A Origem do Mal
Helena Petrovna Blavatsky
O problema da origem do mal pode ser filosoficamente abordado apenas se a fórmula indiana arcaica for tomada como base do argumento. Somente a sabedoria antiga resolve a presença do inimigo universal de maneira satisfatória. Atribui o nascimento do Kósmos e a evolução da vida ao rompimento da UNIDADE manifestada primordial, na pluralidade ou na grande ilusão da forma. Após a HOMOGENEIDADE ter se transformado em Heterogeneidade, naturalmente criaram-se contrastes; daí surgiu o que chamamos de MAL, que desde então reinou supremo neste "Vale das Lágrimas".
A filosofia ocidental materialista (tão mal categorizada) não deixou de lucrar com esse grande princípio metafísico. Até a ciência física, com a química à frente, voltou sua atenção ultimamente para a primeira proposição e direciona seus esforços para provar com dados irrefutáveis a homogeneidade da matéria primordial. Mas agora pisa no pessimismo materialista, um ensinamento que não é nem filosofia nem ciência, mas apenas um dilúvio de palavras sem sentido. O pessimismo, em seu desenvolvimento mais recente, deixando de ser panteísta, se apegando ao materialismo, prepara-se para destituir de valor a antiga fórmula indiana. Mas o pessimista ateu não se eleva além do plasma homogêneo terrestre dos darwinistas. Para ele, o ultima thule [o grau mais elevado a se alcançar] é terra e matéria, e ele vê, além da prima materia [ a primeira matéria], apenas um vácuo feio, um nada vazio. Alguns dos pessimistas tentam poetizar sua ideia à maneira dos sepulcros embranquecidos, ou dos cadáveres mexicanos, cujas horríveis bochechas e lábios estão cobertos de rouge. A deterioração da matéria atravessa a máscara da vida aparente, apesar de todos os esforços em contrário.
O materialismo agora apadrinha metáforas e imagens indianas. Numa obra nova sobre o assunto, do Dr. Mainlander, "Pessimism and Progress" (Pessimismo e Progresso), aprendemos que o panteísmo indiano e o pessimismo alemão são idênticos; e que é a ruptura da matéria homogênea em material heterogêneo, a transição da uniformidade para a multiformidade, que resultou em um universo tão infeliz. Diz o pessimismo:
Essa [transição] é precisamente o erro original, o pecado primordial, que toda a criação deve expiar agora por um sofrimento pesado; é justamente esse pecado, que, tendo lançado tudo o que existe, o mergulhou nas profundezas abismais do mal e da miséria; para escapar dele há apenas um meio possível, isto é, pôr um fim ao próprio ser.
Essa interpretação da fórmula oriental, atribuindo a ela a primeira ideia de escapar da miséria da vida, "acabando com o ser" - seja o ser visto como aplicável a todo o Kósmos ou apenas à vida individual - é um equívoco grave. O panteísta oriental, cuja filosofia o ensina a discriminar entre Ser ou ESSE e existência condicionada, dificilmente se entregaria a uma ideia tão absurda quanto a postulação de tal alternativa. Ele sabe que pode pôr um fim à forma sozinho, não ao ser - e isso apenas neste plano de ilusão terrestre. É verdade que ele sabe que, matando em si mesmo Tanha (o desejo insaciável de existência, ou a "vontade de viver") - ele escapará gradualmente da maldição do renascimento e da existência condicionada. Mas ele também sabe que não pode matar, nem "pôr um fim", nem mesmo à sua própria vida, exceto como uma personalidade, o que afinal é apenas uma mudança de roupa. E acreditando apenas em Uma Realidade, que é o Ser eterno, a "CAUSA sem causa" da qual ele se exilou em um mundo de formas, ele considera as manifestações temporárias e progressivas no estado de Maya (mudança ou ilusão), como o maior mal, verdadeiramente; mas ao mesmo tempo como um processo da natureza, tão inevitável quanto as dores do nascimento. É o único meio pelo qual ele pode passar de vidas limitadas e condicionadas de tristeza para a vida eterna, ou para aquela absoluta "Seidade", tão graficamente expressa na palavra sânscrita sat.
