância.

Em 1868, partiu para o Tibet com seu Mestre. Anos mais tarde, em 1873, desembarcou em Nova York. Conheceu Henry Steel Olcott em 1874 e, em 1875, fundou a Sociedade Teosófica no dia 8 de setembro com Olcott, William Q. Judge e outros. Cel. Olcott fez o discurso inaugural em 17 de novembro. Em 19 de dezembro de 1882, transferiu a sede da Sociedade Teosófica de Nova York para Adyar, Madras (atual Chennai), na Índia, fixando assim a sede internacional da S.T.

Suas principais obras são “Isis sem Véu” (1877), “A Doutrina Secreta” (1888), “A Chave para a Teosofia” (1889) e “A Voz do Silêncio” (1889). Lançou sua primeira revista, “The Theosophist”, em 1879 e sua segunda, “Lucifer”, em 1887. 

Devemos a Blavatsky, figura extraordinária e devotada trabalhadora, a eclosão do movimento teosófico moderno do ponto de vista externo.

Plotino viveu de 205 a 270 d. C., nasceu em Licópolis, no Egito, e morreu em Roma. Pouco se sabe sobre sua vida. Seu discípulo, Porfírio, que também trabalhou como seu editor e biógrafo, conta que o “pai do neoplatonismo” nunca quisera que soubessem o local exato de seu nascimento, a data e sua filiação. Alguns autores afirmam que seus pais eram egípcios helenizados; outros, que eram romanos, mas devido aos pouquíssimos dados biográficos, estas são afirmações incertas. Plotino se negava a ter sua imagem retratada ou esculpida, porém outro de seus discípulos levou até ele, sem que ele soubesse, o maior retratista da época que em seguida desenhou-o de memória.

Aos 28 anos, Plotino mudou-se para Alexandria, maior centro cultural, filosófico e religioso da época, para que pudesse estudar. Despois de escutar vários expositores sem encontrar o que desejava, decepcionado, foi apresentado a Amônio Sacas (175-242 d.C.), historicamente o criador do vocábulo “TheoSophia”, e encantado com as exposições de seu futuro mestre, exclamou, segundo dizem: “Eis o homem que eu procurava”. Desde então, sucederam 11 anos de discipulado fiel até a morte de seu mestre, Amônio Sacas, que não deixou textos escritos e cujos discípulos comprometeram-se a não divulgar seus ensinamentos abertamente para que não fossem profanados. 

Com a morte de Amônio Sacas, Plotino, com 39 anos, decide juntar-se ao exército do imperador romano Górdio III, que partia em direção ao Oriente para combater os avanços do Rei persa Sapor I na Mesopotâmia. Sua intenção era entrar em contato direto com a sabedoria persa e hindu, pelas quais nutria profunda admiração, provavelmente infundida por Amônio.

Plotino começou a escrever aos 49 anos, após vinte anos de estudo e ensino de filosofia. Deixou 54 tratados que foram agrupados e editados por Porfírio em seis capítulos, compostos de nove tratados cada, intitulados, assim, de “Enéadas”.

A Sabedoria Antiga, resgatada e divulgada para o ocidente nos tempos modernos por H.P.B., foi chamada por ela de TheoSophia, ou Teosofia. Sendo assim, é clara a referência à escola de Amônio Sacas, na qual Plotino era um dos grandes discípulos iniciados. Dois autores, épocas distintas, uma só Verdade!

As Três Proposições Fundamentais
Blavatsky afirma no magistral proêmio que antecede as “Estâncias do Livro Secreto de Dzyan”, no Vol. I de “A Doutrina Secreta”, que antes que o leitor tome conhecimento das Estâncias, é de fundamental importância que ele apreenda três conceitos fundamentais “que informam e interpenetram todo o sistema de pensamento para o qual sua atenção vai ser dirigida”:

I.        Um Princípio Onipresente, Sem limites e Imutável, sobre o qual toda especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo. Está além do horizonte e do alcance do pensamento, ou, segundo as palavras do Mândûkya, é “inconcebível e inefável”. (...)

II.        A Eternidade do Universo in toto como plano sem limites; periodicamente “cenário de Universos inumeráveis, manifestando-se e desaparecendo constantemente”, chamados “as Estrelas que se manifestam” e “as Centelhas da Eternidade”. “A Eternidade do Peregrino” é como um abrir e fechar de olhos da Existência-por-si-mesma, segundo o Livro de Dzyan. “O aparecimento e o desaparecimento de Mundos são como o fluxo e o refluxo periódico das marés.” (...)

III.        A identidade fundamental de todas as Almas com a Alma Suprema Universal, sendo esta última um aspecto da Raiz Desconhecida; e a peregrinação obrigatória para todas as Almas, centelhas daquela Alma Suprema, através do Ciclo de encarnação ou de Necessidade, durante todo esse período. (...) (Vol. I)

A relação entre as Proposições e os ensinamentos de Plotino

Plotino ensinou sobre coisas diversas: o belo, a dialética, a origem dos seres. Entretanto, toda sua obra é norteada pelo conceito fundamental da Unidade Suprema de todas as coisas, ou o Uno, sendo simples e princípio que transcende a dualidade e todos os números, como a origem comum do que é múltiplo em manifestação: “O número, a quantidade, não é o primeiro (princípio). Evidentemente, antes da dualidade está a Unidade” (Plotino – As três Hipóstases Iniciais).

Como Platão, Plotino sustentava que o mundo das formas tinha sua origem no plano das Ideias, o númeno antecede o fenômeno, e que todas as formas materiais são moldadas a partir de uma Forma Ideal (Plano das Ideias). “Quando percebemos nos corpos uma Forma Ideal (eidos) que molda e domina a matéria informe – contrária à Forma Ideal – como uma Forma Ideal que se destaca e subordina as outras formas, apreendemos num único olhar a unidade que emerge da multiplicidade , a remetemos à unidade interior e indivisível, e entre ambas há concórdia e comunhão” (Sobre o Belo). 

Mas Plotino, em seu tratado Sobre a descida da Alma nos corpos, diz que “Tem de haver algo além da Unidade. Do contrário, todas as coisas teriam permanecido potenciais, desprovidas de forma. (...) Essa força não pode ser detida ou circunscrita por um ato de auto-apropriação (...)”, ou como propôs H.P.B., há “Um Princípio Onipresente, Sem limites e Imutável, sobre o qual toda especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo” – é a Raiz sem raiz de todas as coisas.

A segunda Proposição nos ensina a eternidade do Universo em essência, mas que sua manifestação é periódica como o fluxo das marés, manvantara e pralaya, atividade e dissolução. Analogamente, Plotino diz que “se alguém admira este mundo perceptível, observando sua dimensão, sua beleza, a ordem de seu incessante curso, os deuses que há nele – alguns dos quais são visíveis e outros invisíveis -, os espíritos e todos os animais e plantas, então que se eleve ao arquetípico dele (deste mundo perceptível), a uma realidade ainda mais verdadeira, e ali veja todas essas coisas de maneira inteligível e eterna, com sua própria consciência e vida (...). No entanto, também temos que incluir o Movimento e o Repouso. O movimento provém da alteridade do ato intelectual; e o repouso provém de sua identidade: para que possa haver o pensador e o pensamento; pois se a alteridade for excluída, haverá apenas o Uno e Silêncio”. (As Três Hipóstases Iniciais).

Por fim, como é dito na terceira Proposição Fundamental de A Doutrina Secreta, há uma profunda identidade entre nossas almas individuais e a Suprema Alma Universal. Plotino vê na contemplação do belo, a beleza da alma, um instrumento de elevação, já que o belo tem sua origem no Uno. “Caminhemos então em direção à origem e indiquemos o princípio que concede beleza às coisas materiais. Sem dúvida esse princípio existe. É algo perceptível ao primeiro olhar, algo que a alma reconhece a partir de um antigo conhecimento e, ao reconhecê-lo, acolhe-o e entra em ressonância com ele. (...) Então, precisamos subir de novo em direção ao Bem, para o qual tende o desejo de todas as Almas” (Sobre o Belo)

E a peregrinação obrigatória para todas as Almas, centelhas daquela Alma Suprema, através do Ciclo de encarnação ou de Necessidade? “Devemos recorrer ao divino Platão, que em muitas passagens de seus diálogos disse muitas coisas a respeito da alma (psykhé) e de sua descida no corpo (...). Diz que a Alma está acorrentada e sepultada nele (o corpo), qualificando como uma grande verdade a doutrina exposta nos mistérios de que aqui a Alma está numa prisão. Ademais, a meu ver, a caverna para ele, assim como o antro para Empédocles, significam este mundo (sensível), pois Platão interpreta a libertação das cadeias e a subida para fora da caverna como a jornada da Alma em direção ao Mundo Inteligível” (Plotino – Sobre a descida das Almas nos corpos).

Concluímos que a Teosofia, como afirmamos anteriormente e pudemos, mesmo que de modo breve e sucinto explanar, é atemporal, embora antiga como a história da humanidade e da formação dos globos de nossa cadeia planetária. Grandes instrutores guardam estes ensinamentos, que constituem o germe de toda filosofia e corrente de pensamento. Ensinam de tempos em tempos para que nossas almas recordem sua origem, e como afirmou “a glória da filosofia antiga”, Plotino, “advém daí que as almas individuais têm um desejo intelectivo de retornar ao princípio de que provieram”. 

Muitos séculos depois, Helena Blavatsky trabalhou intensamente por nos inspirar, para que nossas almas se tornem desejosas pelo retorno, concluindo o ciclo da Necessidade.

“O Mundo Arquetípico é a verdadeira Idade de Ouro” - Plotino

*Rafael Nascimento é membro da Sociedade Teosófica no Brasil, atua na Loja Unicidade em Cataguases (MG). 

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A Teoria dos Ciclos

A Teoria dos Ciclos 

H.P. Blavatsky 



Já faz algum tempo que essa Teoria dos Ciclos, - exposta originalmente pela mais antiga de todas as religiões, a religião Védica, posteriormente ensinada por diversos filósofos gregos e mais tarde defendida pelos teósofos da Idade Média, mas logo negada categoricamente pelos ‘sábios’ do Ocidente, como ocorre a todas as coisas neste mundo de contradições, - foi gradualmente ganhando destaque novamente. E desta vez, contrariamente à regra geral, foram os próprios cientistas que se encarregaram de fazê-lo.

