quarta-feira, 10 de março de 2021
A Filosofia dos Rishis da Índia Antiga
domingo, 7 de fevereiro de 2021
Pode o dual ver o não-dual?
Pode o dual ver o não-dual?
Reposto aqui uma conversa com o amigo Shaku Khashin sobre questões de dual e não dual a partir de estudos da filosofia indiana, mais especificamente a Vedanta Advaita em diálogo com outras perspectivas num grupo de Facebook:
Shaku Kashin: O dual não vê o não dual? O não dual vê o dual? O que acha?
Bruno Carlucci: Não considero possível o dual ver o não-dual. Enquanto há um sujeito que vê e um objeto a ser visto, ainda estamos na dualidade, em Maya. Por isso que em tratados da Vedanta Advaita, como o Mandukya-karika de Gaudapada, a dualidade só deixa de ser percebida quando a "mente deixa de ser mente", isto é, quando os movimentos e relações de citta cessam e prajna resplandence, despertando para uma sabeoria intuitiva e direta dessa não-dualidade, que não é a sabedoria de um "eu", mas um estado latente presente em todos os seres e que estava envolto por Maya. Essa não-dualidade é Turiya, o Atman, que está além da mente e de qualquer dualidade. Nessa sabedoria, já não há mais alguém que percebe, nem algo a ser percebido. Nem alguém que se une, nem algo com que unir, pois está além de separatividade e das designações e predicados vinculados à separatividade. Não que a mente seja aniquilada ou a realidade relativa dos fenômenos deixe de ser percebida, mas não são mais percebidas como o foco central, nem a própria mente individual é mais o o foco central, já que como o próprio Mandukya-Karika explica, a mente de um ser desperto vira somente um instrumento de percepção para poder agir no mundo, mas deixa de ser o ponto determinante em que há autoidentificação com os pensamentos e sentidos e os apegos e aversões resultantes disto, pois agora o foco repousa no Atman inefável e não mais em jiva (o "individual"). Penso que é um estado semelhante ao que Paulo diz em Gálatas 2:20, "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim", a partir de uma leitura sob a ótica da mística cristã.
Referência Bibliográfica:
Gaudapada. Mandukya-Karika. In: Alberto Brum. Atma-Yoga. Shankara, a Vedanta Advaita e o Atmabodha. Ed. Garbha-Lux. Disponível em: Garbha-Lux
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021
O conhecimento na via espiritual
O conhecimento na via espiritual
Rafael Nascimento
Qual o papel do conhecimento no despertar da vida espiritual? É muito comum reconhecermos, de imediato, a importância da meditação, da devoção e da ação. De fato, harmonizar o fluxo mental através da plena atenção, ser um devoto amoroso de um ideal ou de um legítimo instrutor, ou servir humanidade com ações práticas que exemplifiquem os elevados ideais da compaixão e da fraternidade são de grande importância para os que desejam tocar, com a ponta de seus pés, o início do Caminho. Porém, muitas vezes o conhecimento é deixado de lado, ou até mesmo considerado um empecilho por aqueles que consideram que a mente deve esvaziar-se por completo para a obtenção de uma súbita iluminação. Entretanto, o conhecimento é a base para que os elementos acima citados sejam empreendidos de forma reta e eficiente.
O conhecimento constitui um degrau importante para a elevação do homem até a Sabedoria, e se a busca é bem direcionada e orientada, com este intuito, ela se configura como uma forma de Ioga – a Jnana-Ioga. Geoffrey Hodson diz que “o iogue jnana procura pelo conhecimento e pelo domínio do intelecto atingir a unidade consciente com o Supremo” (A Suprema realização através da Ioga, pág. 39). É como se o conhecimento, depois de ajudar a desenvolver o intelecto, trabalhando o princípio mental de modo cada vez mais abstrato, descesse da mente para o coração, coroando o indivíduo com a Sabedoria. Ocorre um salto na consciência e a intuição espiritual ganha espaço de atuação, já que “o objetivo desta ioga do conhecimento é educar a mente para perceber e conhecer o Eu Divino uno em todas as coisas, e todas as coisas dentro do Eu Divino” (pág. 40), não tendo praticamente nada a ver com o conhecimento livresco, mesmo sendo ele o ponto de partida.
Um exemplo interessante é o estudo de A Doutrina Secreta. Segundo Joy Mills, ele tem um propósito prático, que é o desenvolvimento do pensamento abstrato e o aguçar da intuição, levando o estudante a pensar e vislumbrar o mundo de modo universal e não linear, de dentro para fora: “mas o nosso estudo de A Doutrina Secreta é um tipo de estudo totalmente diverso. A possibilidade de que os princípios aqui expostos sejam testados e verificados não reside nas situações externas. A possibilidade de teste, a sua comprovação, deve repousar na transformação interna que pode ser produzida” (O Despertar de Uma Nova Consciência, pág. 15).