O "pessimismo" do panteísta hindu ou budista é metafísico, abstruso e filosófico. A ideia de que a matéria e suas manifestações proteanas são a fonte e a origem do mal e da tristeza universais é muito antiga, embora Gautama Buddha tenha sido o primeiro a dar sua expressão definitiva. Mas o grande Reformador indiano certamente nunca pretendeu fazer disso uma alça para o pessimista moderno se apossar, ou uma estaca para o materialista pendurar seus princípios distorcidos e perniciosos! O Sábio e Filósofo, que se sacrificou pela Humanidade vivendo por ela, a fim de salvá-la, ensinando os homens a ver na existência sensual da miséria apenas o sofrimento, nunca teve em sua mente filosófica profunda qualquer ideia de oferecer uma recompensa pelo suicídio. Seus esforços foram para libertar a humanidade de um apego muito forte à vida, que é a principal causa do Egoísmo - o criador da dor e do sofrimento mútuos. No seu caso pessoal, o Buddha nos deixou um exemplo de coragem a seguir; ao viver, sem fugir da vida. Sua doutrina mostra o mal imanente, não na matéria, que é eterna, mas nas ilusões criadas por ela: através das mudanças e transformações da matéria que geram vida - porque essas mudanças são condicionadas e essa vida é efêmera. Ao mesmo tempo, esses males mostram-se não apenas inevitáveis, mas necessários. Pois, se discernirmos o bem do mal, a luz das trevas e apreciarmos o primeiro, podemos fazê-lo apenas através dos contrastes entre os dois. Enquanto a filosofia de Buddha aponta, em seu significado de letra morta, apenas para o lado sombrio das coisas neste plano ilusório; seu esoterismo, a alma oculta dessa filosofia, afasta o véu e revela ao Arhat todas as glórias da VIDA ETERNA em toda a HOMOGENEIDADE da Consciência e do Ser. Outro absurdo, sem dúvida, aos olhos da ciência materialista e até do idealismo moderno, mas um fato para o Sábio e o Panteísta esotérico.
No entanto, a ideia fundamental de que o mal nasce e é gerado pelas crescentes complicações do material homogêneo, que se estabelece na forma e se diferencia cada vez mais à medida que essa forma se torna fisicamente mais perfeita, tem um lado esotérico que parece nunca ter ocorrido ao pessimista moderno. Seu aspecto de letra morta, no entanto, tornou-se objeto de especulação em todas as nações pensantes da antiguidade. Mesmo na Índia, o pensamento primitivo, subjacente à fórmula já citada, foi desfigurado pelo sectarismo e levou às observâncias ritualísticas e puramente dogmáticas dos hatha yogues, em oposição à filosófica Raja Yoga vedantina. A especulação exotérica pagã e cristã, e até o ascetismo monástico medieval, extraíram tudo o que podiam da ideia originalmente nobre, e a tornaram subserviente às suas visões sectárias de mente estreita. Suas falsas concepções de matéria levaram os cristãos desde os primeiros dias a identificar a mulher com o mal e a matéria - apesar do culto à Virgem prestado pela Igreja Católica Romana.
Mas a aplicação mais recente da fórmula indiana mal compreendida pelos pessimistas na Alemanha é bastante original e bastante inesperada, como veremos. Fazer qualquer analogia entre um ensino altamente metafísico e a teoria da evolução física de Darwin parece, por si só, uma tarefa sem esperança. Ainda mais que a teoria da seleção natural não prega nenhum extermínio concebível do ser, mas, pelo contrário, um desenvolvimento contínuo e sempre crescente da vida. No entanto, a engenhosidade alemã conseguiu, por meio de paradoxos científicos e muito sofisma, conferir uma aparência de verdade filosófica. O antigo princípio indiano não escapou de litígios nas mãos do pessimismo moderno. O feliz descobridor da teoria, de que a origem do mal data da ameba protoplásmica, que se dividiu para procriação e, portanto, perdeu sua homogeneidade imaculada, reivindicou a fórmula arcaica ariana em seu novo volume. Enquanto exalta sua filosofia e a profundidade das concepções antigas, ele declara que deve ser vista "como a verdade mais profunda precogitada e roubada pelos sábios antigos do pensamento moderno"!
