Pode o dual ver o não-dual?
Reposto aqui uma conversa com o amigo Shaku Khashin sobre questões de dual e não dual a partir de estudos da filosofia indiana, mais especificamente a Vedanta Advaita em diálogo com outras perspectivas num grupo de Facebook:
Shaku Kashin: O dual não vê o não dual? O não dual vê o dual? O que acha?
Bruno Carlucci: Não considero possível o dual ver o não-dual. Enquanto há um sujeito que vê e um objeto a ser visto, ainda estamos na dualidade, em Maya. Por isso que em tratados da Vedanta Advaita, como o Mandukya-karika de Gaudapada, a dualidade só deixa de ser percebida quando a "mente deixa de ser mente", isto é, quando os movimentos e relações de citta cessam e prajna resplandence, despertando para uma sabeoria intuitiva e direta dessa não-dualidade, que não é a sabedoria de um "eu", mas um estado latente presente em todos os seres e que estava envolto por Maya. Essa não-dualidade é Turiya, o Atman, que está além da mente e de qualquer dualidade. Nessa sabedoria, já não há mais alguém que percebe, nem algo a ser percebido. Nem alguém que se une, nem algo com que unir, pois está além de separatividade e das designações e predicados vinculados à separatividade. Não que a mente seja aniquilada ou a realidade relativa dos fenômenos deixe de ser percebida, mas não são mais percebidas como o foco central, nem a própria mente individual é mais o o foco central, já que como o próprio Mandukya-Karika explica, a mente de um ser desperto vira somente um instrumento de percepção para poder agir no mundo, mas deixa de ser o ponto determinante em que há autoidentificação com os pensamentos e sentidos e os apegos e aversões resultantes disto, pois agora o foco repousa no Atman inefável e não mais em jiva (o "individual"). Penso que é um estado semelhante ao que Paulo diz em Gálatas 2:20, "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim", a partir de uma leitura sob a ótica da mística cristã.
Referência Bibliográfica:
Gaudapada. Mandukya-Karika. In: Alberto Brum. Atma-Yoga. Shankara, a Vedanta Advaita e o Atmabodha. Ed. Garbha-Lux. Disponível em: Garbha-Lux
Qual o papel do conhecimento no despertar da vida espiritual? É muito comum reconhecermos, de imediato, a importância da meditação, da devoção e da ação. De fato, harmonizar o fluxo mental através da plena atenção, ser um devoto amoroso de um ideal ou de um legítimo instrutor, ou servir humanidade com ações práticas que exemplifiquem os elevados ideais da compaixão e da fraternidade são de grande importância para os que desejam tocar, com a ponta de seus pés, o início do Caminho. Porém, muitas vezes o conhecimento é deixado de lado, ou até mesmo considerado um empecilho por aqueles que consideram que a mente deve esvaziar-se por completo para a obtenção de uma súbita iluminação. Entretanto, o conhecimento é a base para que os elementos acima citados sejam empreendidos de forma reta e eficiente.
O conhecimento constitui um degrau importante para a elevação do homem até a Sabedoria, e se a busca é bem direcionada e orientada, com este intuito, ela se configura como uma forma de Ioga – a Jnana-Ioga. Geoffrey Hodson diz que “o iogue jnana procura pelo conhecimento e pelo domínio do intelecto atingir a unidade consciente com o Supremo” (A Suprema realização através da Ioga, pág. 39). É como se o conhecimento, depois de ajudar a desenvolver o intelecto, trabalhando o princípio mental de modo cada vez mais abstrato, descesse da mente para o coração, coroando o indivíduo com a Sabedoria. Ocorre um salto na consciência e a intuição espiritual ganha espaço de atuação, já que “o objetivo desta ioga do conhecimento é educar a mente para perceber e conhecer o Eu Divino uno em todas as coisas, e todas as coisas dentro do Eu Divino” (pág. 40), não tendo praticamente nada a ver com o conhecimento livresco, mesmo sendo ele o ponto de partida.
Um exemplo interessante é o estudo de A Doutrina Secreta. Segundo Joy Mills, ele tem um propósito prático, que é o desenvolvimento do pensamento abstrato e o aguçar da intuição, levando o estudante a pensar e vislumbrar o mundo de modo universal e não linear, de dentro para fora: “mas o nosso estudo de A Doutrina Secreta é um tipo de estudo totalmente diverso. A possibilidade de que os princípios aqui expostos sejam testados e verificados não reside nas situações externas. A possibilidade de teste, a sua comprovação, deve repousar na transformação interna que pode ser produzida” (O Despertar de Uma Nova Consciência, pág. 15).
Mas o que diz Tsongkhapa sobre a prática do estudo e aquisição do conhecimento? Em seu tratado da “Senda Gradual”, o Lamrim Chenmo, no capítulo VI – Refutando equívocos acerca da meditação (tradução de Bruno Carlucci), ele diz:
“(...)