Mas o que diz Tsongkhapa sobre a prática do estudo e aquisição do conhecimento? Em seu tratado da “Senda Gradual”, o Lamrim Chenmo, no capítulo VI – Refutando equívocos acerca da meditação (tradução de Bruno Carlucci), ele diz:
“(...)
• Maitreya ensina que se use a sabedoria que vem da reflexão para que se chegue propriamente ao significado daquilo que foi estudado.
• Dessa maneira surge a sabedoria que vem da meditação e percebe a realidade.
• Portanto, primeiro estude com alguém o que você pretende praticar e aprenda “de segunda mão”.
• Em seguida, use as escrituras e o raciocínio para refletir sobre o significado daquilo que você estudou e aprenda em “primeira mão”.
(...)
• Portanto, as escrituras e os seus comentários dizem que o estudo e a reflexão são muito importantes para a prática de meditação.
• Objeção: ‘Ao meditar, você deve meditar sobre algo sem relação com o seu estudo e reflexão.’
• Resposta: Isso é tão incoerente, como mostrar a um cavalo a pista de corrida e depois competir montado noutro cavalo. Isso destrói completamente o processo de desenvolver as três sabedorias sucessivamente [as três sabedorias são aquelas que surgem do estudo, da reflexão e da meditação]. Esse argumento implica na bobagem de dizerem: ‘não é preciso muito estudo para percorrer a senda verdadeira.’”
Percebemos, assim, a importância do estudo e reflexão, como degraus da Senda, nas origens da tradição teosófica. O conhecimento é uma importante base e ponto de partida para os graus que nos levam a obtenção da Sabedoria, quando a clara visão – Prajna, nos capacita para a aquisição da pura Verdade Espiritual. Esta é a meta: a realização da Gnosis, a obtenção do conhecimento de ordem espiritual que tem sua morada no templo interno do Ser. “Sois Deuses, ‘Herdeiros dos Eons’; das eras que passaram e das que virão, porque sois, em vós mesmos, eternidades imortais, se apenas voltardes para Casa” (G.R.S. Mead, A Gnosis Viva do Cristianismo Primitivo, pág. 71). É necessário reaprender o caminho.
*Rafael Nascimento é membro da Sociedade Teosófica no Brasil e atua na Loja Unicidade em Cataguazes (MG).
terça-feira, 12 de janeiro de 2021
A Gnosis de João: O Apócrifo, O Hino e A Cruz de Luz do Essênio Gnóstico Yohanan
A GNOSIS DE JOÃO - O APÓCRIFO, O HINO E A CRUZ DE LUZ DO ESSÊNIO-GNÓSTICO YOHANAN
Editora Garbha-Lux
Este novo livro de Alberto Brum e Aláya Dullius, lançado pela Editora Garbha-Lux, apresenta o aspecto mais filosófico e gnóstico do autor do manuscrito que deu origem ao Quarto Evangelho. Um texto que nos fala da Luz que vem ao mundo – a sabedoria do Christos-Logos.
A primeira parte faz uma investigação sobre o real contexto histórico do personagem, que é o Elazar dos tannaim cabalistas, o Lázaro do cristianismo e o Yohannan da tradição essênia de Qumran, onde foi um discípulo de João Batista.
O livro contém os dois hinos dos Atos de João (O Hino de Jesus e A Cruz de Luz) e o tratado apócrifo de João, descoberto no Egito, presente no Códice de Berlim e na Biblioteca de Nag Hammadi.
A Cruz de Luz é uma tradução da edição inglesa de G. R. S. Mead feita com o propósito de ilustrar a gnosis de João e a simbologia da crucificação.
O Apócrifo de João é um dos mais importantes textos do antigo e genuíno gnosticismo cristão. Nele consta um diálogo privado entre Jesus e João que tem semelhança com o tratado Pistis Sophia.
O livro pode ser comprado no site da própria editora, clicando neste link: Editora Garbha-Lux ou pelo contato no Whatsapp: (61) 3222 0046.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2020
Sobre o Karma e As Circunstâncias Astrológicas
"Em última análise, todos os bons e maus (resultados) são determinados pelas ações* de uma pessoa. Com relação a isso: 'Para todos os dias da semana, dias lunares, mansões lunares e yogas, karaṇas, ascendentes e planetas maléficos, o bem resultará quando a virtude for praticada. Seres nascidos na mesma hora terão vidas diferentes e resultados diferentes. De acordo com suas ações individuais, diferentes resultados ocorrerão. Como resultado de [por exemplo] batalhas, incêndios florestais e captura em redes de pesca, muitos seres morrem ao mesmo tempo. As virtudes dos seres criam uma vida forte, esforço, poder e fortuna, e seus vícios enfraquecem a vida, o esforço e o poder."