Assim, o panteísmo profundamente religioso do filósofo hindu e budista e os caprichos ocasionais do materialista pessimista são colocados no mesmo nível e identificados pelo "pensamento moderno". O abismo intransitável entre os dois é ignorado. Parece pouco importar, ao que parece, que o panteísta, não reconhecendo realidade alguma no Kósmos manifestado, e considerando-o como uma simples ilusão de seus sentidos, tenha de ver sua própria existência também apenas como um feixe de ilusões. Quando, portanto, ele fala dos meios de escapar dos sofrimentos da vida objetiva, sua visão desses sofrimentos e seu motivo para pôr um fim à existência são completamente diferentes daqueles do materialista pessimista. Para ele, dor e tristeza são ilusões, devido ao apego a esta vida e à ignorância. Portanto, ele luta pela vida eterna, imutável e consciência absoluta no estado de Nirvana; enquanto o pessimista europeu, que toma os "males" da vida como realidades, aspira quando tem tempo de aspirar a qualquer coisa, exceto aquelas ditas realidades mundanas, à aniquilação do "ser", como ele a expressa.
Para o filósofo, existe apenas uma vida real, a bem-aventurança nirvânica, um estado que difere em espécie, e não apenas em grau, de qualquer um dos planos de consciência no universo manifestado.
O pessimista chama "Nirvana" de superstição e o explica como "cessação da vida", vida para ele que começa e termina na Terra. O primeiro ignora em suas aspirações espirituais até a unidade homogênea integral, acerca da qual o pessimista alemão agora faz o seu capital. O filósofo conhece e acredita apenas na causa direta dessa unidade, eterna e sempre viva, pois é o UM incriado, ou melhor, não evolucionado. Portanto, todos os seus esforços são direcionados para a reunião mais rápida possível [com o UM] e retornar à sua condição pré-primordial, após sua peregrinação por essa série ilusória de vidas visionárias, com sua fantasmagoria irreal de percepções sensoriais.
Esse panteísmo pode ser qualificado de "pessimista" apenas por um crente em uma providência pessoal; por alguém que contrasta sua negação da realidade de qualquer coisa "criada" - isto é, condicionada e limitada - com sua própria fé cega e não filosófica. A mente oriental não se ocupa em extrair o mal de todas as leis radicais e manifestações da vida, nem multiplicar toda quantidade fenomenal pelas unidades de males muitas vezes imaginários: O panteísta oriental simplesmente se submete ao inevitável e tenta apagar de seu caminho na vida o maior número possível de "descidas ao renascimento" quanto puder, evitando a criação de novas causas kármicas. O filósofo budista sabe que a duração da série de vidas de todo ser humano - a menos que chegue ao Nirvana "artificialmente" ("toma o reino de Deus pela violência", na linguagem cabalística) - é dada, alegoricamente, nos quarenta e nove dias em que Gautama, o Budda, passou debaixo da árvore Bo. E o sábio hindu está ciente, por sua vez, de que precisa acender o primeiro e apagar o quadragésimo nono fogo* antes de alcançar a sua libertação final. Sabendo disso, tanto o sábio quanto o filósofo esperam pacientemente pela hora natural da libertação; enquanto que seu copista infeliz, o pessimista europeu, está sempre pronto para cometer, bem como pregar, o suicídio. Ignorante acerca das incontáveis cabeças da hidra da existência, ele é incapaz de sentir o mesmo desprezo filosófico pela vida que tem pela morte e, assim, seguir o sábio exemplo dado por seu irmão oriental.
[*Nota: Este é um princípio esotérico, e os leitores em geral não farão muito disso. Mas o teosofista que leu Budismo Esotérico pode calcular os 7 por 7 dos quarenta e nove "dias" e os quarenta e nove "fogos" e entender que a alegoria se refere esotericamente às sete raças humanas consecutivas com suas sete subdivisões. Toda mônada nasce na primeira e obtém a libertação na última e sétima raça. Apenas um "Buddha" é mostrado alcançando-a durante o curso de uma vida.]