• Maitreya ensina que se use a sabedoria que vem da reflexão para que se chegue propriamente ao significado daquilo que foi estudado.
• Dessa maneira surge a sabedoria que vem da meditação e percebe a realidade.
• Portanto, primeiro estude com alguém o que você pretende praticar e aprenda “de segunda mão”.
• Em seguida, use as escrituras e o raciocínio para refletir sobre o significado daquilo que você estudou e aprenda em “primeira mão”.
(...)
• Portanto, as escrituras e os seus comentários dizem que o estudo e a reflexão são muito importantes para a prática de meditação.
• Objeção: ‘Ao meditar, você deve meditar sobre algo sem relação com o seu estudo e reflexão.’
• Resposta: Isso é tão incoerente, como mostrar a um cavalo a pista de corrida e depois competir montado noutro cavalo. Isso destrói completamente o processo de desenvolver as três sabedorias sucessivamente [as três sabedorias são aquelas que surgem do estudo, da reflexão e da meditação]. Esse argumento implica na bobagem de dizerem: ‘não é preciso muito estudo para percorrer a senda verdadeira.’”
Percebemos, assim, a importância do estudo e reflexão, como degraus da Senda, nas origens da tradição teosófica. O conhecimento é uma importante base e ponto de partida para os graus que nos levam a obtenção da Sabedoria, quando a clara visão – Prajna, nos capacita para a aquisição da pura Verdade Espiritual. Esta é a meta: a realização da Gnosis, a obtenção do conhecimento de ordem espiritual que tem sua morada no templo interno do Ser. “Sois Deuses, ‘Herdeiros dos Eons’; das eras que passaram e das que virão, porque sois, em vós mesmos, eternidades imortais, se apenas voltardes para Casa” (G.R.S. Mead, A Gnosis Viva do Cristianismo Primitivo, pág. 71). É necessário reaprender o caminho.
*Rafael Nascimento é membro da Sociedade Teosófica no Brasil e atua na Loja Unicidade em Cataguazes (MG).
A GNOSIS DE JOÃO - O APÓCRIFO, O HINO E A CRUZ DE LUZ DO ESSÊNIO-GNÓSTICO YOHANAN
Editora Garbha-Lux
Este novo livro de Alberto Brum e Aláya Dullius, lançado pela Editora Garbha-Lux, apresenta o aspecto mais filosófico e gnóstico do autor do manuscrito que deu origem ao Quarto Evangelho. Um texto que nos fala da Luz que vem ao mundo – a sabedoria do Christos-Logos.
A primeira parte faz uma investigação sobre o real contexto histórico do personagem, que é o Elazar dos tannaim cabalistas, o Lázaro do cristianismo e o Yohannan da tradição essênia de Qumran, onde foi um discípulo de João Batista.
O livro contém os dois hinos dos Atos de João (O Hino de Jesus e A Cruz de Luz) e o tratado apócrifo de João, descoberto no Egito, presente no Códice de Berlim e na Biblioteca de Nag Hammadi.
A Cruz de Luz é uma tradução da edição inglesa de G. R. S. Mead feita com o propósito de ilustrar a gnosis de João e a simbologia da crucificação.
O Apócrifo de João é um dos mais importantes textos do antigo e genuíno gnosticismo cristão. Nele consta um diálogo privado entre Jesus e João que tem semelhança com o tratado Pistis Sophia.
O livro pode ser comprado no site da própria editora, clicando neste link: Editora Garbha-Lux ou pelo contato no Whatsapp: (61) 3222 0046.
"Em última análise, todos os bons e maus (resultados) são determinados pelas ações* de uma pessoa. Com relação a isso: 'Para todos os dias da semana, dias lunares, mansões lunares e yogas, karaṇas, ascendentes e planetas maléficos, o bem resultará quando a virtude for praticada. Seres nascidos na mesma hora terão vidas diferentes e resultados diferentes. De acordo com suas ações individuais, diferentes resultados ocorrerão. Como resultado de [por exemplo] batalhas, incêndios florestais e captura em redes de pesca, muitos seres morrem ao mesmo tempo. As virtudes dos seres criam uma vida forte, esforço, poder e fortuna, e seus vícios enfraquecem a vida, o esforço e o poder."
Kalki Pundarika - Vimalaprabha (Comentário ao Kalachakra Mula Tantra)
Nota do Tradutor: Karma é ação em sânscrito, e não uma predestinação inevitável como às vezes é entendido pelo senso comum no Ocidente. Assim como as condições astrológicas na perspectiva budista são encaradas como um retrato de tendências geradas a partir de nossas ações de mente, fala e corpo, e não como um destino inalterável ou como uma vontade totalmente alheia a nós.