Kalki Pundarika - Vimalaprabha (Comentário ao Kalachakra Mula Tantra)
Nota do Tradutor: Karma é ação em sânscrito, e não uma predestinação inevitável como às vezes é entendido pelo senso comum no Ocidente. Assim como as condições astrológicas na perspectiva budista são encaradas como um retrato de tendências geradas a partir de nossas ações de mente, fala e corpo, e não como um destino inalterável ou como uma vontade totalmente alheia a nós.
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
O despertar da Compaixão - Je Tsongkhapa
sábado, 24 de outubro de 2020
A História de um Planeta: Vênus (H.P. Blavatsky)
A História de um Planeta: Vênus
O Portador da Luz nada tem a ver com as trevas, e tudo com a luz
H.P. Blavatsky
Nenhuma estrela, entre as incontáveis miríades que cintilam sobre os campos siderais do céu noturno, brilha tão deslumbrantemente quanto o planeta Vênus - nem mesmo Sirius-Sothis, a estrela canina, amada por Ísis. Vênus é a rainha entre nossos planetas, a joia da coroa de nosso sistema solar. Ela é a inspiradora do poeta, a guardiã e companheira do pastor solitário, a adorável estrela da manhã e a estrela vespertina. Pois:
“As estrelas ensinam tanto quanto brilham”,
Embora seus segredos ainda não sejam contados e revelados à maioria dos homens, incluindo os astrônomos, são de “uma beleza e um mistério”, em verdade. Mas “onde há um mistério, geralmente se supõe que também deve haver o mal”, diz Byron. O mal, portanto, foi detectado pela fantasia humana inclinada ao mal, mesmo naqueles olhos brilhantes e luminosos que espiam nosso mundo perverso através do véu de éter. Assim, passaram a existir estrelas e planetas caluniados, bem como homens e mulheres caluniados. Frequentemente, a reputação e a fortuna de um homem ou grupo são sacrificadas em benefício de outro homem ou grupo. Como na terra abaixo, também nos céus acima, e Vênus, o planeta irmão de nossa Terra [1], foi sacrificado à ambição de nosso pequeno globo de mostrar -se como o planeta “escolhido” do Senhor. Ela se tornou o bode expiatório, o Azaziel da abóboda celeste, para os pecados da Terra, ou melhor, para aqueles de uma certa classe na família humana - o clero - que caluniou o orbe brilhante, a fim de provar o que sua ambição sugeria como o melhor meio de alcançar o poder e exercê-lo de forma inabalável sobre as massas supersticiosas e ignorantes.
Isso aconteceu durante a Idade Média. E agora o pecado é uma sombra na porta dos cristãos e seus inspiradores científicos, embora o erro tenha sido alavancado com sucesso à elevada posição de um dogma religioso, como muitas outras ficções e invenções o foram.
Na verdade, todo o mundo sideral, planetas e seus regentes - os antigos deuses do paganismo poético - o sol, a lua, os elementos e toda a hoste de mundos incalculáveis - aqueles pelo menos que por acaso eram conhecidos dos Padres da Igreja - compartilharam do mesmo destino. Todos foram caluniados, atormentados pelo desejo insaciável de provar um pequeno sistema de teologia - construído a partir de materiais pagãos antigos - como o único certo e sagrado, e todos aqueles que o precederam ou seguiram seriam totalmente errados. Sol e estrelas, o próprio ar, somos solicitados a acreditar, tornaram-se puros e “redimidos” do pecado original e do elemento satânico do paganismo, somente após o ano I, AD. Escolásticos e escólios, cujo espírito “rejeitou laboriosa investigação e lenta indução”, mostraram, para satisfação da Igreja infalível, todo o cosmos sob o poder de Satanás - um pobre elogio a Deus - antes do ano da Natividade; e os cristãos tinham que acreditar ou ser condenados. Jamais sofismas e casuísticas sutis se mostraram tão claramente em sua verdadeira luz, entretanto, como nas questões do ex-satanismo e posterior redenção de vários corpos celestes. A pobre e bela Vênus foi derrotada naquela guerra das chamadas provas divinas em maior grau do que qualquer um de seus colegas siderais. Enquanto a história dos outros seis planetas, e sua transformação gradual de deuses greco-arianos em demônios semitas e, finalmente, em "atributos divinos dos sete olhos do Senhor", é conhecida apenas pelos instruídos, a de Vênus-Lúcifer tornou-se uma história familiar até mesmo entre os mais analfabetos nos países católicos romanos.