Assim, o panteísmo filosófico é muito diferente do pessimismo moderno. O primeiro é baseado no entendimento correto dos mistérios do ser; o último é, na realidade, apenas mais um sistema do mal acrescido pela fantasia doentia em relação à já grande soma de males sociais reais. À luz da verdade sóbria, não é filosofia, mas simplesmente uma difamação sistemática da vida e do ser; as expressões biliosas de um hipocondríaco dispéptico ou incurável. Nenhum paralelo pode ser tentado entre os dois sistemas de pensamento.
As sementes do mal e da tristeza foram, de fato, os primeiros resultados e conseqüências da heterogeneidade do universo manifestado. Ainda assim, eles não passam de uma ilusão produzida pela lei dos contrastes, que, como descrito, é uma lei fundamental da natureza. Nem o bem nem o mal existiriam, não fosse a luz que se lançam mutuamente. Sendo, sob qualquer forma, observado desde a criação do mundo para oferecer esses contrastes, e o mal predominante no universo devido ao egotismo ou egoísmo, a rica metáfora oriental apontou a existência como uma expiação do erro da natureza; e a alma humana (psüche), passou a ser considerada o bode expiatório e vítima da Alma Universal inconsciente. Porém, não é o pessimismo, mas a sabedoria que deu à luz.
A ignorância por si só é um mártir disposto, mas o conhecimento é o mestre do Pessimismo natural.Gradualmente, e pelo processo de hereditariedade ou atavismo, este último tornou-se inato no homem. Está sempre presente em nós, ainda que latente e silencioso no início. Em meio às primeiras alegrias da existência, quando ainda estamos cheios das energias vitais da juventude, ainda estamos aptos, cada um de nós, à primeira pontada de tristeza, após um fracasso ou ao surgimento repentino de uma nuvem negra, a acusá-lo sobre a vida; a sentir a vida como um fardo e, com frequência, a amaldiçoar o nosso ser. Isso mostra o pessimismo em nosso sangue, mas ao mesmo tempo a presença dos frutos da ignorância.
À medida que a humanidade se multiplica, e com ela o sofrimento - que é o resultado natural de um número crescente de unidades que o geram -, a tristeza e a dor são intensificadas. Vivemos em uma atmosfera de tristeza e desespero, mas isso ocorre porque nossos olhos estão abatidos e atraídos para a terra, com todas as suas manifestações físicas e grosseiramente materiais. Se, em vez disso, o homem em sua jornada de vida olhasse, não para o céu, que é apenas uma figura de linguagem, mas para dentro de si mesmo e centralizasse seu ponto de observação no homem interior, ele logo escaparia dos entrelaçamentos da grande serpente da ilusão. Do berço ao túmulo, a sua vida se tornaria sustentável e valeria a pena ser vivida, mesmo nas piores fases.
O pessimismo - essa suspeita crônica do mal que espreita em toda parte - é, portanto, de natureza dupla e traz frutos de dois tipos. É uma característica natural do homem físico, e se torna uma maldição apenas para os ignorantes. É uma benção para o espiritual, na medida em que faz com que este se transforme no caminho certo e o leva à descoberta de outra verdade fundamental, isto é, de que tudo neste mundo é apenas preparatório porquanto transitório. É como uma fenda nas paredes escuras da prisão da vida na terra, através da qual rompe um raio de luz do lar eterno que, iluminando os sentidos internos, sussurra ao prisioneiro em sua concha de barro acerca da origem e do duplo mistério de nosso ser. Ao mesmo tempo, é uma prova tácita da presença no homem daquilo que conhece, sem ser informado, a saber: a existência de uma outra vida melhor, uma vez que se passa pela maldição das vidas na terra.
Essa explicação do problema e da origem do mal sendo, como já foi dito, de caráter inteiramente metafísico, não tem nada a ver com leis físicas. Uma vez que pertence à parte espiritual do homem, lidar com esse assunto superficialmente é, portanto, muito mais perigoso do que permanecer ignorante dele. Pois, como está na raiz da ética de Gautama Buddha, e visto que agora caiu nas mãos dos filisteus modernos do materialismo, confundir os dois sistemas de pensamento "pessimista" pode levar tão somente ao suicídio mental, senão a algo pior.