Estatísticas de eventos da mais variada natureza vêm sendo preparadas com a seriedade exigida pelos grandes problemas científicos. São estatísticas de guerras – e de períodos (ou ciclos) que marcam o aparecimento dos grandes homens – pelo menos daqueles reconhecidos como tais pelos seus contemporâneos, independentemente das opiniões posteriores; estatísticas sobre períodos que registram o desenvolvimento e o progresso dos grandes centros comerciais; da ascensão e queda das artes e ciências; dos cataclismos, como terremotos e epidemias; das épocas de frio ou calor extraordinários; dos ciclos de revoluções, do nascimento e queda de impérios; hoje, todas essas coisas estão sujeitas à análise dos cálculos matemáticos os mais rigorosos. Finalmente, até o significado oculto dos números contidos nos nomes de pessoas e cidades em acontecimentos e assuntos semelhantes, recebem uma atenção especial.

Se, de um lado, grande parte do público letrado volta-se para o ateísmo e o ceticismo, do outro, encontramos uma inegável corrente de misticismo, que vai abrindo caminho pelo terreno da ciência. É a prova da irreprimível necessidade que a humanidade experimenta quando procura convencer-se da existência de um Poder Supremo, que paira sobre a matéria; uma lei oculta e misteriosa que governa o mundo, e que melhor faríamos se a estudássemos e a observássemos cuidadosamente, tentando nos adaptar a ela, ao invés de negá-la cegamente e quebrar nossas cabeças contra a rocha do destino. 

Mais de uma mente inteligente, enquanto estudava a fortuna e os reveses das nações e dos grandes impérios, tem se sentido impressionada pela incidência de fatos idênticos registrados na história dessas nações e impérios, ou seja, a inevitável repetição na vida dessas nações e impérios dos mesmos acontecimentos e após um mesmo período de tempo. Essa analogia é encontrada em fatos que são substancialmente os mesmos, embora possa existir uma maior ou menor diferença nos seus detalhes externos.

Assim, a crença dos antigos astrólogos, adivinhos e profetas, pode muito bem ter sido confirmada pela verificação da maioria das suas mais importantes predições, sem que essas previsões de acontecimentos futuros implicassem na necessidade da existência de alguma coisa realmente milagrosa de sua parte. Adivinhos e augures, que nas velhas civilizações ocupavam as mesmas posições hoje mantidas pelos nossos historiadores, astrônomos e meteorologistas, não oferecem nada de mais extraordinário no fato de terem predito a queda de um império ou a perda de uma batalha, do que os nossos cientistas ao predizerem a volta de um cometa, uma modificação da temperatura ou, talvez, a conquista definitiva do Afeganistão.

Afora a necessidade dessas classes de serem observadores argutos, existia também a exigência do estudo de determinadas ciências, tanto naquelas recuadas épocas como hoje. 

Daqui a milhares de anos a ciência moderna terá se transformado numa ciência “antiga”. Hoje, o estudo das ciências, livre e aberto, está ao alcance de todos, enquanto que no passado estava confinado a poucos. No entanto, antigas ou modernas, ambas podem ser chamadas de ciências exatas, porque, se o astrônomo de hoje tira suas observações a partir de cálculos matemáticos, o astrólogo do passado baseava suas predições nas observações não menos cuidadosas e matematicamente corretas dos ciclos periódicos. E porque o segredo dessa ciência foi perdido, isso seria suficiente para garantir o direito de afirmar que ela jamais existiu? Ou que, aceitando a sua validade, o homem é obrigado a aceitar e a acreditar também em “magia”, “milagres”, e coisas tais? 

“Se, levando-se em conta as culminâncias a que chegou a ciência moderna, a pretensão de poder prever os acontecimentos futuros deva ser encarada como brincadeira de crianças ou como uma deliberada decepção”, - afirma um articulista do Novoye Vremya, o melhor jornal literário e político de São Petersburgo, - “então podemos apontar para a ciência que, por sua vez, trouxe novamente à baila o problema nas suas relações com os acontecimentos passados, exista ou não certa periodicidade na sua repetição; em outras palavras, se tais acontecimentos ocorrem após determinado período de anos a cada nação, e se existe uma periodicidade, esta pode ser devida a um mero acaso ou depende das mesmas leis naturais das quais também dependem, mais ou menos, muitos dos fenômenos da vida humana.” Sem dúvida, o último. 

E o escritor tem a melhor prova matemática do que diz, com o oportuno lançamento de novas obras, como a do Dr. E. Zasse, além de outras. Diversas obras eruditas que tratam desse assunto místico surgiram anteriormente, e de algumas delas e de respectivos cálculos trataremos a seguir; são obras saídas da pena de eminentes eruditos. 

Tendo anunciado no número de junho do The Theosophist o artigo de autoria do Dr. Blochivtz, “Sobre o significado do número sete” com todas as nações e todos os povos – publicado recentemente no jornal alemão Die Gegenwart – vamos agora sumarizar as opiniões da imprensa em geral sobre uma obra mais sugestiva de autoria do conhecido alemão, E. Zasse, contendo algumas de nossas reflexões. Essa obra acaba de ser publicada no Prussian Jorunal of Statistics, e corrobora vigorosamente a antiga Teoria dos Ciclos.

Esses períodos que provocam acontecimentos que sempre se repetem, começam partindo de uma rotação infinitamente pequena – de 10 anos, digamos – para alcançar depois outros ciclos que exigem 250, 500, 700 e 1000 anos, para efetuar sua revolução em torno de si mesmos, e dentro de um outro. Todos, porém, estão contidos na Maha-Yuga, a “Grande Idade”, ou ciclo dos cálculos do Manu, que por sua vez se desenrola entre duas eternidades – os Pralayas, ou Noites de Brâhma. Assim como no mundo objetivo da matéria, ou sistema de efeitos, as constelações menores e os planetas gravitam isoladamente e em conjunto em torno do Sol, da mesma maneira no mundo subjetivo, ou sistema de causas, todos esses inumeráveis ciclos gravitam entre aquilo que o intelecto finito do mortal comum encara como eternidade e que a ainda finita, porém mais profunda intuição do sábio e do filósofo vê como uma eternidade na ETERNIDADE. “Assim como é em cima, é embaixo”, ensina a velha máxima hermética.

Como uma experiência nessa direção, o Dr. Zasse escolheu as investigações estatísticas de todas as guerras, cuja ocorrência foi registrada pela História como um assunto que, mais que qualquer outro, permite mais facilmente uma verificação científica. Para ilustrar sua opinião do modo mais simples e compreensível, o Dr. Zasse apresenta os períodos de guerra e os períodos de paz, sob a forma de pequenas e grandes linhas sinuosas que correm sobre a área do Velho Mundo. A ideia não é nova, uma vez que essa imagem foi usada para ilustrações idênticas por mais de um místico antigo e medieval, tanto em palavras como em desenho – como, por exemplo, por Henry Khunrath. Mas serve perfeitamente ao seu objetivo e fornece-nos os fatos que desejamos. Entretanto, antes de tratar dos ciclos de guerras, o autor registra a ascensão e queda dos grandes impérios mundiais e mostra o grau de atividade que os mesmos desempenharam na História Universal. Ademais, acentua o fato de que se dividirmos o mapa do Velho Mundo em seis partes – Ásia Oriental, Central e Ocidental, Europa Oriental e Ocidental, e Egito – verificaremos facilmente que a cada 250 anos uma enorme vaga passa sobre essas áreas, provocando em cada uma, por sua vez, os mesmos acontecimentos que a precedente provocou.  Podemos chamar a essa vaga de “a vaga histórica” do ciclo de 250 anos. Agora, que o leitor acompanhe este místico número de anos.

A primeira dessas vagas teve início na China, 2000 anos antes da nossa era – durante a “idade de ouro” desse Império, a idade da filosofia, das descobertas e reformas.

Em 1750 a.C., os mongóis da Ásia Central fundaram um poderoso império. Em 1500, o Egito ergue-se de sua degradação temporária e lança-se sobre várias partes da Europa e da Ásia; e, por volta de 1250, a vaga histórica alcança e atravessa a Europa Oriental, transmitindo-lhe o espírito da expedição dos Argonautas, para desaparecer no ano 1000, por ocasião do cerco de Troia. 

Uma segunda vaga histórica surge mais ou menos na mesma ocasião na Ásia Central. Os citas abandonam suas estepes e inundam, por volta do ano 750 a.C., os países vizinhos, avançando para o Sul e o Ocidente. No ano 500 a.C. começa na Ásia Ocidental uma época de esplendor para a antiga Pérsia; e a Grécia atinge a culminância de sua cultura e civilização e avança mais para o Ocidente, onde, por ocasião do nascimento de Cristo, o Império Romano está no apogeu do seu poder e da sua grandeza.

Mais uma vez, nesse mesmo período, vamos encontrar o aparecimento de uma terceira vaga histórica no Extremo Oriente. Nessa ocasião, após prolongadas revoluções, a China funda novamente um poderoso império, registrando-se novo florescimento das artes, ciências e comércio. Então, passados 250 anos, encontramos os hunos saídos do interior da Ásia Central, no ano 500 d.C. renasce um novo e poderoso Império Persa; em 750 d.C. – na Europa Oriental – surge o Império Bizantino; e no ano 1000 – no ocidente europeu – aparece a segunda potência romana, o Império do Papado, que logo depois alcança um desenvolvimento extraordinário no tocante às suas riquezas e ao seu esplendor.

Ao mesmo tempo, a quarta vaga se aproxima, vinda o Oriente. A China floresce novamente; em 1250, a vaga mongólica invade e cobre enorme área de terra, inclusiva a Rússia. Por volta de 1500, na Ásia Ocidental, o Império Otamano ergue-se com toda sua força e conquista a península dos Balcãs; simultaneamente, porém, a Rússia liberta-se do jugo tártaro, e em 1750, durante o reinado de Catarina, a Grande, expande-se numa grandeza extraordinária e cobre-se de glória. A vaga avança incessantemente mais para o Ocidente, e a partir de meados do século passado [dezoito], a Europa passa a viver uma época de revoluções e reformas e, segundo o autor (o Dr. Zasse). “Se é permitido profetizar, nesse caso, por volta do ano 2000 a Europa Ocidental terá vivido um desses períodos de cultura e progresso tão raros na História”. (grifo extra)

A imprensa russa, aceitando a deixa, acredita que “por essa época, a Questão Oriental será finalmente resolvida, as dissensões nacionais dos povos europeus chegarão ao fim, e o alvorecer do novo milênio será testemunha da abolição dos exércitos e de uma aliança entre todos os impérios europeus.” Os sinais de regeneração multiplicam-se também no Japão e na China, como que acentuando a aproximação de uma nova vaga histórica no Extremo Oriente.

Se, do ciclo de dois séculos e meio de duração, descemos àqueles que deixam suas marcas a cada século, e reunindo os acontecimentos da História antiga, podemos marcar o nascimento e a ascensão de impérios; nesse caso, é possível verificar que desde o ano 700 a.C., as vagas centenárias não cessam de avançar, levando às culminâncias do próprio fastígio – e cada uma por sua vez – as seguintes nações e povos: assírios, babilônios, persas, gregos, macedônios, cartagineses, romanos e germânicos.