Esta história agora será contada para o benefício daqueles que podem ter negligenciado sua mitologia astral.
Vênus, caracterizada por Pitágoras como o sol alter, um segundo Sol, por causa de seu esplendor magnífico - igualado por nenhum outro - foi a primeira a chamar a atenção dos antigos teogonistas. Antes de começar a se chamar Vênus, era conhecida na teogonia pré-Hesiódica como Eósforo (ou Fósforo) e Héspero, os filhos do amanhecer e do crepúsculo. Em Hesíodo, além disso, o planeta é decomposto em dois seres divinos, dois irmãos - Eósforo (o Lúcifer dos latinos) pela manhã e Héspero, a estrela vespertina. Eles são os filhos de Astrœos e Eos, o céu estrelado e o amanhecer, como também de Kephalos e Eos (Theog: 381, Hyg. Poet. Astron. 11, 42). Preller, citado por Decharme, mostra Phaeton idêntico a Fósforo ou Lúcifer (Grech. Mythol: I, 365). E, com a autoridade de Hesíodo, ele também torna Faetonte o filho das duas últimas divindades - Kefalo e Eos.
Já Phaeton ou Fósforo, o “orbe luminoso da manhã”, é levado em sua juventude por Afrodite (Vênus), que faz dele o guardião noturno de seu santuário (Theog: 987-991). Ele é a “bela estrela da manhã” (vide Apocalipse XXII. 16 de São João) amada por sua luz radiante pela Deusa do Amanhecer, Aurora, que, ao mesmo tempo em que eclipsa gradualmente a luz de seu amado, parece assim carregar a estrela, faz com que reapareça no horizonte noturno onde vigia os portões do céu. No início da manhã, Fósforo "saindo das águas de Oceano, levanta no céu sua cabeça sagrada para anunciar a aproximação da luz divina". (Ilíada, XXIII. 226; Odyss: XIII. 93; Virg: Æneid, VIII. 589; Mythol. De la Grèce Antique: 247). Ele segura uma tocha na mão e voa pelo espaço enquanto precede o carro de Aurora. À noite, ele se torna Héspero, “a mais esplêndida das estrelas que brilham na abóbada celestial” (Ilíada, XXII. 317). Ele é o pai das Hespérides, os guardiões das maçãs de ouro junto com o Dragão; o belo gênio dos cachos dourados esvoaçantes, cantados e glorificados em todos os antigos epithalami (as canções nupciais dos primeiros cristãos e dos gregos pagãos); ele, que ao cair da noite, conduz o cortejo nupcial e entrega a noiva nos braços do noivo. (Carmen Nuptiale. Ver Mythol. De 1a Grèce Antique. Decharme).
Até agora, parece não haver uma reaproximação possível, nenhuma analogia a ser descoberta entre essa personificação poética de uma estrela, um mito puramente astronômico, e o satanismo da teologia cristã. É verdade que a estreita conexão entre o planeta como Héspero, a estrela da tarde, e o Jardim do Éden grego com seu dragão e as maçãs de ouro pode, com um certo esforço de imaginação, sugerir algumas comparações dolorosas com o terceiro capítulo do Gênesis. Mas isso não é suficiente para justificar a construção de um muro teológico de defesa contra o paganismo, erguido com calúnias e deturpações.
Mas de todos os evemerismos gregos, Lúcifer-Eósforo (Eosphoros) é, talvez, o mais complicado. O planeta tornou-se com os latinos, Vênus ou Afrodite-Anadyomene, a Deusa nascida da espuma, a “Mãe Divina” e um com a Fenícia Astarte, ou a judia Astaroth. Todas eram chamadas de “A Estrela da Manhã” e as Virgens do Mar, ou Mar (de onde Maria), o grande Abismo, títulos agora dados pela Igreja Romana à sua Virgem Maria. Elas estavam todas conectadas com a lua e o crescente, com o Dragão e o planeta Vênus, pois a mãe de Cristo foi conectada com todos esses atributos. Se os marinheiros fenícios carregavam, fixos na proa de seus navios, a imagem da deusa Astarte (ou Afrodite, Vênus Erycina) e olhavam para a estrela vespertina e a estrela da manhã como sua estrela-guia, "o olho de sua Deusa mãe", o mesmo acontece com os marinheiros católicos romanos até hoje. Eles fixam uma Madonna na proa de seus navios, e a bem-aventurada Virgem Maria é chamada de “Virgem do Mar”. A padroeira aceita dos marinheiros cristãos, sua estrela, "Stella Del Mar", etc., ela está na lua crescente. Como as antigas deusas pagãs, ela é a “Rainha do Céu” e a “Estrela da Manhã” exatamente como elas eram.