A sabedoria oriental ensina que o espírito deve passar pela provação da encarnação e da vida e ser batizado com a matéria antes que possa alcançar experiência e conhecimento. Somente após isso, ele recebe o batismo da alma, ou a autoconsciência, e pode retornar à sua condição original de deus, acrescido de experiência e terminando com onisciência. Em outras palavras, ele pode retornar ao estado original de homogeneidade da essência primordial somente através da adição dos frutos do Karma, que por si só é capaz de criar uma divindade consciente absoluta, removida apenas em um grau do TODO absoluto.
Mesmo de acordo com a letra da Bíblia, o mal deve ter existido antes de Adão e Eva, que, portanto, são inocentes da difamação do pecado original. Pois, se não houvesse mal ou pecado antes deles, não poderia existir nem Serpente tentadora nem uma Árvore do Conhecimento do bem e do mal no Éden. As características dessa macieira são mostradas no verso quando o casal provou seus frutos: "Os olhos de ambos foram abertos e eles sabiam" muitas coisas além de saber que estavam nus. Conhecimento demasiado sobre as coisas da matéria é, com razão, mostrado como um mal.
Mas é assim, e é nosso dever examinar e combater a nova teoria perniciosa. Até agora, o pessimismo era mantido nas regiões da filosofia e da metafísica e não mostrava pretensões de se intrometer no domínio da ciência puramente física, como o darwinismo. A teoria da evolução tornou-se quase universal agora, e não há escola (exceto as escolas dominicais e missionárias) onde não seja ensinada, com algumas modificações do programa original. Por outro lado, não há outro ensinamento mais abusado e apropriado do que a evolução, especialmente pela aplicação de suas leis fundamentais à solução dos problemas mais compostos e abstratos da existência multifacetada do homem. Lá, onde a psicologia e até a filosofia "temem pisar", a biologia materialista aplica seu martelo de analogias superficiais e conclusões preconceituosas. Pior que tudo, afirmando que o homem é apenas um animal superior, mantém esse direito como inegavelmente pertencente ao domínio da ciência da evolução. Paradoxos nesses "domínios" não chovem, mas inundam. Como "o homem é a medida de todas as coisas", portanto, o homem é medido e analisado pelo animal. Um materialista alemão [Haeckel] reivindica a evolução espiritual e psíquica como a propriedade legal da fisiologia e biologia; diz-se que os mistérios da embriologia e da zoologia sozinhos são capazes de resolver os da consciência no homem e a origem de sua alma. Outro [Leo Bach] encontra justificativa para o suicídio no exemplo de animais que, quando cansados de viver, acabam com sua vida por meio da fome.
Até então, o pessimismo, apesar da abundância e brilho de seus paradoxos, tinha um ponto fraco - a saber, a ausência de qualquer base real e evidente para se assentar. Seus seguidores não tinham um pensamento norteador e vivo para servi-los como farol e ajudá-los a se afastar dos bancos de areia da vida - reais e imaginários - tão profusamente semeados por si mesmos na forma de denúncias contra a vida e o ser. Tudo o que eles podiam fazer era confiar em seus representantes, que ocupavam seu tempo de maneira engenhosa, se não lucrativa, em aderir os muitos e vários males da vida às proposições metafísicas de grandes pensadores alemães, como Schopenhauer e Hartmann, como meninos pequenos que colocam caudas às pipas dos mais velhos e se alegram em vê-las sendo lançadas no ar. Mas agora o programa será alterado. Os pessimistas descobriram algo mais sólido e impositivo, ainda que menos filosófico, para acrescentar às suas lamentações e hinos fúnebres, do que as pipas metafísicas de Schopenhauer. O dia em que eles concordaram com as opiniões deste filósofo, que apontou para a VONTADE Universal como a perpetradora de todo o mal do mundo, não mais retornará. Nem ficarão mais satisfeitos com o nebuloso "Inconsciente" de von Hartmann. Eles têm buscado diligentemente um solo mais agradável e menos metafísico para construir sua filosofia pessimista, e foram recompensados com sucesso, agora que a causa do sofrimento universal foi descoberta por eles nas leis fundamentais do desenvolvimento físico. O mal não será mais aliado ao fantasma nebuloso e incerto chamado "VONTADE", mas a um fato real e óbvio: os pessimistas serão rebocados a partir de agora pelos evolucionistas. O argumento básico de seu representante foi apresentado na sentença inicial deste artigo. O Universo e tudo o mais apareceram em conseqüência da "fragmentação e divisão da UNIDADE na Pluralidade". Esta interpretação bastante obscura da fórmula indiana não é feita para se referir, como mostrei, na mente do pessimista, à Unidade, à abstração vedantina - Parabrahman: caso contrário, eu certamente não deveria ter usado a palavra "fragmentação." Nem concerne muito a Mulaprakriti, ou o "Véu" de Parabrahman; nem mesmo se relaciona com a primeira matéria primordial manifestada, exceto inferencialmente, como segue a exposição do Dr. Mainlander, mas principalmente com o protoplasma terrestre. O Espírito ou a divindade são totalmente ignorados neste caso; evidentemente por causa da necessidade de mostrar o todo como "o domínio legal da ciência física".