A impressionante periodicidade das guerras na Europa é também registrada pelo Dr. Zasse. A partir do ano 1700 d.C., cada período de dez anos vem sendo assinalado ou por uma guerra ou por uma revolução. Os períodos de fortalecimento e enfraquecimento do espírito guerreiro das nações europeias e uma vaga impressionantemente regular na sua periodicidade, aumentando incessantemente, como se impelida por alguma lei invisível e fixa. Essa mesma lei misteriosa parece fazer com que esses acontecimentos coincidam com a vaga astronômica ou ciclo, que, a cada nova revolução, é acompanhada pelo aparecimento, perfeitamente visível, de manchas solares. Os períodos durante os quais as potências europeias exibiram a mais destruidora energia são assinalados por um ciclo de 50 anos de duração. Seria demasiadamente longo e fastidioso enumerá-los a partir do início da História. Entretanto, podemos limitar nosso estudo ao ciclo que começou em 1712, quando todas as nações europeias lutavam ao mesmo tempo – as guerras do Norte, as guerras contra os turcos, e a guerra pelo trono da Espanha. Por volta de 1761, ocorreu a “Guerra dos Sete Anos”; em 1810, tivemos as guerras napoleônicas. Em 1861, a vaga apresentou uma ligeira alteração no seu curso regular, mas, como que para compensar esse enfraquecimento, ou, talvez, impelida por uma força inusitada, os anos imediatamente anteriores, da mesma forma que os subsequentes, deixaram na História o registro da mais feroz e sanguinolenta das guerras – a da Crimeia – no período que se seguiu àquele enfraquecimento, e a Revolução Americana, no período anterior. 

A periodicidade das guerras travadas entre a Rússia e a Turquia parece particularmente impressionante e representa uma vaga muito característica. Inicialmente, os intervalos entre os ciclos, que retornam sobre si mesmos, são de trinta anos de duração: 1710, 1740, 1770; depois, os intervalos diminuem e temos então um ciclo de vinte anos: 1790, 1810, 1829/30; em seguida, aumentam novamente: 1853 e 1878. Mas, anotando a duração total da maré do ciclo guerreiro, teremos no seu centro – de  1768 a 1812 – três guerras que se prolongaram por seis anos cada uma e, quando terminaram, outras guerras de dois anos.

Finalmente, o autor chega à conclusão que, diante dos fatos, torna-se praticamente impossível negar a presença de uma periodicidade regular no excitamento das forças físicas e mentais das nações do mundo. Ele prova que na história de todos os povos e impérios do Velho Mundo, os ciclos que assinalam os milênios e os séculos, da mesma forma que os menores, os de 50 e 10 anos de duração, são os mais importantes, uma vez que nenhum deles jamais deixou de trazer em seu rastro um acontecimento mais ou menos marcante na história da nação assolada por essas vagas históricas.

De todas as histórias, a da Índia é a mais confusa e a menos satisfatória. No entanto, se seus grandes acontecimentos consecutivos forem registrados e seus anais estudados, a lei dos ciclos poderia ser assinalada de maneira tão cabal como em qualquer outro país no que diz respeito às guerras, fomes, revoluções políticas e outros problemas.

Na França, um meteorologista de Paris deu-se o trabalho de compilar as estatísticas das estações mais frias e descobriu, ao mesmo tempo, que os anos que trazem o número 9 foram marcados pelos invernos mais rigorosos.

Suas anotações são as seguintes: em 859 d.C., a zona norte do Adriático ficou congelada e coberta de gelo pelo espaço de três meses. Em 1179, nas zonas mais moderadas, a Terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura. Em 1209, na França, a espessura da camada de neve e o frio rigoroso provocaram tal escassez de forragem que o gado morreu em todo o país. Em 1249, o Báltico, entre a Rússia, a Noruega e a Suécia, permaneceu congelado por vários meses e as comunicações só eram possíveis por meio de trenós. Em 1339, registrou-se um inverno tão rigoroso na Inglaterra que grande número de pessoas morreu de fome e por congelamento. Em 1409, o Danúbio ficou totalmente gelado desde as nascentes até a desembocadura, no Mar Negro. Em 1469, todos os vinhedos e pomares pereceram em consequência da geada. Em 1609, na França, Suíça e na Alta Itália, as pessoas precisavam serrar o pão e as demais provisões antes de poderem usá-los. Em 1639, o porto de Marselha ficou na sua maior parte coberto pela neve. Em 1659, todos os rios da Itália ficaram congelados. Em 1699, o inverno na França e na Itália foi o mais severo e o mais longo de todos. Os preços dos mantimentos sofreram tamanha alta que metade da população morreu de fome. Em 1709, o inverno não foi menos terrível. A terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura na França, Itália e Suíça, e o mar, tanto ao sul como ao norte, igualmente congelado e coberto por uma grossa crosta de gelo de muitos pés e por muitas milhas ao largo, já em alto mar. Manadas de animais selvagens que o frio escorraçou dos seus covis nas florestas procuravam refúgio nas aldeias e até mesmo nas cidades; e os pássaros morriam aos milhares. Em 1729, 1749 e 1769 (ciclos de 20 anos de duração), todos os rios e riachos ficaram durante várias semanas cobertos de neve em toda a França, e pereceram todas as árvores frutíferas.

Em 1789, a França foi novamente visitada por um rigoroso inverno. Em Paris, termômetros registraram por muito tempo 19 graus negativos. Entretanto, o mais severo de todos os invernos foi o de 1829. Durante cinquenta e quatro dias consecutivos todas as estradas da França permaneceram cobertas por uma capa de neve de vários pés de espessura, e todos os rios congelaram. Naquele ano, a fome a miséria atingiram o auge em todo o país. Em 1839, registrou-se novamente na França outro inverno particularmente severo. 

E agora, este ano de 1879 reafirmou seus direitos estatísticos e provou ser verdadeira a influência fatal do número 9. Os meteorologistas de outros países são convidados a seguir o exemplo do seu colega francês, e a realizar suas próprias investigações, pois o problema é certamente dos mais fascinantes e do tipo mais instrutivo.

Mas já foi dito o suficiente para provar que nem as ideias de Pitágoras sobre a misteriosa influência dos números, nem as teorias das antigas religiões e filosofias são tão inócuas e inverídicas quanto algumas que certos livre pensadores demasiadamente avançados gostariam de ver o mundo aceitar.

Artigo publicado em The Theosophist, Vol I, nº 10, de julho, 1880.
Transcrito nos Collected Writings, Vol. II.
Tradução de M. P. Moreira Filho.



segunda-feira, 13 de abril de 2020

Apolônio de Tiana - Parte II

Apolônio de Tiana

H.P.Blavatsky






É dito em Ísis sem Véu que os maiores instrutores acerca do divino concordam que quase todos os livros antigos foram escritos numa linguagem simbólica e inteligível apenas aos Iniciados. A biografia de Apolônio de Tiana nos serve de exemplo. Como todo cabalista sabe, ela abarca toda a filosofia hermética, servindo de contrapartida, em muitos aspectos, para as tradições deixadas a nós pelo Rei Salomão. Ela é lida como um conto de fadas, mas como no caso desse contos, às vezes eventos e fatos históricos são apresentados ao mundo sob as cores da ficção. A jornada para a Índia representa em cada um de seus estágios, embora, claro, de forma alegórica, as provações do Neófito,  dando ao mesmo tempo uma noção geográfica e topográfica de um certo país que existe até os dias atuais desde que se saiba para que lado procurar. Os longos discursos de Apolônio aos Brâmanes, seus conselhos sábios e os diálogos com Menippus de Corinto nos dariam, se interpretados, o Catecismo Esotérico. A sua visita ao império dos sábios, a sua entrevista com o rei Iarchas, o oráculo de Anfiarau, explicam simbolicamente muitos dos dogmas secretos de Hermes - no sentido genérico do nome - e do Ocultismo. Quão maravilhoso é esse relato, e se tal afirmação não fosse apoiada por inúmeros cálculos já realizados, e o segredo já tivesse sido em parte revelado, a escritora jamais ousaria dizê-lo.

As viagens do grande Mago estão corretamente, embora alegoricamente descritas, isto é, tudo que é relatado por Damis de fato aconteceu, mas a narrativa é baseada nos signos zodiacais. Como transliterado por Damis sob as orientações de Apolônio e traduzido por Filóstrato, trata-se de algo surpreendente de fato. Na conclusão do que agora pode ser relacionado ao incrível Adepto de Tiana, o que temos a intenção aqui de dizer ficará mais claro. Basta mencionar até aqui que os diálogos desvelariam, se corretamente entendidos, alguns dos segredos mais importantes da Natureza. Éliphas Lévi aponta para a grande semelhança que existe entre o Rei Iarchus e o fabuloso Hiram para quem Salomão obteve os cedros do Líbano e o ouro de Ofir. Mas ele se mantém em silêncio em relação a outra semelhança, que como um erudito cabalista, ele não poderia desconhecer. Ademais, seguindo o seu costume invariável, ele mistifica as informações ao leitor mais do que as ensina, divulgando nada e introduzindo-o ao caminho certo.