Se isso pode explicar alguma coisa, é deixado para a sagacidade do leitor. Enquanto isso, Lúcifer-Vênus nada tem a ver com as trevas, e tudo com a luz. Quando chamado de Lúcifer, é o “portador da luz”, o primeiro raio radiante que destrói a escuridão letal da noite. Quando chamada de Vênus, o planeta estrela torna-se o símbolo do amanhecer, a casta Aurora. O professor Max Müller conjectura acertadamente que Afrodite, nascida do mar, é uma personificação da Aurora do dia, e a mais linda de todas as paisagens da Natureza (“Ciência da Linguagem”), pois, antes de sua naturalização pelos gregos, Afrodite, A natureza personificada, a vida e a luz do mundo pagão, como prova a bela invocação a Vênus por Lucrécio, citada por Decharme, ela é a Natureza divina em sua totalidade, Aditi-Prakriti antes de se tornar Lakshmi. Ela é aquela Natureza diante de cujo rosto majestoso e belo, “os ventos voam, o céu calmo derrama torrentes de luz e as ondas do mar sorriem” (Lucrécio). Quando referido como a deusa síria Astarte, a Astaroth de Hierópolis, o planeta radiante foi personificado como uma mulher majestosa, segurando em uma mão estendida uma tocha, na outra, um bastão torto em forma de cruz. (De Dea Syriê de Vide Lucian, e De Nat. Deorum de Cícero, 3 c. 23). Finalmente, o planeta é representado astronomicamente, como um globo posicionado acima da cruz - um símbolo com o qual nenhum diabo gostaria de se associar - enquanto o planeta Terra é um globo com uma cruz sobre si.
Mas então, essas cruzes não são os símbolos do Cristianismo, mas a crux ansata egípcia, o atributo de Ísis (que é Vênus, e Afrodite, Natureza, também) ♀ ou ♀ Vênus o planeta; o fato de que a Terra tem a crux ansata invertida, ♁ tem um grande significado oculto no qual não há necessidade de entrar no momento.
Agora, o que diz a Igreja e como ela explica a “terrível associação”? A Igreja acredita no diabo, é claro, e não podia se dar ao luxo de perdê-lo. “O Diabo é o principal pilar da Igreja”, confessa descaradamente um defensor [2] da Ecclesia Militans. “Todos os gnósticos alexandrinos nos falam da queda dos Æons e de seu Pleroma, e todos atribuem essa queda ao desejo de saber”, escreve outro voluntário do mesmo exército, caluniando os gnósticos como de costume e identificando o desejo de saber ou ocultismo, magia, com satanismo. [3] E então, imediatamente, ele cita Philosophie de l'Histoire de Schlegel para mostrar que os sete reitores (planetas) de Pymander, "encomendados por Deus para conter o mundo fenomênico em seus sete círculos, perdidos no amor com sua própria beleza , [4] passaram a se admirar com tal intensidade que, devido a essa orgulhosa autoadulação, finalmente caíram. ”
Tendo assim encontrado o seu caminho entre os anjos, a mais bela criatura de Deus “se revoltou contra o seu Criador”. Essa criatura é, na fantasia teológica, Vênus-Lúcifer, ou melhor, o Espírito ou Regente informador desse planeta. Este ensinamento é baseado na seguinte especulação. Os três principais heróis da grande catástrofe sideral mencionada no Apocalipse são, de acordo com o testemunho dos padres da Igreja - “o Verbum, Lúcifer seu usurpador (ver editorial) e o grande Arcanjo que o conquistou”, e cujos “palácios” (o As "casas" como a astrologia os chama) estão no Sol, Vênus-Lúcifer e Mercúrio. Isso é bastante evidente, uma vez que a posição dessas orbes no sistema Solar corresponde em sua ordem hierárquica a dos "heróis" no Capítulo xii do Apocalipse "seus nomes e destinos (?) Estando intimamente ligados no sistema teológico (exotérico) com esses três grandes nomes metafísicos. ” (Memórias de De Mirville para a Academia da França, sobre os espíritos vociferantes e os demônios).
