A Teoria dos Ciclos
H.P. Blavatsky
Já faz algum tempo que essa Teoria dos Ciclos, - exposta originalmente pela mais antiga de todas as religiões, a religião Védica, posteriormente ensinada por diversos filósofos gregos e mais tarde defendida pelos teósofos da Idade Média, mas logo negada categoricamente pelos ‘sábios’ do Ocidente, como ocorre a todas as coisas neste mundo de contradições, - foi gradualmente ganhando destaque novamente. E desta vez, contrariamente à regra geral, foram os próprios cientistas que se encarregaram de fazê-lo.
Estatísticas de eventos da mais variada natureza vêm sendo preparadas com a seriedade exigida pelos grandes problemas científicos. São estatísticas de guerras – e de períodos (ou ciclos) que marcam o aparecimento dos grandes homens – pelo menos daqueles reconhecidos como tais pelos seus contemporâneos, independentemente das opiniões posteriores; estatísticas sobre períodos que registram o desenvolvimento e o progresso dos grandes centros comerciais; da ascensão e queda das artes e ciências; dos cataclismos, como terremotos e epidemias; das épocas de frio ou calor extraordinários; dos ciclos de revoluções, do nascimento e queda de impérios; hoje, todas essas coisas estão sujeitas à análise dos cálculos matemáticos os mais rigorosos. Finalmente, até o significado oculto dos números contidos nos nomes de pessoas e cidades em acontecimentos e assuntos semelhantes, recebem uma atenção especial.
Se, de um lado, grande parte do público letrado volta-se para o ateísmo e o ceticismo, do outro, encontramos uma inegável corrente de misticismo, que vai abrindo caminho pelo terreno da ciência. É a prova da irreprimível necessidade que a humanidade experimenta quando procura convencer-se da existência de um Poder Supremo, que paira sobre a matéria; uma lei oculta e misteriosa que governa o mundo, e que melhor faríamos se a estudássemos e a observássemos cuidadosamente, tentando nos adaptar a ela, ao invés de negá-la cegamente e quebrar nossas cabeças contra a rocha do destino.
Mais de uma mente inteligente, enquanto estudava a fortuna e os reveses das nações e dos grandes impérios, tem se sentido impressionada pela incidência de fatos idênticos registrados na história dessas nações e impérios, ou seja, a inevitável repetição na vida dessas nações e impérios dos mesmos acontecimentos e após um mesmo período de tempo. Essa analogia é encontrada em fatos que são substancialmente os mesmos, embora possa existir uma maior ou menor diferença nos seus detalhes externos.
Assim, a crença dos antigos astrólogos, adivinhos e profetas, pode muito bem ter sido confirmada pela verificação da maioria das suas mais importantes predições, sem que essas previsões de acontecimentos futuros implicassem na necessidade da existência de alguma coisa realmente milagrosa de sua parte. Adivinhos e augures, que nas velhas civilizações ocupavam as mesmas posições hoje mantidas pelos nossos historiadores, astrônomos e meteorologistas, não oferecem nada de mais extraordinário no fato de terem predito a queda de um império ou a perda de uma batalha, do que os nossos cientistas ao predizerem a volta de um cometa, uma modificação da temperatura ou, talvez, a conquista definitiva do Afeganistão.
Afora a necessidade dessas classes de serem observadores argutos, existia também a exigência do estudo de determinadas ciências, tanto naquelas recuadas épocas como hoje.
Daqui a milhares de anos a ciência moderna terá se transformado numa ciência “antiga”. Hoje, o estudo das ciências, livre e aberto, está ao alcance de todos, enquanto que no passado estava confinado a poucos. No entanto, antigas ou modernas, ambas podem ser chamadas de ciências exatas, porque, se o astrônomo de hoje tira suas observações a partir de cálculos matemáticos, o astrólogo do passado baseava suas predições nas observações não menos cuidadosas e matematicamente corretas dos ciclos periódicos. E porque o segredo dessa ciência foi perdido, isso seria suficiente para garantir o direito de afirmar que ela jamais existiu? Ou que, aceitando a sua validade, o homem é obrigado a aceitar e a acreditar também em “magia”, “milagres”, e coisas tais?
“Se, levando-se em conta as culminâncias a que chegou a ciência moderna, a pretensão de poder prever os acontecimentos futuros deva ser encarada como brincadeira de crianças ou como uma deliberada decepção”, - afirma um articulista do Novoye Vremya, o melhor jornal literário e político de São Petersburgo, - “então podemos apontar para a ciência que, por sua vez, trouxe novamente à baila o problema nas suas relações com os acontecimentos passados, exista ou não certa periodicidade na sua repetição; em outras palavras, se tais acontecimentos ocorrem após determinado período de anos a cada nação, e se existe uma periodicidade, esta pode ser devida a um mero acaso ou depende das mesmas leis naturais das quais também dependem, mais ou menos, muitos dos fenômenos da vida humana.” Sem dúvida, o último.