Como a maior parte dos heróis históricos de tempos muito antigos, cujas vidas e obras diferem bastante da humanidade comum, Apolônio é até os dias de hoje um enigma, que, até o momento, ainda não encontrou um Édipo. A sua existência é cercada por um véu de mistério que frequentemente é confundido como se tratando de um mito. Mas de acordo com todas as leis da lógica e da razão, é bem claro que Apolônio jamais deva ser entendido sob tal perspectiva. Se o teurgista de Tiana pode ser relegado a um personagem fictício, então a história não tem direito aos seus Césares e Alexandres. É bem verdade que este Sábio, insuperável em seus poderes taumatúrgicos até os dias atuais, de acordo com evidências historicamente comprovadas, veio à arena da vida pública sem ninguém saber de onde e desapareceu sem ninguém saber para onde foi.  Mas os motivos para isso são evidentes. Todos os métodos foram usados - principalmente durante o quarto e quinto séculos de nossa era - para varrer das mentes das pessoas a memória deste grande e santo homem. A circulação de suas biografias, que eram muitas e aclamadas, foi interrompida pelos cristãos e por um motivo muito contundente, como veremos. O diário de Damis sobreviveu milagrosamente como o último relato para nos contar a história. Mas não se deve esquecer que Justino Mártir com frequência fala de Apolônio, e o caráter e a sinceridade desse bom homem são incontestáveis, tanto quanto suas boas razões para se sentir desnorteado. Nem se pode negar que dificilmente haja algum Pai da Igreja dos primeiros seis séculos que não tenha notado a existência de Apolônio.  Apenas que, de acordo com os invariáveis costumes cristãos de caridade, as suas canetas foram imersas, como de praxe, na mais escura tinta de odium theologicum, da intolerância e do enviesamento. São Jerônimo (Hieronymus) dá em detalhes a história da suposta disputa de São João com o Sábio de Tiana ––uma competição de "milagres"–– em que, obviamente, o santo honesto* descreve em cores brilhantes a derrota de Apolônio e busca corroboração no Apócrifo de São João, declarado dúbio mesmo pela própria Igreja.**

*[Ver o Prefácio do Evangelho de São Mateus, Baronius, Vol. I, p. 752, citado de Mirville, VI, 63. Jerônimo é o Pai, que após achar o autêntico e original Evangelho (o texto hebreu) de Mateus, o Apóstolo-público, na biblioteca da Cesareia, “escrito pelas mãos de Matheus”, o próprio Jerônimo, (De Viris ilustração. cap. iii) admite que este foi deixado de lado como herético e substituído por seu próprio texto em grego. [ver B.C.W., Vol. IV, pp. 238-42.]  E foi também Jerônimo quem perverteu o texto no Livro de Jó para forçar a crença na ressurreição da carne (ver Isis Unveiled, Vol. II, pp. 181 et seq.), citando, para apoiá-lo, as autoridades mais eruditas.
**De Mirville fornece este relato animado da "disputa".
“João, pressionado, como São Jerônimo nos conta, por todas as igrejas da Ásia para proclamar mais solenemente [em face dos milagres de Apolônio] a divindade de Jesus Cristo, após uma longa prece com seus discípulos no Montes de Patmos e estando em êxtase pelo divino Espírito, fez ouvir em meio a trovões e raios o seu famoso In Principio erat Verbum. Quando aquele sublime êxtase que o fez ser chamado de "Filho do Trovão" passou, Apolônio foi forçado a se retirar e a desaparecer. Tal foi a sua derrota, menos sangrante, mas tão difícil como aquela de Simão, o Mago" (Des Esprits, Vol. VI, p. 63.) De nossa parte nunca ouvimos falar de êxtase produzindo trovão e raios e estamos mui perplexos para conseguir entender o significado disso.

Portanto, ninguém pode dizer onde ou quando Apolônio nasceu e todos são igualmente ignorantes quanto à data e o local de sua morte. Alguns pensam que sua morte teria ocorrido aos oitenta ou noventa anos de idade, outros que ele teria vivido até cem anos, ou até mesmo cento e dezessete anos. Mas, quer ele tenha terminado os seus dias em Éfeso no ano de 96 d.c., como alguns dizem, ou que tal fato tenha ocorrido em Lindus no templo de Pallas Athena, ou que tenha desaparecido do templo de Diktynna, ou, como alguns defendem, que não tenha morrido, mas que aos cem anos de idade tenha renovado a sua vida por meio da Magia e continuado a trabalhar para o benefício da humanidade, ninguém pode dizer. Apenas os Registros Secretos têm anotados o seu nascimento e a sua carreira subsequente. Mas, então, "Quem acreditou nesse relato?"

Tudo que a história sabe é que Apolônio foi o fundador entusiástico de uma nova escola de contemplação. Talvez menos metafórica e mais prática que a de Jesus; ele, no entanto, inculcou a mesma quintessência de espiritualidade, as mesmas verdades de elevada moral. Ele é acusado de tê-las confinado às classes mais altas da sociedade, ao invés do que Buddha e Jesus fizeram, pregando para os pobres e aos aflitos. Sobre suas razões para agir de tal forma exclusiva é impossível julgar tantos séculos depois. Mas a lei Karmica parece se misturar a isso. Nascido, como nos dizem, na aristocracia, é muito provável que tenha desejado terminar o trabalho deixado incompleto por seu antecessor nesta direção particular, e buscou oferecer  “paz na terra e boa vontade” para todos os homens, e não somente para os excluídos e criminosos. Portanto, ele se associou aos reis e poderosos de sua era. Todavia, os três "fazedores de milagres" exibiram similaridades de propósito impressionantes. Como Jesus e como Buddha, Apolônio foi um inimigo irredutível de qualquer demonstração externa de piedade, uso de cerimônias religiosas inúteis, intolerância e hipocrisia. Que os "milagres" de Apolônio foram mais incríveis, mais variados e muito melhor atestados pela História que o de qualquer outro também é verdade. O materialismo nega, mas as evidências e afirmações da própria Igreja, não obstante como seja rotulado por ela, mostram se tratar de um fato.*

* Esta é a velha, velha história. Quem de nós, teosofistas, não conhece por experiências pessoais amargas, o que o ódio, a malícia e a perseguição clerical podem fazer nessa direção; a que ponto de falsidade, calúnia e crueldade esses sentimentos podem ir, mesmo em nossa era moderna, e que exemplo de caridade, como a de Cristo, os Seus supostos e autodeclarados servos mostraram ser!

As calúnias levantadas contra Apolônio foram tão numerosas quanto falsas. Dezoito séculos após a sua morte, foi difamado pelo Bispo Douglas em sua obra contra milagres. Nele, o Reverendo, o bispo, se enterra ante os fatos históricos. [Pois não é no tocante aos milagres, mas à identidade de ideias e doutrinas promulgadas que temos de buscar pela semelhança entre Buddha, Jesus e Apolônio]. Se estudarmos a questão com a mente serena, logo perceberemos que a ética de Gautama Buddha, Platão, Apolônio, Ammonius Saccas, e seus discípulos, está toda baseada na mesma filosofia mística. Que todos adoravam o mesmo [Ideal divino], quer o considerassem como o “Pai” da humanidade, que vive no homem assim como o homem vive Nele, ou como o  Princípio Criativo Incompreensível; todos viveram vidas à semelhança de Deus. Ammonius, ao falar de sua filosofia, ensinou que a sua escola datava dos dias de Hermes, que trouxe a sua sabedoria da Índia. Era a mesma contemplação mística daquela do Yogue: a comunhão de Brahman com o seu próprio Ser luminoso - o Attan.”*

* Isis Unveiled, Vol. II, p. 342.

O fundamento da Escola Eclética, portanto, mostra-se idêntico às doutrinas dos Yogues - místicos hindus. Está provado que havia uma origem em comum, da mesma fonte que o budismo inicial de Gautama e seus Arhats.

O Nome Inefável pelo qual tantos cabalistas, desconhecendo qualquer Adepto oriental ou mesmo europeu, em vão consumiram o seu conhecimento e as suas vidas, habita latente no coração de todo homem. Este nome poderoso, de acordo com os mais antigos oráculos, “dissemina-se nos mundos infinitos, 
e pode ser obtido de duas formas: por meio da iniciação normal e por meio da "pequena voz" que Elias ouviu na caverna de Horeb, o monte de Deus. E "quando Elias ouviu, ele cobriu sua face com o manto e foi para fora e permaneceu na entrada da caverna. E, vejam, a voz chegou até ele..."[Proclo, Sobre o Crátilo de Platão].

Quando Apolônio de Tiana desejava ouvir a “pequena voz,” ele se cobria num fino manto de lã, sobre o qual colocava ambos os pés, após executar certos passes magnéticos, e pronunciava não o "nome", mas uma invocação bem conhecida de todo adepto. Então ele levava o manto sobre sua cabeça e seu rosto e o seu "espírito" translúcido ou astral ficava livre. Em ocasiões normais ele não usava lã com maior frequência do que os sacerdotes dos templos. Ter a secreta combinação do "nome" dava ao "Hierofante" poder supremo sobre qualquer ser, humano ou outro, inferior a si próprio em termos de força da alma. [Isis Unveiled, Vol. II, pp. 343-44.]

Independente da escola a que pertencia, o fato é certo que Apolônio de Tiana deixou um nome imperecível atrás de si. Centenas de obras foram escritas sobre este homem admirável. Os historiadores têm debatido seriamente sobre ele; tolos pretensiosos, incapazes de chegar a qualquer conclusão sobre o Sábio, tentaram negar a sua própria existência. Quanto à Igreja, embora ela execre sua memória, jamais tentou apresentá-lo sob a perspectiva de um personagem histórico. A sua política agora parece ser a de direcionar a impressão deixada por ele a um outro canal - um velho e bem conhecido estratagema. Os jesuítas,  por exemplo, embora admitindo os seus “milagres”, lançaram uma corrente dupla de pensamento e foram bem sucedidos, como obtêm sucesso em todas as suas empreitadas. Apolônio é representado por uma parte como um obediente "instrumento de Satã", cercando os seus poderes teúrgicos por uma luz impressionante e ofuscante; enquanto que outra parte professa considera tal assunto como matéria de um romance astuto, escrito com um objetivo pré-determinado em vista.

Em seu volumoso Memoirs of Satan [Memórias de Satã], o Marquês de Mirville, ao longo de sua súplica pelo reconhecimento do inimigo de Deus como o produtor dos fenômenos espirituais, devota todo um capítulo a esse grande Adepto. A seguinte tradução das passagens em seu livro revela todo o estratagema. O leitor é solicitado a ter em mente que o Marquês escreveu todas as suas obras sob os auspícios e a autorização da Santa Sé de Roma.

O primeiro século ficaria incompleto e insultaria a memória de São João se silenciássemos acerca do nome que teve a honra de ser o seu antagonista especial, como Simão foi o de São Pedro, Elimas o de Paulo, etc. Nos primeiros anos da era cristã, . . .surge em Tiana, na Capadócia, um dos mais extraordinários homens, um prodígio da Escola Pitagórica. Um grande viajante como o seu mestre, iniciado em todas as doutrinas secretas da Índia, Egito e Caldeia, dotado, portanto, de todos os poderes teúrgicos dos antigos Magi, ele aturdiu, cada um a seu turno, todos os países que visitou e todos - somos obrigados a admitir - parecem ter abençoado a sua memória. Não podemos duvidar dos fatos sem repudiar registros históricos reais. Os detalhes de sua vida são transmitidos para nós por um historiador do século quatro [Filóstrato], o tradutor de um diário que registrava o dia a dia da vida do filósofo, escrito por Damis, seu discípulo e amigo íntimo.*

*Des Esprit . . . Vol. VI, p. 62. [o título completo do Vol. VI é: Des Esprit de L’Esprit-Saint et Du Miracle Dans les six premiers et les six derniers siècles de notre ère, spécialement Des Resurrections de Morts Des Exorcisms, Apparitions, Transports, etc.]