O resultado disso foi que a lenda teológica fez de Vênus-Lúcifer a esfera e o domínio do Arcanjo caído, ou Satanás antes de sua apostasia. Tendo de conciliar esta afirmação com aquele outro fato de que a metáfora da "estrela da manhã" é aplicada a Jesus e sua mãe virgem, e que o planeta Vênus-Lúcifer está incluído, além disso, entre as "estrelas" do sete espíritos planetários adorados pelos católicos romanos [5] sob novos nomes, os defensores dos dogmas e crenças latinas respondem da seguinte forma: -
“Lúcifer, o zeloso vizinho do Sol (Cristo) disse a si mesmo em seu grande orgulho: 'Subirei tão alto quanto ele!' Ele foi frustrado em seu desígnio por Mercúrio, embora o brilho deste último (que é São Miguel) estava tão perdido nos fogos ardentes da grande orbe Solar quanto o seu próprio, e embora, como Lúcifer, Mercúrio seja apenas o assessor e a guarda de honra para o Sol. ” (Ibid.).
Guardas da “desonra", melhor dizendo, se os ensinamentos do Cristianismo teológico fossem verdadeiros. Mas aí vem o pé fendido do jesuíta. O ardente defensor da demonolatria católica romana e do culto aos sete espíritos planetários, ao mesmo tempo, finge grande admiração pelas coincidências entre as antigas lendas pagãs e cristãs, entre a fábula sobre Mercúrio e Vênus, e as verdades históricas contadas acerca de São Miguel - o “anjo da face”, - o duplo terrestre, ou ferouer de Cristo. Ele os aponta dizendo: “como Mercúrio, o arcanjo Miguel, é amigo do Sol, seu Mitra, talvez, pois Miguel é um gênio psicopômpico, aquele que conduz as almas separadas para suas moradas designadas, e como Mitra, ele é o conhecido adversário dos demônios. ” Isso é demonstrado pelo livro dos nabateus recentemente descoberto (por Chwolson), no qual o zoroastriano Mitra é chamado de “grande inimigo do planeta Vênus”. [6] (Ibid p. 160.)
Há algo nisso. Uma confissão sincera, pela primeira vez, da identidade perfeita de personagens celestiais e de emprestar de todas as fontes pagãs. É curioso, embora descarado. Enquanto nas alegorias masdeístas mais antigas, Mitra conquista o planeta Vênus, na tradição cristã Miguel derrota Lúcifer, e ambos recebem, como espólios de guerra, o planeta da divindade vencida.
“Mitra”, diz Dollinger, “possuía, nos tempos antigos, a estrela de Mercúrio, situada entre o sol e a lua, mas lhe foi dado o planeta dos conquistados, e desde sua vitória ele é identificado com Vênus”. ("Judaisme and Paganisme", Vol. II., P. 109. Tradução francesa.)
“Na tradição cristã”, acrescenta o erudito Marquês, “S. Miguel é partilha no céu do o trono e do palácio do inimigo que ele derrotou. Além disso, como Mercúrio, durante os dias de ramos do paganismo, que tornou sagrados para este deus-demônio todos os promontórios da terra, o Arcanjo é o patrono do mesmo em nossa religião ”. Isso significa, se é que significa alguma coisa, que agora, de qualquer modo, Lúcifer-Vênus é um planeta sagrado, e não sinônimo de Satanás, já que São Miguel se tornou seu herdeiro legal?
As observações acima concluem com esta reflexão legal:
“É evidente que o paganismo utilizou de antemão, e mais maravilhosamente, todos os traços e características do príncipe da face do Senhor (Miguel) ao aplicá-los a esse Mercúrio, ao egípcio Hermes Anúbis e ao Hermes Christos do Gnósticos. Cada um deles foi representado como o primeiro entre os conselheiros divinos e o deus mais próximo do sol, quis ut Deus.”
Tal título, com todos os seus atributos, se tornou o de Miguel. Os bons Padres, os Mestres Maçons do templo do Cristianismo da Igreja, sabiam realmente como utilizar o material pagão para seus novos dogmas.
O fato é que basta examinar certas cártulas egípcias, apontadas por Rossellini (Egypte, Vol. I., p. 289), para encontrar Mercúrio (o duplo de Sírio em nosso sistema solar) como Sothis, precedido pelo palavras “único” e “solis custode, sostegnon dei dominantei, e forte grande dei vigilanti”, “vigia do sol, sustentador de domínios, e o mais forte de todos os vigilantes”. Todos esses títulos e atributos são agora do Arcanjo Miguel, que os herdou dos demônios do paganismo.
Além disso, os viajantes em Roma podem testemunhar a presença maravilhosa na estátua de Mitra, no Vaticano, dos símbolos cristãos mais conhecidos. Os místicos se gabam disso. Eles encontram "na cabeça do leão, e nas asas da águia, as do corajoso Serafim, o mestre do espaço (Miguel); em seu caduceu, a lança, nas duas serpentes enroladas ao redor do corpo, a luta dos bons e maus princípios, e especialmente nas duas chaves que a dita Mitra possui, como São Pedro, as chaves com as quais este Serafim patrono deste último abre e fecha os portões do Céu, astra cludit et recludit. ” (Mem. P. 162.)