Em suma, afirma-se que a fórmula consagrada pelo tempo tem sua base e encontra sua justificativa na teoria de que, de "algumas, talvez uma forma única da natureza mais simples" (Darwin), "todos os diferentes animais e plantas vivendo hoje, e todos os organismos que já viveram na terra ", foram se desenvolvendo gradualmente. É-nos dito que este axioma da ciência justifica e demonstra o princípio filosófico hindu. O que é esse axioma? Ora, é isso: a ciência ensina que a série de transformações pelas quais a semente é feita para passar - a semente que cresce em uma árvore, ou se torna um óvulo, ou a que se desenvolve em um animal - consiste em todos os casos em nada além da passagem do tecido dessa semente, da forma homogênea para a forma heterogênea ou composta. Essa é a verdade científica que verifica a fórmula indiana pela dos evolucionistas, identifica a ambas e, portanto, exalta a sabedoria antiga, reconhecendo-a digna do pensamento materialista moderno.
Essa fórmula filosófica não é simplesmente corroborada pelo crescimento e desenvolvimento individual de espécies isoladas, explica nosso pessimista; mas é demonstrado tanto em temos gerais, como em detalhes. É demonstrado conforme justificação na evolução e crescimento do Universo, bem como de nosso planeta. Em suma, o nascimento, o crescimento e o desenvolvimento de todo o mundo orgânico em sua totalidade integral estão lá para demonstrar a sabedoria antiga. Dos universais aos particulares, descobre-se que o mundo orgânico está sujeito às mesmas leis de elaboração cada vez maiores, da transição da unidade para a pluralidade como "a fórmula fundamental da evolução da vida". Até o crescimento das nações, da vida social, das instituições públicas, do desenvolvimento das línguas, das artes e das ciências, tudo isso segue inevitavelmente e fatalmente a lei abrangente de "romper e dividir a unidade na pluralidade e a passagem do homogêneo para a multiformidade ".
Mas, seguindo a sabedoria indiana, nosso autor exagera essa lei fundamental a seu modo e a distorce. Ele traz essa lei para os destinos históricos da humanidade. Ele torna esses destinos subservientes e uma prova da veracidade da concepção indiana. Ele sustenta que a humanidade como um todo integral, na proporção em que se desenvolve e progride em sua evolução, e se separa em suas partes - cada uma se tornando um ramo distinto e independente da unidade - afasta-se cada vez mais de sua original, saudável e harmoniosa unidade. As complicações do estabelecimento social, as relações sociais, como as da individualidade, levam ao enfraquecimento do poder vital, ao relaxamento da energia do sentimento e à destruição dessa unidade integral, sem a qual nenhuma harmonia interior é possível. A ausência dessa harmonia gera uma discórdia interna que se torna a causa da maior miséria mental. O mal tem suas raízes na própria natureza da evolução da vida e suas complicações. Cada um de seus passos adiante é ao mesmo tempo um passo dado à dissolução de sua energia e leva à apatia passiva. Esse é o resultado inevitável, diz ele, de toda complicação progressiva da vida; porque evolução ou desenvolvimento é uma transição do homogêneo para o heterogêneo, uma dispersão do todo para os muitos, etc., etc. Essa terrível lei é universal e aplica-se a toda a criação, desde o infinitesimalmente pequeno até o homem, pois, como ele diz, é uma lei fundamental da natureza.