E o escritor tem a melhor prova matemática do que diz, com o oportuno lançamento de novas obras, como a do Dr. E. Zasse, além de outras. Diversas obras eruditas que tratam desse assunto místico surgiram anteriormente, e de algumas delas e de respectivos cálculos trataremos a seguir; são obras saídas da pena de eminentes eruditos.
Tendo anunciado no número de junho do The Theosophist o artigo de autoria do Dr. Blochivtz, “Sobre o significado do número sete” com todas as nações e todos os povos – publicado recentemente no jornal alemão Die Gegenwart – vamos agora sumarizar as opiniões da imprensa em geral sobre uma obra mais sugestiva de autoria do conhecido alemão, E. Zasse, contendo algumas de nossas reflexões. Essa obra acaba de ser publicada no Prussian Jorunal of Statistics, e corrobora vigorosamente a antiga Teoria dos Ciclos.
Esses períodos que provocam acontecimentos que sempre se repetem, começam partindo de uma rotação infinitamente pequena – de 10 anos, digamos – para alcançar depois outros ciclos que exigem 250, 500, 700 e 1000 anos, para efetuar sua revolução em torno de si mesmos, e dentro de um outro. Todos, porém, estão contidos na Maha-Yuga, a “Grande Idade”, ou ciclo dos cálculos do Manu, que por sua vez se desenrola entre duas eternidades – os Pralayas, ou Noites de Brâhma. Assim como no mundo objetivo da matéria, ou sistema de efeitos, as constelações menores e os planetas gravitam isoladamente e em conjunto em torno do Sol, da mesma maneira no mundo subjetivo, ou sistema de causas, todos esses inumeráveis ciclos gravitam entre aquilo que o intelecto finito do mortal comum encara como eternidade e que a ainda finita, porém mais profunda intuição do sábio e do filósofo vê como uma eternidade na ETERNIDADE. “Assim como é em cima, é embaixo”, ensina a velha máxima hermética.
Como uma experiência nessa direção, o Dr. Zasse escolheu as investigações estatísticas de todas as guerras, cuja ocorrência foi registrada pela História como um assunto que, mais que qualquer outro, permite mais facilmente uma verificação científica. Para ilustrar sua opinião do modo mais simples e compreensível, o Dr. Zasse apresenta os períodos de guerra e os períodos de paz, sob a forma de pequenas e grandes linhas sinuosas que correm sobre a área do Velho Mundo. A ideia não é nova, uma vez que essa imagem foi usada para ilustrações idênticas por mais de um místico antigo e medieval, tanto em palavras como em desenho – como, por exemplo, por Henry Khunrath. Mas serve perfeitamente ao seu objetivo e fornece-nos os fatos que desejamos. Entretanto, antes de tratar dos ciclos de guerras, o autor registra a ascensão e queda dos grandes impérios mundiais e mostra o grau de atividade que os mesmos desempenharam na História Universal. Ademais, acentua o fato de que se dividirmos o mapa do Velho Mundo em seis partes – Ásia Oriental, Central e Ocidental, Europa Oriental e Ocidental, e Egito – verificaremos facilmente que a cada 250 anos uma enorme vaga passa sobre essas áreas, provocando em cada uma, por sua vez, os mesmos acontecimentos que a precedente provocou. Podemos chamar a essa vaga de “a vaga histórica” do ciclo de 250 anos. Agora, que o leitor acompanhe este místico número de anos.
A primeira dessas vagas teve início na China, 2000 anos antes da nossa era – durante a “idade de ouro” desse Império, a idade da filosofia, das descobertas e reformas.
Em 1750 a.C., os mongóis da Ásia Central fundaram um poderoso império. Em 1500, o Egito ergue-se de sua degradação temporária e lança-se sobre várias partes da Europa e da Ásia; e, por volta de 1250, a vaga histórica alcança e atravessa a Europa Oriental, transmitindo-lhe o espírito da expedição dos Argonautas, para desaparecer no ano 1000, por ocasião do cerco de Troia.
Uma segunda vaga histórica surge mais ou menos na mesma ocasião na Ásia Central. Os citas abandonam suas estepes e inundam, por volta do ano 750 a.C., os países vizinhos, avançando para o Sul e o Ocidente. No ano 500 a.C. começa na Ásia Ocidental uma época de esplendor para a antiga Pérsia; e a Grécia atinge a culminância de sua cultura e civilização e avança mais para o Ocidente, onde, por ocasião do nascimento de Cristo, o Império Romano está no apogeu do seu poder e da sua grandeza.