Resumindo, o que foi dito acima mostra que o romance teológico de Lúcifer foi construído sobre os vários mitos e alegorias do mundo pagão, e que não é um dogma revelado, mas simplesmente inventado para sustentar a superstição. Mercúrio sendo um dos assessores do Sol, ou o cynocephali dos egípcios e os cães de guarda do Sol, literalmente, o outro era Eósforo (Eosphoros), o mais brilhante dos planetas, “qui mane oriebaris”, o nascer da manhã, ou o grego ορθρiνοS. Era idêntico ao Amoon-ra, o portador da luz do Egito, e chamado por todas as nações de "o segundo nascido da luz" (sendo o primeiro Mercúrio), o início de seus caminhos de sabedoria (do Sol), o Arcanjo Miguel sendo também referido como o principium viarum Domini.
Assim, uma personificação puramente astronômica, construída sobre um significado oculto que ninguém parecia decifrar até agora fora da sabedoria oriental, tornou-se agora um dogma, parte integrante da revelação cristã. Uma transferência desajeitada de personagens é inadequada para a tarefa de fazer as pessoas pensantes aceitarem em um mesmo grupo trinitário o “Verbo” ou Jesus, Deus e Miguel (com a Virgem ocasionalmente para completá-lo) por um lado, e Mitra, Satã e Apollo-Abaddon do outro: tudo segundo o o capricho e prazer dos escólios católicos romanos. Se Mercúrio e Vênus (Lúcifer) são (astronomicamente em sua revolução ao redor do Sol) os símbolos de Deus Pai, o Filho, e de seu Vigário, Miguel, o "Dragão-Conquistador", na lenda cristã, por que deveriam, quando chamados Apolo-Abaddon, o “Rei do Abismo”, Lúcifer, Satanás ou Vênus - tornarem-se imediatamente diabos e demônios? Se somos informados de que o "conquistador", ou "Mercúrio-Sol", ou ainda São Miguel do Apocalipse, recebeu os despojos do anjo conquistado, ou seja, seu planeta, por que o opróbrio ainda estaria preso a uma constelação tão purificada? Lúcifer é agora o “Anjo do Rosto do Senhor”, [7] porque “aquele rosto está espelhado nele”. Pensamos antes, porque o Sol está refletindo seus raios em Mercúrio sete vezes mais do que em nossa Terra, e duas vezes mais em Lúcifer-Vênus: o símbolo cristão provando novamente sua origem astronômica. Mas seja do aspecto astronômico, místico ou simbológico, Lúcifer é tão bom quanto qualquer outro planeta. Avançar como prova de seu caráter demoníaco, e identidade com Satanás, a configuração de Vênus, que dá ao crescente deste planeta a aparência de um chifre cortado, é um absurdo grosseiro. Mas para conectar isso com os chifres de "O Dragão Místico" no Apocalipse - "um dos quais foi quebrado" [8] - como os dois demonólogos franceses, o Marquês de Mirville e o Chevalier des Mousseaux, os defensores da Igreja militante, gostaria que seus leitores acreditassem na segunda metade do nosso século atual - é simplesmente um insulto ao público.
Além disso, o diabo não tinha chifres antes do quarto século da era cristã. É uma invenção puramente patrística que surge do desejo de conectar o deus Pã e os faunos e sátiros pagãos com sua lenda satânica. Os demônios do paganismo eram tão sem chifre e sem cauda quanto o próprio arcanjo Miguel na imaginação de seus adoradores. Os “chifres” eram, no simbolismo pagão, um emblema do poder divino e da criação, e da fertilidade na natureza. Daí os chifres de carneiro de Amon, de Baco e de Moisés em medalhas antigas, e os chifres de vaca de Ísis e Diana, etc., etc., e do próprio Senhor Deus dos Profetas de Israel. Pois Habacuque dá a evidência de que esse simbolismo foi aceito tanto pelo “povo escolhido”, quanto pelos gentios. No capítulo III aquele profeta fala do “Santo do Monte Parã”, do Senhor Deus que “vem de Teman, e cujo resplendor era como a luz”, e que tinha “chifres saindo de suas mãos”.
Quando alguém lê, além disso, o texto hebraico de Isaías, e descobre que nenhum Lúcifer é mencionado no Capítulo XIV., V. 12, mas simplesmente ל ל י ח, Hillel, "uma estrela brilhante", dificilmente se pode abster de imaginar que pessoas educadas ainda deveriam ser ignorantes o suficiente no final de nosso século para associar um planeta radiante - ou qualquer outra coisa na natureza - com o DIABO! [9]
H.P.B.