De Mirville admite a possibilidade de alguns exageros por parte do copista e tradutor, mas ele “ não acredita que eles tenham um grande impacto sobre a narrativa.” Portanto, ele se decepciona ao descobrir que Abbé Freppel “em seus eloquentes Ensaios [Les Apologistes Chrétiens au Deuxiéme Siècle, p. 106 (Paris, A. Bray, 1860.)], chamando o diário de Damis um romance" - Por quê?

[Porque] o orador baseia a sua opinião na similitude perfeita, calculada como ele imagina, daquela lenda com a vida do Salvador. Mas ao estudar o assunto com mais profundidade, ele [Abbé Freppel] pode convencer a si próprio de que nem Apolônio, nem Damis, nem Filóstrato jamais reivindicaram  honra maior do que uma semelhança com São João. Esse roteiro era em si mesmo fascinante, e a imitação como que suficientemente escandalosa; pois por meio das artes mágicas, Apolônio fora bem sucedido em contrabalancear, em aparência, vários dos milagres em Éfeso [produzidos por São João], etc.*

*Des Esprits, Vol. VI, p. 62.

A serpente que se esconde sob o capim mostrou a sua cabeça. É a semelhança perfeita da vida de Apolônio com a do Salvador que coloca a Igreja entre Scylla e Charybdis [isto é, entre a necessidade de escolher dos males o menor]. Negar a vida e os “milagres” de Apolônio significaria negar a confiabilidade dos próprios Apóstolos e escritores patrísticos sob cujas evidências é construída a vida do próprio Jesus. Atribuir as ações benéficas do Adepto, os seus atos de ressuscitar os mortos, atos de caridade, poderes de cura etc ao "velho inimigo" seria muito perigoso naquele período. Por isso o estratagema de confundir as ideias daqueles que se apoiam nas autoridades e nas críticas. A Igreja tem uma visão muito mais clara do que qualquer um de nossos grandes historiadores. A Igreja sabe que negar a existência daquele Adepto a levaria a negar o imperador Vespasiano e seus historiadores, os imperadores Alexandre Severo e Aureliano e seus historiadores, e, finalmente, negar Jesus e qualquer evidência sobre Ele, portanto, preparando o caminho para que o seu rebanho negasse a própria Igreja.

É interessante notar o que a Igreja diz acerca de tal emergência, por meio do seu interlocutor escolhido, De Mirville, conforme se segue: O que há de tão novo e tão impossível na narrativa de Damis sobre as viagens aos países dos Caldeus e Gimnosofistas? - Ele pergunta. Tente lembrar, antes de negar, o que eram naqueles dias esses países de maravilhas por excelência, assim como o testemunho de homens tais como Pitágoras, Empédocles e Demócrito, quem deveria ser capaz de saber do que eles escreviam. O que temos, então, para censurar Apolônio? O fato de realizar, assim como os Oráculos o faziam, uma série de profecias e previsões esplendidamente verificadas? Não, porque, como são mais bem estudadas nos dias de hoje, sabemos o que elas são*. Os Oráculos se tornaram para nós agora, o que foram para todos durante a último século, de Van Dale a Fontenelle. Seria por ter sido dotado de uma segunda vista e de ter tido visões à distância?† Não; pois tais fenômenos são endêmicos na Europa atual. Seria por ter exibido o seu conhecimento de todas as línguas conhecidas sob o sol sem ter jamais aprendido alguma delas? Mas quem pode ser ignorante do fato de que este é o melhor critério‡ da presença e assistência de um espírito seja lá de que tipo de natureza? Ou por ter acreditado na transmigração (reencarnação)? Ainda é algo acreditado (por milhões) em nossas dias. Ninguém tem ideia da quantidade de homens da ciência que buscam pelo reestabelecimento da religião druídica e dos Mistérios de Pitágoras. Ou seria por ter exorcizado os demônios e a peste? Os egípcios, os etruscos e todos os pontífices romanos o fizeram muitos antes.§ Por ter conversado com os mortos? Fazemos o mesmo nos dias de hoje, ou assim acreditamos– o que dá na mesma. Por ter acreditado nos fantasmas? Onde está o demonologista que não sabe que o fantasma é um "demônio do sul" referido no Salmo de David e temido então como o é no Norte da Europa?|| Por ter se tornado invisível conforme a sua vontade? É uma das capacidades do mesmerismo. Por ter aparecido após a sua (suposta) morte diante do Imperador Aureliano sobre os muros da cidade de Tiana e tê-lo convencido a encerrar o cerco sobre aquela cidade? Tal era a missão de todo herói depois da tumba, e o motivo da adoração prometida aos Manes.**Por ter descido ao covil famoso de Trophonius e tirado dele um livro antigo preservado anos depois pelo imperador Adriano em sua biblioteca de Anzio? Os Pausânias, dignos de confiança e sóbrios, tinham descido para a mesma cova antes de Apolônio e voltaram não menos que crentes. Por ter desaparecido em sua morte? Sim, como Rômulo, como Votan, como Licurgo, como Pitágoras, † sempre nas circunstâncias mais misteriosas, sempre assistidas por aparições, revelações etc. Vamos parar por aqui e repetir mais uma vez: se a vida de Apolônio tivesse sido um simples romance, ele nunca teria alcançado tal celebridade durante sua vida ou criado um secto tão numeroso, tão entusiasmado após sua morte. E, para acrescentar, se tudo isso tivesse sido um romance, nunca que Caracala teria despertado sua memória - ou Alexandre Severo teria colocado seu busto entre os de dois semideuses e do verdadeiro Deus, § (ou uma Imperatriz teria trocado correspondência com ele.). Mesmo após mal ter descansado das dificuldades do cerco a Jerusalém, Tito não teria se apressado em escrever uma carta a Apolônio, solicitando que o encontrasse em Argos e acrescentando que seu pai e ele (Tito)  deviam tudo ao grande Apolônio, e que , portanto, seu primeiro pensamento foi para o benfeitor.

 *Muitos são os que não sabem, e, portanto, não acreditam.
† Exatamente. Apolônio, durante um discurso que fazia em Éfeso perante um público de muitos milhares, percebeu o assassinato do imperador Domiciano em Roma e informou à cidade toda no exato momento em que estava acontecendo; e Swedenborg, da mesma maneira, viu de Gotemburgo o grande incêndio em Estocolmo e disse a seus amigos. Não havia telégrafo em uso naqueles dias.
‡ Não é critério algum. Os Sadhus e Adeptos hindus adquirem esse dom por meio da santidade de suas vidas. A Yoga-Vidya ensina e nenhum “espírito” é necessário.
§ Quanto aos Pontífices, trata-se de uma afirmação bem questionável.
|| Mas isso por si só não é motivo para que as pessoas acreditem nesta classe de espíritos. Há autoridades melhores para tal crença.
** O objetivo de De Mirville é mostrar que tais aparições, como as dos Manes ou espíritos desencarnados, são a obra do diabo, o "simulacro de Satã".
† Ele poderia ter acrescentado: como o grande Shankaracharya, Tsongkhapa e tantos outros verdadeiros Adeptos - até mesmo seu próprio Mestre, Jesus; pois esse é realmente um critério do verdadeiro Adeptado, mesmo que para "desaparecer" não seja preciso voar até as nuvens.
‡ Ver Dion Cassius, Roman History, LXXVIII, xviii, 2.
§ Lampridius, Alexander Severus, XXIX.



Nem o imperador Aureliano teria construído um templo e um santuário para aquele grande Sábio, para agradecê-lo por sua aparição e comunicação em Tiana. Essa conversa póstuma, como todos sabiam, salvou a cidade, na medida em que Aureliano, por conseguinte, levantou o cerco. Além disso, se fosse um romance, a História não teria contado com Vopisco, || um dos mais confiáveis historiadores pagãos para atestar tal fato. Finalmente, Apolônio não teria sido objeto de admiração de um caráter tão nobre como Epiteto, e até de vários Padres da Igreja; Jerônimo, por exemplo, em seus melhores momentos, escreveu isto sobre Apolônio:

Este filósofo viajante encontrou algo para aprender onde quer que fosse; tendo bom proveito em todos os lugares, se aperfeiçoando, assim, a cada dia. Quanto aos seus prodígios, mesmo sem querer entendê-los, Jerônimo inegavelmente os admite como tais, o que ele certamente nunca teria feito se não tivesse sido obrigado a fazê-lo por conta dos fatos. Para encerrar o assunto, se Apolônio tivesse sido um simples herói de um romance, dramatizado no século IV, os efésios não teriam, em sua gratidão entusiástica, erguido para ele uma estátua de ouro por todos os benefícios que ele lhes conferira. †



|| A passagem é a seguinte: “Aureliano decidira destruir Tiana, e a cidade só devia sua salvação a um milagre de Apolônio; esse homem tão famoso e sábio, esse grande amigo dos deuses, morto há muito tempo, apareceu repentinamente diante do imperador, quando este voltava para sua tenda, em sua própria figura e forma, e disse-lhe na língua panoniana: ‘Aureliano, se desejas vencer, abandona esses desígnios malignos contra meus concidadãos; se desejas comandar, abstenha-te de fazer jorrar sangue inocente; se desejas viver, abstenha-te da injustiça.’ Aureliano, familiarizado com o rosto de Apolônio, cujos retratos ele tinha visto em muitos templos, impressionou-se, imediatamente prometeu a ele [Apolônio] uma estátua, um retrato e um templo, e voltou-se completamente para as ideias de misericórdia.” E, então, Vopisco acrescenta: “Se eu acreditei cada vez mais nas virtudes do majestoso Apolônio, é porque, depois de reunir minhas informações a partir dos homens mais sérios, encontrei todos esses fatos corroborados nos Livros da Biblioteca Ulpiana. "(Ver Flavius Vopiscus, Divas Aurelianus, XXIV em Scriptores Historiae Augustae). Vopisco escreveu em 250, consequentemente, precedendo Filóstrato em um século. [Cf. de Mirville, Des Esprits. . . Vol. VI, p. 68 seg.].
* Ep. ad Paulinam.
† A informação acima foi em grande parte resumida a partir de Mirville, Op. cit., pp. 66-69.


Texto em inglês publicado no Vol. XIV de Blavatsky Collected Writings.

Traduzido por Bruno Carlucci em abril/2020.
















quinta-feira, 2 de abril de 2020

A Origem do Mal

A Origem do Mal 

Helena Petrovna Blavatsky 




O problema da origem do mal pode ser filosoficamente abordado apenas se a fórmula indiana arcaica for tomada como base do argumento. Somente a sabedoria antiga resolve a presença do inimigo universal de maneira satisfatória. Atribui o nascimento do Kósmos e a evolução da vida ao rompimento da UNIDADE manifestada primordial, na pluralidade ou na grande ilusão da forma. Após a HOMOGENEIDADE ter se transformado em Heterogeneidade, naturalmente criaram-se contrastes; daí surgiu o que chamamos de MAL, que desde então reinou supremo neste "Vale das Lágrimas".