Mais uma vez, nesse mesmo período, vamos encontrar o aparecimento de uma terceira vaga histórica no Extremo Oriente. Nessa ocasião, após prolongadas revoluções, a China funda novamente um poderoso império, registrando-se novo florescimento das artes, ciências e comércio. Então, passados 250 anos, encontramos os hunos saídos do interior da Ásia Central, no ano 500 d.C. renasce um novo e poderoso Império Persa; em 750 d.C. – na Europa Oriental – surge o Império Bizantino; e no ano 1000 – no ocidente europeu – aparece a segunda potência romana, o Império do Papado, que logo depois alcança um desenvolvimento extraordinário no tocante às suas riquezas e ao seu esplendor.
Ao mesmo tempo, a quarta vaga se aproxima, vinda o Oriente. A China floresce novamente; em 1250, a vaga mongólica invade e cobre enorme área de terra, inclusiva a Rússia. Por volta de 1500, na Ásia Ocidental, o Império Otamano ergue-se com toda sua força e conquista a península dos Balcãs; simultaneamente, porém, a Rússia liberta-se do jugo tártaro, e em 1750, durante o reinado de Catarina, a Grande, expande-se numa grandeza extraordinária e cobre-se de glória. A vaga avança incessantemente mais para o Ocidente, e a partir de meados do século passado [dezoito], a Europa passa a viver uma época de revoluções e reformas e, segundo o autor (o Dr. Zasse). “Se é permitido profetizar, nesse caso, por volta do ano 2000 a Europa Ocidental terá vivido um desses períodos de cultura e progresso tão raros na História”. (grifo extra)
A imprensa russa, aceitando a deixa, acredita que “por essa época, a Questão Oriental será finalmente resolvida, as dissensões nacionais dos povos europeus chegarão ao fim, e o alvorecer do novo milênio será testemunha da abolição dos exércitos e de uma aliança entre todos os impérios europeus.” Os sinais de regeneração multiplicam-se também no Japão e na China, como que acentuando a aproximação de uma nova vaga histórica no Extremo Oriente.
Se, do ciclo de dois séculos e meio de duração, descemos àqueles que deixam suas marcas a cada século, e reunindo os acontecimentos da História antiga, podemos marcar o nascimento e a ascensão de impérios; nesse caso, é possível verificar que desde o ano 700 a.C., as vagas centenárias não cessam de avançar, levando às culminâncias do próprio fastígio – e cada uma por sua vez – as seguintes nações e povos: assírios, babilônios, persas, gregos, macedônios, cartagineses, romanos e germânicos.
A impressionante periodicidade das guerras na Europa é também registrada pelo Dr. Zasse. A partir do ano 1700 d.C., cada período de dez anos vem sendo assinalado ou por uma guerra ou por uma revolução. Os períodos de fortalecimento e enfraquecimento do espírito guerreiro das nações europeias e uma vaga impressionantemente regular na sua periodicidade, aumentando incessantemente, como se impelida por alguma lei invisível e fixa. Essa mesma lei misteriosa parece fazer com que esses acontecimentos coincidam com a vaga astronômica ou ciclo, que, a cada nova revolução, é acompanhada pelo aparecimento, perfeitamente visível, de manchas solares. Os períodos durante os quais as potências europeias exibiram a mais destruidora energia são assinalados por um ciclo de 50 anos de duração. Seria demasiadamente longo e fastidioso enumerá-los a partir do início da História. Entretanto, podemos limitar nosso estudo ao ciclo que começou em 1712, quando todas as nações europeias lutavam ao mesmo tempo – as guerras do Norte, as guerras contra os turcos, e a guerra pelo trono da Espanha. Por volta de 1761, ocorreu a “Guerra dos Sete Anos”; em 1810, tivemos as guerras napoleônicas. Em 1861, a vaga apresentou uma ligeira alteração no seu curso regular, mas, como que para compensar esse enfraquecimento, ou, talvez, impelida por uma força inusitada, os anos imediatamente anteriores, da mesma forma que os subsequentes, deixaram na História o registro da mais feroz e sanguinolenta das guerras – a da Crimeia – no período que se seguiu àquele enfraquecimento, e a Revolução Americana, no período anterior.