Agora, é justamente nessa visão unilateral da natureza física, que o autor alemão aceita sem um único pensamento quanto ao seu aspecto espiritual e psíquico, que sua escola está fadada ao certo fracasso. Não cabe saber se a referida lei de diferenciação e suas conseqüências fatais podem ou não se aplicar, em certos casos, ao crescimento e desenvolvimento da espécie animal e até do homem; mas simplesmente, uma vez que é a base e o principal suporte de toda a nova teoria da escola pessimista, se é realmente uma lei universal e fundamental? Queremos saber se essa fórmula básica da evolução abrange todo o processo de desenvolvimento e crescimento em sua totalidade; e se, de fato, está dentro do domínio da ciência física ou não. Se "nada mais é do que a transição do estado homogêneo para o heterogêneo", como diz Mainlander, resta provar que o processo dado "produz aquela combinação complicada de tecidos e órgãos que forma e completa o animal e a planta perfeitos ."
Como já foi observado por alguns críticos de "Pessimism and Progress", o pessimista alemão não duvida disso por um momento sequer. Sua suposta descoberta e ensinamento "repousam inteiramente em sua certeza de que o desenvolvimento e a lei fundamental do complicado processo de organização representam apenas uma coisa: a transformação da unidade em pluralidade". Daí a identificação do processo com dissolução e decadência, e o enfraquecimento de todas as forças e energias. Mainlander teria razão em suas analogias se essa lei da diferenciação do homogêneo no heterogêneo representasse realmente a lei fundamental da evolução da vida. Mas a ideia é bastante errada - tanto metafisicamente quanto fisicamente. A evolução não prossegue em linha reta; não mais do que qualquer outro processo da natureza, mas se movimenta ciclicamente, como todo o resto. As serpentes cíclicas engolem suas caudas como a Serpente da Eternidade. E é nisso que a fórmula indiana, um ensinamento da Doutrina Secreta, é de fato corroborada pelas Ciências naturais, e especialmente pela biologia.
É o que lemos nas "Cartas Científicas" de um autor e crítico russo anônimo:
Na evolução de indivíduos isolados, na evolução do mundo orgânico, no universo, como no crescimento e desenvolvimento de nosso planeta - enfim, onde quer que ocorra algum dos processos de complexidade progressiva, lá encontramos, da transição da unidade para a pluralidade e da homogeneidade para a heterogeneidade, uma transformação inversa - a transição da pluralidade para a unidade, do heterogêneo para o homogêneo. . . . A observação minuciosa do processo dado de complexidade progressiva mostrou que o que ocorre nele não é apenas a separação de partes, mas também a absorção mútua. . . . Enquanto uma porção das células se fundem e se unem em um todo uniforme, formando fibras musculares, tecido muscular, outros são absorvidos nos tecidos ósseo e nervoso, etc., etc. O mesmo ocorre na formação de plantas. . . .
Nesse caso, a natureza material repete a lei que atua na evolução do psíquico e do espiritual: ambos descem, mas ressurgem e se fundem no ponto de partida. A massa ou elemento formativo homogêneo diferenciado em suas partes é gradualmente transformado em heterogêneo; depois, fundindo essas partes em um todo harmonioso, recomeça um processo inverso, ou reinvolução, e retorna gradualmente ao seu estado primitivo ou primordial.
O pessimismo também não encontra melhor suporte no materialismo puro, pois até agora o último foi tingido com um viés decididamente otimista. Seus principais advogados nunca hesitaram em zombar da adoração teológica da "glória de Deus e de todas as suas obras". Büchner lança uma provocação ao panteísta que vê em um mundo tão "louco e ruim" a manifestação do Absoluto. Mas, no geral, os materialistas admitem um equilíbrio entre o bem e o mal, talvez como um amortecedor contra qualquer tendência "supersticiosa" de olhar e esperar por algo melhor. Por mais estreitos que sejam seus pontos de vista e limitados como seus horizontes espirituais, eles ainda não vêem motivo para se desesperar com a tendência das coisas em geral. Os pessimistas panteístas, no entanto, nunca deixaram de insistir que o desespero do ser consciente é o único resultado legítimo da negação ateísta. Essa opinião é, claro, axiomática ou deveria ser. Se "nesta vida somente há esperança", a tragédia da vida é absolutamente sem qualquer razão de ser e uma perpetuação do drama é tão tola quanto inútil.