A filosofia ocidental materialista (tão mal categorizada) não deixou de lucrar com esse grande princípio metafísico. Até a ciência física, com a química à frente, voltou sua atenção ultimamente para a primeira proposição e direciona seus esforços para provar com dados irrefutáveis a homogeneidade da matéria primordial. Mas agora pisa no pessimismo materialista, um ensinamento que não é nem filosofia nem ciência, mas apenas um dilúvio de palavras sem sentido. O pessimismo, em seu desenvolvimento mais recente, deixando de ser panteísta, se apegando ao materialismo, prepara-se para destituir de valor a antiga fórmula indiana. Mas o pessimista ateu não se eleva além do plasma homogêneo terrestre dos darwinistas. Para ele, o ultima thule [o grau mais elevado a se alcançar] é terra e matéria, e ele vê, além da prima materia [ a primeira matéria], apenas um vácuo feio, um nada vazio. Alguns dos pessimistas tentam poetizar sua ideia à maneira dos sepulcros embranquecidos, ou dos cadáveres mexicanos, cujas horríveis bochechas e lábios estão cobertos de rouge. A deterioração da matéria atravessa a máscara da vida aparente, apesar de todos os esforços em contrário.

O materialismo agora apadrinha metáforas e imagens indianas. Numa obra nova sobre o assunto, do Dr. Mainlander, "Pessimism and Progress" (Pessimismo e Progresso), aprendemos que o panteísmo indiano e o pessimismo alemão são idênticos; e que é a ruptura da matéria homogênea em material heterogêneo, a transição da uniformidade para a multiformidade, que resultou em um universo tão infeliz. Diz o pessimismo:

Essa [transição] é precisamente o erro original, o pecado primordial, que toda a criação deve expiar agora por um sofrimento pesado; é justamente esse pecado, que, tendo lançado tudo o que existe, o mergulhou nas profundezas abismais do mal e da miséria; para escapar dele há apenas um meio possível, isto é, pôr um fim ao próprio ser.

Essa interpretação da fórmula oriental, atribuindo a ela a primeira ideia de escapar da miséria da vida, "acabando com o ser" - seja o ser visto como aplicável a todo o Kósmos ou apenas à vida individual - é um equívoco grave. O panteísta oriental, cuja filosofia o ensina a discriminar entre Ser ou ESSE e existência condicionada, dificilmente se entregaria a uma ideia tão absurda quanto a postulação de tal alternativa. Ele sabe que pode pôr um fim à forma sozinho, não ao ser - e isso apenas neste plano de ilusão terrestre. É verdade que ele sabe que, matando em si mesmo Tanha (o desejo insaciável de existência, ou a "vontade de viver") - ele escapará gradualmente da maldição do renascimento e da existência condicionada. Mas ele também sabe que não pode matar, nem "pôr um fim", nem mesmo à sua própria vida, exceto como uma personalidade, o que afinal é apenas uma mudança de roupa. E acreditando apenas em Uma Realidade, que é o Ser eterno, a "CAUSA sem causa" da qual ele se exilou em um mundo de formas, ele considera as manifestações temporárias e progressivas no estado de Maya (mudança ou ilusão), como o maior mal, verdadeiramente; mas ao mesmo tempo como um processo da natureza, tão inevitável quanto as dores do nascimento. É o único meio pelo qual ele pode passar de vidas limitadas e condicionadas de tristeza para a vida eterna, ou para aquela absoluta "Seidade", tão graficamente expressa na palavra sânscrita sat. 

O "pessimismo" do panteísta hindu ou budista é metafísico, abstruso e filosófico. A ideia de que a matéria e suas manifestações proteanas são a fonte e a origem do mal e da tristeza universais é muito antiga, embora Gautama Buddha tenha sido o primeiro a dar sua expressão definitiva. Mas o grande Reformador indiano certamente nunca pretendeu fazer disso uma alça para o pessimista moderno se apossar, ou uma estaca para o materialista pendurar seus princípios distorcidos e perniciosos! O Sábio e Filósofo, que se sacrificou pela Humanidade vivendo por ela, a fim de salvá-la, ensinando os homens a ver na existência sensual da miséria apenas o sofrimento, nunca teve em sua mente filosófica profunda qualquer ideia de oferecer uma recompensa pelo suicídio. Seus esforços foram para libertar a humanidade de um apego muito forte à vida, que é a principal causa do Egoísmo - o criador da dor e do sofrimento mútuos. No seu caso pessoal, o Buddha nos deixou um exemplo de coragem a seguir; ao viver, sem fugir da vida. Sua doutrina mostra o mal imanente, não na matéria, que é eterna, mas nas ilusões criadas por ela: através das mudanças e transformações da matéria que geram vida - porque essas mudanças são condicionadas e essa vida é efêmera. Ao mesmo tempo, esses males mostram-se não apenas inevitáveis, mas necessários. Pois, se discernirmos o bem do mal, a luz das trevas e apreciarmos o primeiro, podemos fazê-lo apenas através dos contrastes entre os dois. Enquanto a filosofia de Buddha aponta, em seu significado de letra morta, apenas para o lado sombrio das coisas neste plano ilusório; seu esoterismo, a alma oculta dessa filosofia, afasta o véu e revela ao Arhat todas as glórias da VIDA ETERNA em toda a HOMOGENEIDADE da Consciência e do Ser. Outro absurdo, sem dúvida, aos olhos da ciência materialista e até do idealismo moderno, mas um fato para o Sábio e o Panteísta esotérico.

No entanto, a ideia fundamental de que o mal nasce e é gerado pelas crescentes complicações do material homogêneo, que se estabelece na forma e se diferencia cada vez mais à medida que essa forma se torna fisicamente mais perfeita, tem um lado esotérico que parece nunca ter ocorrido ao pessimista moderno. Seu aspecto de letra morta, no entanto, tornou-se objeto de especulação em todas as nações pensantes da antiguidade. Mesmo na Índia, o pensamento primitivo, subjacente à fórmula já citada, foi desfigurado pelo sectarismo e levou às observâncias ritualísticas e puramente dogmáticas dos hatha yogues, em oposição à filosófica Raja Yoga vedantina. A especulação exotérica pagã e cristã, e até o ascetismo monástico medieval, extraíram tudo o que podiam da ideia originalmente nobre, e a tornaram subserviente às suas visões sectárias de mente estreita. Suas falsas concepções de matéria levaram os cristãos desde os primeiros dias a identificar a mulher com o mal e a matéria - apesar do culto à Virgem prestado pela Igreja Católica Romana. 

Mas a aplicação mais recente da fórmula indiana mal compreendida pelos pessimistas na Alemanha é bastante original e bastante inesperada, como veremos. Fazer qualquer analogia entre um ensino altamente metafísico e a teoria da evolução física de Darwin parece, por si só, uma tarefa sem esperança. Ainda mais que a teoria da seleção natural não prega nenhum extermínio concebível do ser, mas, pelo contrário, um desenvolvimento contínuo e sempre crescente da vida. No entanto, a engenhosidade alemã conseguiu, por meio de paradoxos científicos e muito sofisma, conferir uma aparência de verdade filosófica. O antigo princípio indiano não escapou de litígios nas mãos do pessimismo moderno. O feliz descobridor da teoria, de que a origem do mal data da ameba protoplásmica, que se dividiu para procriação e, portanto, perdeu sua homogeneidade imaculada, reivindicou a fórmula arcaica ariana em seu novo volume. Enquanto exalta sua filosofia e a profundidade das concepções antigas, ele declara que deve ser vista "como a verdade mais profunda precogitada e roubada pelos sábios antigos do pensamento moderno"! 

Assim, o panteísmo profundamente religioso do filósofo hindu e budista e os caprichos ocasionais do materialista pessimista são colocados no mesmo nível e identificados pelo "pensamento moderno". O abismo intransitável entre os dois é ignorado. Parece pouco importar, ao que parece, que o panteísta, não reconhecendo realidade alguma no Kósmos manifestado, e considerando-o como uma simples ilusão de seus sentidos, tenha de ver sua própria existência também apenas como um feixe de ilusões. Quando, portanto, ele fala dos meios de escapar dos sofrimentos da vida objetiva, sua visão desses sofrimentos e seu motivo para pôr um fim à existência são completamente diferentes daqueles do materialista pessimista. Para ele, dor e tristeza são ilusões, devido ao apego a esta vida e à ignorância. Portanto, ele luta pela vida eterna, imutável e consciência absoluta no estado de Nirvana; enquanto o pessimista europeu, que toma os "males" da vida como realidades, aspira quando tem tempo de aspirar a qualquer coisa, exceto aquelas ditas realidades mundanas, à aniquilação do "ser", como ele a expressa. 

Para o filósofo, existe apenas uma vida real,  a bem-aventurança nirvânica, um estado que difere em espécie, e não apenas em grau, de qualquer um dos planos de consciência no universo manifestado. 
O pessimista chama "Nirvana" de superstição e o explica como "cessação da vida", vida para ele que começa e termina na Terra. O primeiro ignora em suas aspirações espirituais até a unidade homogênea integral, acerca da qual o pessimista alemão agora faz o seu capital. O filósofo conhece e acredita apenas na causa direta dessa unidade, eterna e sempre viva, pois é o UM incriado, ou melhor, não evolucionado. Portanto, todos os seus esforços são direcionados para a reunião mais rápida possível [com o UM] e retornar à sua condição pré-primordial, após sua peregrinação por essa série ilusória de vidas visionárias, com sua fantasmagoria irreal de percepções sensoriais.


Esse panteísmo pode ser qualificado de "pessimista" apenas por um crente em uma providência pessoal; por alguém que contrasta sua negação da realidade de qualquer coisa "criada" - isto é, condicionada e limitada - com sua própria fé cega e não filosófica. A mente oriental não se ocupa em extrair o mal de todas as leis radicais e manifestações da vida, nem multiplicar toda quantidade fenomenal pelas unidades de males muitas vezes imaginários: O panteísta oriental simplesmente se submete ao inevitável e tenta apagar de seu caminho na vida o maior número possível de "descidas ao renascimento" quanto puder, evitando a criação de novas causas kármicas. O filósofo budista sabe que a duração da série de vidas de todo ser humano - a menos que chegue ao Nirvana "artificialmente" ("toma o reino de Deus pela violência", na linguagem cabalística) - é dada, alegoricamente, nos quarenta e nove dias em que Gautama, o Budda, passou debaixo da árvore Bo. E o sábio hindu está ciente, por sua vez, de que precisa acender o primeiro e apagar o quadragésimo nono fogo* antes de alcançar a sua libertação final. Sabendo disso, tanto o sábio quanto o filósofo esperam pacientemente pela hora natural da libertação; enquanto que seu copista infeliz, o pessimista europeu, está sempre pronto para cometer, bem como pregar, o suicídio. Ignorante acerca das incontáveis cabeças da hidra da existência, ele é incapaz de sentir o mesmo desprezo filosófico pela vida que tem pela morte e, assim, seguir o sábio exemplo dado por seu irmão oriental.  