Publicado originalmente na Revista Lucifer, setembro de 1887.
(Tradução de Bruno Carlucci em outubro de 2020).
Notas de H.P.B:
[1] “Vênus é uma segunda Terra”, diz Reynaud, em Terre et Ciel (p. 74), “tanto que houvesse alguma comunicação possível entre os dois planetas, seus habitantes poderiam levar suas respectivas terras para os dois hemisférios do mesmo mundo,. . . Eles parecem no céu, como duas irmãs. Semelhante em conformação, esses dois mundos também são semelhantes no caráter atribuído a eles no Universo. ”
[2] Assim diz Des Mousseaux. “Mœurs et Pratiques des Demons”, p. X - e nisso é corroborado pelo Cardeal de Ventura. O Diabo, diz ele, “é um dos grandes personagens cuja vida está intimamente ligada à da Igreja; e sem ele. . . a queda do homem não poderia ter ocorrido. Se não fosse por ele (o Diabo), o Salvador, o Redentor, o Crucificado seria o mais ridículo dos supranumerários e a Cruz um insulto ao bom senso. ” E se for assim, devemos nos sentir gratos ao pobre diabo.
[3] De Mirville. “Sem Diabo, sem Cristo”, exclama.
[4] Esta é apenas outra versão de Narciso, a vítima grega de sua própria beleza.
[5] O famoso templo dedicado aos Sete Anjos em Roma, e construído por Michelangelo em 1561, ainda está lá, agora chamado de “Igreja de Santa Maria dos Anjos”. Nos antigos Missais Romanos impressos em 1563 - um ou dois dos quais ainda podem ser vistos no Palazzo Barberini - pode-se encontrar o serviço religioso (officio) dos sete anjos, e seus nomes antigos e ocultos. Que os “anjos” são os Reitores pagãos, sob diferentes nomes - os judeus tendo substituído os nomes gregos e latinos - dos sete planetas é comprovado pelo que o Papa Pio V disse em sua Bula ao Clero espanhol, permitindo e encorajando o culto dos ditos sete espíritos das estrelas. “Não se pode exaltar demasiadamente estes sete reitores do mundo, figurados pelos sete planetas, como é consolador ao nosso século testemunhar pela graça de Deus o culto destas sete luzes ardentes, e destas sete estrelas reassumindo todo o seu brilho na república cristã. ” (Les Sept Esprits et l'Histoire de leur Culte; 2ª memória de De Mirville dirigida à academia. Vol. II. P. 358.)
[6] Heródoto mostrando a identidade de Mitra e Vênus, a frase na Agricultura Nabathean é evidentemente mal compreendida.
[7] “Tanto na teologia bíblica quanto na pagã”, diz de Mirville, “o Sol tem seu deus, seu defensor e seu usurpador sacrílego, ou seja, seu Ormuzd, seu planeta Mercúrio (Mitra), e seu Lúcifer, Vênus (ou Ahriman), tirado de seu antigo mestre e agora dado ao seu conquistador. ” (p. 164.) Portanto, Lúcifer-Vênus é bastante sagrado agora.
[8] No Apocalipse não há “chifre quebrado”, mas é simplesmente dito no capítulo XIII, 3, que João viu “uma de suas cabeças, por assim dizer, ferida de morte”. João não sabia nada em sua geração de demônios “com chifres”.
[9] As palavras literais usadas, e sua tradução, são: "Aïk Naphelta Mi-Shamayim Hilel Ben-Shachar Negdangta La-Aretz Cholesch El-Goüm", ou, "Como caíste dos céus, Hillel, Filho do Bom dia, como és lançado à terra, tu que lançaste as nações. ” Aqui, a palavra, traduzida como “Lúcifer”, é ל ל י ח Hillel, e seu significado é “brilhar intensamente ou gloriosamente”. É muito verdade também que, por um trocadilho com o qual as palavras hebraicas se prestam tão facilmente, o verbo hillel pode significar "uivar", portanto, por uma derivação fácil, hillel pode ser construído como "uivar", ou um demônio, uma criatura, no entanto, raramente ouve-se, ou nunca, “uivando”. Em seu Lexicon, Art. ל ח Parkhurst diz: “A tradução siríaca desta passagem torna ל ל י א‘ uivo ’; e até Jerome observa que significa literalmente "uivar". Michaelis traduziu, ‘Uivo, Filho da Manhã’. ” Mas nesse ritmo, Hilel, o grande sábio e reformador judeu, também pode ser chamado de um “uivador” e conectado com o diabo!