A periodicidade das guerras travadas entre a Rússia e a Turquia parece particularmente impressionante e representa uma vaga muito característica. Inicialmente, os intervalos entre os ciclos, que retornam sobre si mesmos, são de trinta anos de duração: 1710, 1740, 1770; depois, os intervalos diminuem e temos então um ciclo de vinte anos: 1790, 1810, 1829/30; em seguida, aumentam novamente: 1853 e 1878. Mas, anotando a duração total da maré do ciclo guerreiro, teremos no seu centro – de 1768 a 1812 – três guerras que se prolongaram por seis anos cada uma e, quando terminaram, outras guerras de dois anos.
Finalmente, o autor chega à conclusão que, diante dos fatos, torna-se praticamente impossível negar a presença de uma periodicidade regular no excitamento das forças físicas e mentais das nações do mundo. Ele prova que na história de todos os povos e impérios do Velho Mundo, os ciclos que assinalam os milênios e os séculos, da mesma forma que os menores, os de 50 e 10 anos de duração, são os mais importantes, uma vez que nenhum deles jamais deixou de trazer em seu rastro um acontecimento mais ou menos marcante na história da nação assolada por essas vagas históricas.
De todas as histórias, a da Índia é a mais confusa e a menos satisfatória. No entanto, se seus grandes acontecimentos consecutivos forem registrados e seus anais estudados, a lei dos ciclos poderia ser assinalada de maneira tão cabal como em qualquer outro país no que diz respeito às guerras, fomes, revoluções políticas e outros problemas.
Na França, um meteorologista de Paris deu-se o trabalho de compilar as estatísticas das estações mais frias e descobriu, ao mesmo tempo, que os anos que trazem o número 9 foram marcados pelos invernos mais rigorosos.
Suas anotações são as seguintes: em 859 d.C., a zona norte do Adriático ficou congelada e coberta de gelo pelo espaço de três meses. Em 1179, nas zonas mais moderadas, a Terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura. Em 1209, na França, a espessura da camada de neve e o frio rigoroso provocaram tal escassez de forragem que o gado morreu em todo o país. Em 1249, o Báltico, entre a Rússia, a Noruega e a Suécia, permaneceu congelado por vários meses e as comunicações só eram possíveis por meio de trenós. Em 1339, registrou-se um inverno tão rigoroso na Inglaterra que grande número de pessoas morreu de fome e por congelamento. Em 1409, o Danúbio ficou totalmente gelado desde as nascentes até a desembocadura, no Mar Negro. Em 1469, todos os vinhedos e pomares pereceram em consequência da geada. Em 1609, na França, Suíça e na Alta Itália, as pessoas precisavam serrar o pão e as demais provisões antes de poderem usá-los. Em 1639, o porto de Marselha ficou na sua maior parte coberto pela neve. Em 1659, todos os rios da Itália ficaram congelados. Em 1699, o inverno na França e na Itália foi o mais severo e o mais longo de todos. Os preços dos mantimentos sofreram tamanha alta que metade da população morreu de fome. Em 1709, o inverno não foi menos terrível. A terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura na França, Itália e Suíça, e o mar, tanto ao sul como ao norte, igualmente congelado e coberto por uma grossa crosta de gelo de muitos pés e por muitas milhas ao largo, já em alto mar. Manadas de animais selvagens que o frio escorraçou dos seus covis nas florestas procuravam refúgio nas aldeias e até mesmo nas cidades; e os pássaros morriam aos milhares. Em 1729, 1749 e 1769 (ciclos de 20 anos de duração), todos os rios e riachos ficaram durante várias semanas cobertos de neve em toda a França, e pereceram todas as árvores frutíferas.
Em 1789, a França foi novamente visitada por um rigoroso inverno. Em Paris, termômetros registraram por muito tempo 19 graus negativos. Entretanto, o mais severo de todos os invernos foi o de 1829. Durante cinquenta e quatro dias consecutivos todas as estradas da França permaneceram cobertas por uma capa de neve de vários pés de espessura, e todos os rios congelaram. Naquele ano, a fome a miséria atingiram o auge em todo o país. Em 1839, registrou-se novamente na França outro inverno particularmente severo.
E agora, este ano de 1879 reafirmou seus direitos estatísticos e provou ser verdadeira a influência fatal do número 9. Os meteorologistas de outros países são convidados a seguir o exemplo do seu colega francês, e a realizar suas próprias investigações, pois o problema é certamente dos mais fascinantes e do tipo mais instrutivo.
Mas já foi dito o suficiente para provar que nem as ideias de Pitágoras sobre a misteriosa influência dos números, nem as teorias das antigas religiões e filosofias são tão inócuas e inverídicas quanto algumas que certos livre pensadores demasiadamente avançados gostariam de ver o mundo aceitar.
Artigo publicado em The Theosophist, Vol I, nº 10, de julho, 1880.
Transcrito nos Collected Writings, Vol. II.
Tradução de M. P. Moreira Filho.