[*Nota: Este é um princípio esotérico, e os leitores em geral não farão muito disso. Mas o teosofista que leu Budismo Esotérico pode calcular os 7 por 7 dos quarenta e nove "dias" e os quarenta e nove "fogos" e entender que a alegoria se refere esotericamente às sete raças humanas consecutivas com suas sete subdivisões. Toda mônada nasce na primeira e obtém a libertação na última e sétima raça. Apenas um "Buddha" é mostrado alcançando-a durante o curso de uma vida.] 

Assim, o panteísmo filosófico é muito diferente do pessimismo moderno. O primeiro é baseado no entendimento correto dos mistérios do ser; o último é, na realidade, apenas mais um sistema do mal acrescido pela fantasia doentia em relação à já grande soma de males sociais reais. À luz da verdade sóbria, não é filosofia, mas simplesmente uma difamação sistemática da vida e do ser; as expressões biliosas de um hipocondríaco dispéptico ou incurável. Nenhum paralelo pode ser tentado entre os dois sistemas de pensamento. 

As sementes do mal e da tristeza foram, de fato, os primeiros resultados e conseqüências da heterogeneidade do universo manifestado. Ainda assim, eles não passam de uma ilusão produzida pela lei dos contrastes, que, como descrito, é uma lei fundamental da natureza. Nem o bem nem o mal existiriam, não fosse a luz que se lançam mutuamente.  Sendo, sob qualquer forma, observado desde a criação do mundo para oferecer esses contrastes, e o mal predominante no universo devido ao egotismo ou egoísmo, a rica metáfora oriental apontou a existência como uma expiação do erro da natureza; e a alma humana (psüche), passou a ser considerada o bode expiatório e vítima da Alma Universal inconsciente. Porém, não é o pessimismo, mas a sabedoria que deu à luz. 

A ignorância por si só é um mártir disposto, mas o conhecimento é o mestre do Pessimismo natural.Gradualmente, e pelo processo de hereditariedade ou atavismo, este último tornou-se inato no homem. Está sempre presente em nós, ainda que latente e silencioso no início. Em meio às primeiras alegrias da existência, quando ainda estamos cheios das energias vitais da juventude, ainda estamos aptos, cada um de nós, à primeira pontada de tristeza, após um fracasso ou ao surgimento repentino de uma nuvem negra, a acusá-lo sobre a vida; a sentir a vida como um fardo e, com frequência, a amaldiçoar o nosso ser. Isso mostra o pessimismo em nosso sangue, mas ao mesmo tempo a presença dos frutos da ignorância. 

À medida que a humanidade se multiplica, e com ela o sofrimento - que é o resultado natural de um número crescente de unidades que o geram -, a tristeza e a dor são intensificadas. Vivemos em uma atmosfera de tristeza e desespero, mas isso ocorre porque nossos olhos estão abatidos e atraídos para a terra, com todas as suas manifestações físicas e grosseiramente materiais. Se, em vez disso, o homem em sua jornada de vida olhasse, não para o céu, que é apenas uma figura de linguagem, mas para dentro de si mesmo e centralizasse seu ponto de observação no homem interior, ele logo escaparia dos entrelaçamentos da grande serpente da ilusão. Do berço ao túmulo, a sua vida se tornaria sustentável e valeria a pena ser vivida, mesmo nas piores fases.

O pessimismo - essa suspeita crônica do mal que espreita em toda parte - é, portanto, de natureza dupla e traz frutos de dois tipos. É uma característica natural do homem físico, e se torna uma maldição apenas para os ignorantes. É uma benção para o espiritual, na medida em que faz com que este se transforme no caminho certo e o leva à descoberta de outra verdade fundamental, isto é, de que tudo neste mundo é apenas preparatório porquanto transitório. É como uma fenda nas paredes escuras da prisão da vida na terra, através da qual rompe um raio de luz do lar eterno que, iluminando os sentidos internos, sussurra ao prisioneiro em sua concha de barro acerca da origem e do duplo mistério de nosso ser. Ao mesmo tempo, é uma prova tácita da presença no homem daquilo que conhece, sem ser informado, a saber: a existência de uma outra vida melhor, uma vez que se passa pela maldição das vidas na terra. 

Essa explicação do problema e da origem do mal sendo, como já foi dito, de caráter inteiramente metafísico, não tem nada a ver com leis físicas. Uma vez que pertence à parte espiritual do homem, lidar com esse assunto superficialmente é, portanto, muito mais perigoso do que permanecer ignorante dele. Pois, como está na raiz da ética de Gautama Buddha, e visto que agora caiu nas mãos dos filisteus modernos do materialismo, confundir os dois sistemas de pensamento "pessimista" pode levar tão somente ao suicídio mental, senão a algo pior.

A sabedoria oriental ensina que o espírito deve passar pela provação da encarnação e da vida e ser batizado com a matéria antes que possa alcançar experiência e conhecimento. Somente após isso, ele recebe o batismo da alma, ou a autoconsciência, e pode retornar à sua condição original de deus, acrescido de experiência e terminando com onisciência. Em outras palavras, ele pode retornar ao estado original de homogeneidade da essência primordial somente através da adição dos frutos do Karma, que por si só é capaz de criar uma divindade consciente absoluta, removida apenas em um grau do TODO absoluto.

Mesmo de acordo com a letra da Bíblia, o mal deve ter existido antes de Adão e Eva, que, portanto, são inocentes da difamação do pecado original.  Pois, se não houvesse mal ou pecado antes deles, não poderia existir nem Serpente tentadora nem uma Árvore do Conhecimento do bem e do mal no Éden. As características dessa macieira são mostradas no verso quando o casal provou seus frutos: "Os olhos de ambos foram abertos e eles sabiam" muitas coisas além de saber que estavam nus. Conhecimento  demasiado sobre as coisas da matéria é, com razão, mostrado como um mal. 

Mas é assim, e é nosso dever examinar e combater a nova teoria perniciosa. Até agora, o pessimismo era mantido nas regiões da filosofia e da metafísica e não mostrava pretensões de se intrometer no domínio da ciência puramente física, como o darwinismo.  A teoria da evolução tornou-se quase universal agora, e não há escola (exceto as escolas dominicais e missionárias) onde não seja ensinada, com algumas modificações do programa original. Por outro lado, não há outro ensinamento mais abusado e apropriado do que a evolução, especialmente pela aplicação de suas leis fundamentais à solução dos problemas mais compostos e abstratos da existência multifacetada do homem. Lá, onde a psicologia e até a filosofia "temem pisar", a biologia materialista aplica seu martelo de analogias superficiais e conclusões preconceituosas. Pior que tudo, afirmando que o homem é apenas um animal superior, mantém esse direito como inegavelmente pertencente ao domínio da ciência da evolução. Paradoxos nesses "domínios" não chovem, mas inundam.  Como "o homem é a medida de todas as coisas", portanto, o homem é medido e analisado pelo animal. Um materialista alemão [Haeckel] reivindica a evolução espiritual e psíquica como a propriedade legal da fisiologia e biologia; diz-se que os mistérios da embriologia e da zoologia sozinhos são capazes de resolver os da consciência no homem e a origem de sua alma. Outro [Leo Bach] encontra justificativa para o suicídio no exemplo de animais que, quando cansados de viver, acabam com sua vida por meio da fome.

Até então, o pessimismo, apesar da abundância e brilho de seus paradoxos, tinha um ponto fraco - a saber, a ausência de qualquer base real e evidente para se assentar. Seus seguidores não tinham um pensamento norteador e vivo para servi-los como farol e ajudá-los a se afastar dos bancos de areia da vida - reais e imaginários - tão profusamente semeados por si mesmos na forma de denúncias contra a vida e o ser. Tudo o que eles podiam fazer era confiar em seus representantes, que ocupavam seu tempo de maneira engenhosa, se não lucrativa, em aderir os muitos e vários males da vida às proposições metafísicas de grandes pensadores alemães, como Schopenhauer e Hartmann, como meninos pequenos que colocam caudas às pipas dos mais velhos e se alegram em vê-las sendo lançadas no ar. Mas agora o programa será alterado. Os pessimistas descobriram algo mais sólido e impositivo, ainda que menos filosófico, para acrescentar às suas lamentações e hinos fúnebres, do que as pipas metafísicas de Schopenhauer. O dia em que eles concordaram com as opiniões deste filósofo, que apontou para a VONTADE Universal como a perpetradora de todo o mal do mundo, não mais  retornará. Nem ficarão mais satisfeitos com o nebuloso "Inconsciente" de von Hartmann. Eles têm buscado diligentemente um solo mais agradável e menos metafísico para construir sua filosofia pessimista, e foram recompensados com sucesso, agora que a causa do sofrimento universal foi descoberta por eles nas leis fundamentais do desenvolvimento físico. O mal não será mais aliado ao fantasma nebuloso e incerto chamado "VONTADE", mas a um fato real e óbvio: os pessimistas serão rebocados a partir de agora pelos evolucionistas. O argumento básico de seu representante foi apresentado na sentença inicial deste artigo. O Universo e tudo o mais apareceram em conseqüência da "fragmentação e divisão da UNIDADE na Pluralidade". Esta interpretação bastante obscura da fórmula indiana não é feita para se referir, como mostrei, na mente do pessimista, à Unidade, à abstração vedantina - Parabrahman: caso contrário, eu certamente não deveria ter usado a palavra  "fragmentação." Nem concerne muito a Mulaprakriti, ou o "Véu" de Parabrahman; nem mesmo se relaciona com a primeira matéria primordial manifestada, exceto inferencialmente, como segue a exposição do Dr. Mainlander, mas principalmente com o protoplasma terrestre. O Espírito ou a divindade são totalmente ignorados neste caso; evidentemente por causa da necessidade de mostrar o todo como "o domínio legal da ciência física".

Em suma, afirma-se que a fórmula consagrada pelo tempo tem sua base e encontra sua justificativa na teoria de que, de "algumas, talvez uma forma única da natureza mais simples" (Darwin), "todos os diferentes animais e plantas vivendo hoje, e todos os organismos que já viveram na terra ", foram se desenvolvendo gradualmente. É-nos dito que este axioma da ciência justifica e demonstra o princípio filosófico hindu. O que é esse axioma? Ora, é isso: a ciência ensina que a série de transformações pelas quais a semente é feita para passar - a semente que cresce em uma árvore, ou se torna um óvulo, ou a que se desenvolve em um animal - consiste em todos os casos em nada além da passagem do tecido dessa semente, da forma homogênea para a forma heterogênea ou composta. Essa é a verdade científica que verifica a fórmula indiana pela dos evolucionistas, identifica a ambas e, portanto, exalta a sabedoria antiga, reconhecendo-a digna do pensamento materialista moderno.