O fato de as conclusões do pessimismo terem sido finalmente assimiladas por uma certa classe de escritores ateus é uma característica marcante dos das atuais e outro sinal dos tempos. Ilustra o truísmo de que o vazio criado pela negação científica moderna não pode e nunca pode ser preenchido pelas perspectivas frias oferecidas como um solatium [uma consolação] para otimistas. O "entusiasmo da humanidade" dos Comteanos é uma coisa pobre o suficiente em relação à aniquilação da raça por vir "à medida que os fogos solares desaparecem lentamente" - se é que realmente morrem - para agradar a ciência física no tempo calculado. Se toda a tristeza e sofrimento presentes, a luta acirrada pela existência e todos os seus horrores decorrentes, não servem para nada a longo prazo, se a HOMEM é um mero ser efêmero, o jogo de forças cegas, por que ajudar na perpetuação da farsa?
A "trituração incessante da matéria, da força e da lei" apenas levará os milhões de humanos ao esquecimento eterno e, por fim, não deixará vestígios ou lembranças do passado, quando as coisas voltarem à nebulosidade da névoa de fogo, de onde surgiram. A vida terrestre não é um objeto em si. Está encoberta pelas nuvens da melancolia e da miséria. Não parece estranho, então, que o negacionista cego de alma prefira o pessimismo de Schopenhauer ao otimismo infundado de Strauss e seus seguidores, o que, diante de seus ensinamentos, lembra um dos espíritos animais de um jovem burro, depois de uma boa refeição de cardos.
Uma coisa é, no entanto, clara: a necessidade absoluta de alguma solução, que abraça os fatos da existência de maneira otimista. A sociedade moderna é permeada por um crescente cinismo e alvejada pela aversão à vida. Este é o resultado de uma total ignorância das operações do Karma e da natureza da evolução da Alma. É de uma lealdade equivocada aos dogmas de uma teoria mecânica e amplamente espúria da evolução, que o pessimismo se tornou tão indevido. Uma vez que a base da Grande Lei é compreendida - e que filosofia pode fornecer melhores meios para tal compreensão e solução final do que a doutrina esotérica dos grandes Sábios indianos -, não resta locus standi [sustentação em pé] possível para as recentes emendas ao sistema schopenhaueriano de pensamento ou às sutilezas metafísicas, tecidas pelo "filósofo do inconsciente". A razoabilidade da existência consciente pode ser comprovada apenas pelo estudo da filosofia primitiva e agora esotérica. E diz "não há morte nem vida, pois ambas são ilusões; o ser (ou a seidade) é a única realidade". Esse paradoxo foi repetido milhares de eras depois por um dos maiores fisiologistas que já existiram. "A vida é morte", disse Claude Bernard. O organismo vive porque suas partes estão sempre morrendo. A sobrevivência do mais apto certamente se baseia nesse truísmo. A vida do todo superior requer a morte do inferior, a morte das partes dependentes e subserviente a ele. E, assim como a vida é a morte, a morte é a vida, e todo o grande ciclo de vidas forma apenas UMA EXISTÊNCIA - o seu pior dia está em nosso planeta.
Aquele que SABE fará o melhor possível. Pois existe um amanhecer para todo ser, quando uma vez libertado da ilusão e ignorância pelo Conhecimento; e ele finalmente proclamará em verdade e toda Consciência a Mahamaya:
ARRUINADA É A TUA CASA, E OS PILARES RACHADOS!
A ILUSÃO A FEZ!
POR ELA SEGURO EU PASSO - A LIBERTAÇÃO A ALCANÇAR...
(Artigo originalmente publicado na Revista Lúcifer, em outubro de 1887).
O original em inglês pode ser acessado
aqui.
Traduzido por Bruno Carlucci em abril de 2020.