Essa fórmula filosófica não é simplesmente corroborada pelo crescimento e desenvolvimento individual de espécies isoladas, explica nosso pessimista; mas é demonstrado tanto em temos gerais, como em detalhes. É demonstrado conforme justificação na evolução e crescimento do Universo, bem como de nosso planeta. Em suma, o nascimento, o crescimento e o desenvolvimento de todo o mundo orgânico em sua totalidade integral estão lá para demonstrar a sabedoria antiga. Dos universais aos particulares, descobre-se que o mundo orgânico está sujeito às mesmas leis de elaboração cada vez maiores, da transição da unidade para a pluralidade como "a fórmula fundamental da evolução da vida". Até o crescimento das nações, da vida social, das instituições públicas, do desenvolvimento das línguas, das artes e das ciências, tudo isso segue inevitavelmente e fatalmente a lei abrangente de "romper e dividir a unidade na pluralidade e a passagem do homogêneo para a multiformidade ". 

Mas, seguindo a sabedoria indiana, nosso autor exagera essa lei fundamental a seu modo e a distorce. Ele traz essa lei para os destinos históricos da humanidade. Ele torna esses destinos subservientes e uma prova da veracidade da concepção indiana. Ele sustenta que a humanidade como um todo integral, na proporção em que se desenvolve e progride em sua evolução, e se separa em suas partes - cada uma se tornando um ramo distinto e independente da unidade - afasta-se cada vez mais de sua original, saudável e harmoniosa unidade. As complicações do estabelecimento social, as relações sociais, como as da individualidade, levam ao enfraquecimento do poder vital, ao relaxamento da energia do sentimento e à destruição dessa unidade integral, sem a qual nenhuma harmonia interior é possível. A ausência dessa harmonia gera uma discórdia interna que se torna a causa da maior miséria mental. O mal tem suas raízes na própria natureza da evolução da vida e suas complicações. Cada um de seus passos adiante é ao mesmo tempo um passo dado à dissolução de sua energia e leva à apatia passiva. Esse é o resultado inevitável, diz ele, de toda complicação progressiva da vida; porque evolução ou desenvolvimento é uma transição do homogêneo para o heterogêneo, uma dispersão do todo para os muitos, etc., etc. Essa terrível lei é universal e aplica-se a toda a criação, desde o infinitesimalmente pequeno até o homem, pois, como ele diz, é uma lei fundamental da natureza. 

Agora, é justamente nessa visão unilateral da natureza física, que o autor alemão aceita sem um único pensamento quanto ao seu aspecto espiritual e psíquico, que sua escola está fadada ao certo fracasso. Não cabe saber se a referida lei de diferenciação e suas conseqüências fatais podem ou não se aplicar, em certos casos, ao crescimento e desenvolvimento da espécie animal e até do homem; mas simplesmente, uma vez que é a base e o principal suporte de toda a nova teoria da escola pessimista, se é realmente uma lei universal e fundamental? Queremos saber se essa fórmula básica da evolução abrange todo o processo de desenvolvimento e crescimento em sua totalidade; e se, de fato, está dentro do domínio da ciência física ou não. Se "nada mais é do que a transição do estado homogêneo para o heterogêneo", como diz Mainlander, resta provar que o processo dado "produz aquela combinação complicada de tecidos e órgãos que forma e completa o animal e a planta perfeitos ."

Como já foi observado por alguns críticos de "Pessimism and Progress", o pessimista alemão não duvida disso por um momento sequer. Sua suposta descoberta e ensinamento "repousam inteiramente em sua certeza de que o desenvolvimento e a lei fundamental do complicado processo de organização representam apenas uma coisa: a transformação da unidade em pluralidade". Daí a identificação do processo com dissolução e decadência, e o enfraquecimento de todas as forças e energias. Mainlander teria razão em suas analogias se essa lei da diferenciação do homogêneo no heterogêneo representasse realmente a lei fundamental da evolução da vida. Mas a ideia é bastante errada - tanto metafisicamente quanto fisicamente. A evolução não prossegue em linha reta; não mais do que qualquer outro processo da natureza, mas se movimenta ciclicamente, como todo o resto. As serpentes cíclicas engolem suas caudas como a Serpente da Eternidade. E é nisso que a fórmula indiana, um ensinamento da Doutrina Secreta, é de fato corroborada pelas Ciências naturais, e especialmente pela biologia. 

É o que lemos nas "Cartas Científicas" de um autor e crítico russo anônimo:

Na evolução de indivíduos isolados, na evolução do mundo orgânico, no universo, como no crescimento e desenvolvimento de nosso planeta - enfim, onde quer que ocorra algum dos processos de complexidade progressiva, lá encontramos, da transição da unidade para a pluralidade e da homogeneidade para a heterogeneidade, uma transformação inversa - a transição da pluralidade para a unidade, do heterogêneo para o homogêneo. . . . A observação minuciosa do processo dado de complexidade progressiva mostrou que o que ocorre nele não é apenas a separação de partes, mas também a absorção mútua. . . . Enquanto uma porção das células se fundem e se unem em um todo uniforme, formando fibras musculares, tecido muscular, outros são absorvidos nos tecidos ósseo e nervoso, etc., etc. O mesmo ocorre na formação de plantas. . . .

Nesse caso, a natureza material repete a lei que atua na evolução do psíquico e do espiritual: ambos descem, mas ressurgem e se fundem no ponto de partida. A massa ou elemento formativo homogêneo diferenciado em suas partes é gradualmente transformado em heterogêneo; depois, fundindo essas partes em um todo harmonioso, recomeça um processo inverso, ou reinvolução, e retorna gradualmente ao seu estado primitivo ou primordial

O pessimismo também não encontra melhor suporte no materialismo puro, pois até agora o último foi tingido com um viés decididamente otimista. Seus principais advogados nunca hesitaram em zombar da adoração teológica da "glória de Deus e de todas as suas obras". Büchner lança uma provocação ao panteísta que vê em um mundo tão "louco e ruim" a manifestação do Absoluto.  Mas, no geral, os materialistas admitem um equilíbrio entre o bem e o mal, talvez como um amortecedor contra qualquer tendência "supersticiosa" de olhar e esperar por algo melhor. Por mais estreitos que sejam seus pontos de vista e limitados como seus horizontes espirituais, eles ainda não vêem motivo para se desesperar com a tendência das coisas em geral. Os pessimistas panteístas, no entanto, nunca deixaram de insistir que o desespero do ser consciente é o único resultado legítimo da negação ateísta. Essa opinião é, claro, axiomática ou deveria ser. Se "nesta vida somente há esperança", a tragédia da vida é absolutamente sem qualquer razão de ser e uma perpetuação do drama é tão tola quanto inútil. 

O fato de as conclusões do pessimismo terem sido finalmente assimiladas por uma certa classe de escritores ateus é uma característica marcante dos das atuais e outro sinal dos tempos. Ilustra o truísmo de que o vazio criado pela negação científica moderna não pode e nunca pode ser preenchido pelas perspectivas frias oferecidas como um solatium [uma consolação] para otimistas. O "entusiasmo da humanidade" dos Comteanos é uma coisa pobre o suficiente em relação à aniquilação da raça por vir "à medida que os fogos solares desaparecem lentamente" - se é que realmente morrem - para agradar a ciência física no tempo calculado. Se toda a tristeza e sofrimento presentes, a luta acirrada pela existência e todos os seus horrores decorrentes, não servem para nada a longo prazo, se a HOMEM é um mero ser efêmero,  o jogo de forças cegas, por que ajudar na perpetuação da farsa?
A "trituração incessante da matéria, da força e da lei" apenas levará os milhões de humanos ao esquecimento eterno e, por fim, não deixará vestígios ou lembranças do passado, quando as coisas voltarem à nebulosidade da névoa de fogo, de onde surgiram. A vida terrestre não é um objeto em si. Está encoberta pelas nuvens da melancolia e da miséria. Não parece estranho, então, que o negacionista cego de alma prefira o pessimismo de Schopenhauer ao otimismo infundado de Strauss e seus seguidores, o que, diante de seus ensinamentos, lembra um dos espíritos animais de um jovem burro, depois de uma boa refeição de cardos.

Uma coisa é, no entanto, clara: a necessidade absoluta de alguma solução, que abraça os fatos da existência de maneira otimista. A sociedade moderna é permeada por um crescente cinismo e alvejada pela aversão à vida. Este é o resultado de uma total ignorância das operações do Karma e da natureza da evolução da Alma. É de uma lealdade equivocada aos dogmas de uma teoria mecânica e amplamente espúria da evolução, que o pessimismo se tornou tão indevido. Uma vez que a base da Grande Lei é compreendida - e que filosofia pode fornecer melhores meios para tal compreensão e solução final do que a doutrina esotérica dos grandes Sábios indianos -, não resta locus standi [sustentação em pé] possível para as recentes emendas ao sistema schopenhaueriano de pensamento ou às sutilezas metafísicas, tecidas pelo "filósofo do inconsciente". A razoabilidade da existência consciente pode ser comprovada apenas pelo estudo da filosofia primitiva e agora esotérica. E diz "não há morte nem vida, pois ambas são ilusões; o ser (ou a seidade) é a única realidade". Esse paradoxo foi repetido milhares de eras depois por um dos maiores fisiologistas que já existiram. "A vida é morte", disse Claude Bernard. O organismo vive porque suas partes estão sempre morrendo. A sobrevivência do mais apto certamente se baseia nesse truísmo. A vida do todo superior requer a morte do inferior, a morte das partes dependentes e subserviente a ele. E, assim como a vida é a morte, a morte é a vida, e todo o grande ciclo de vidas forma apenas UMA EXISTÊNCIA - o seu pior dia está em nosso planeta.

Aquele que SABE fará o melhor possível. Pois existe um amanhecer para todo ser, quando uma vez libertado da ilusão e ignorância pelo Conhecimento; e ele finalmente proclamará em verdade e toda Consciência a Mahamaya:

ARRUINADA É A TUA CASA, E OS PILARES RACHADOS!
A ILUSÃO A FEZ!
POR ELA SEGURO EU PASSO - A LIBERTAÇÃO A ALCANÇAR...


(Artigo originalmente publicado na Revista Lúcifer, em outubro de 1887). 
O original em inglês pode ser acessado aqui

Traduzido por Bruno Carlucci em abril de 2020.