quarta-feira, 9 de junho de 2021

A importância do Estudar o Dharma

 A importância de Estudar o Dharma 

Bruno Carlucci



Atualmente é comum vermos o discurso de que o estudo é algo secundário à prática religiosa ou espiritual, sendo muitas vezes desestimulado por determinados grupos, gurus ou seitas. Não é incomum vermos o clássico argumento de que a "vivência" é só o que importa, deslegitimando a importância do que se aprende com o estudo. Porém, se olharmos textos importantes, vinculados à tradição budista, veremos que o estudo é essencial para aqueles que buscam o Dharma. Afinal, a segunda das três jóias (Buddha, Dharma e Sangha) pode ser entendida como a sustentação, o caminho, os ensinamentos. Sem estudo dos ensinamentos, não há sustentação. 

A escola Gelugpa do budismo tibetano enfatiza que não é possível alcançar a sabedoria sem o estudo prévio. Estudar, refletir sobre o que se estuda, aplicar o discernimento e meditar sobre isso são pontos essenciais para qualquer pessoa que se sinta atraída pela busca espiritual. Sempre devemos desconfiar ao nos depararmos com discursos que tentam desestimular o papel central do estudo como parte essencial da prática espiritual. Sem o estudo cuidadoso das tradições com as quais nos vinculamos ou nos sentimos afinados, o risco de cair em equívocos ou se deixar levar por superstições ou distorções do ensinamento é sempre grande.  

 Prajna-Paramita

A Perfeição da Sabedoria, Prajna-Paramita, é considerada a "mãe do Buddhas". Isto é, o despertar de um Buddha não acontece sem que antes haja sabedoria. A sabedoria não pode ser alcançada sem a meditação analítica acerca da natureza última do "eu" e dos fenômenos (o vazio de existência inerente, a interdependência de tudo). A meditação analítica (vipasyana) efetiva necessita também da meditação tranquilizadora (shamata), em que a mente se estabiliza no objeto de meditação. A estabilização só pode ser efetiva se estiver alinhada com uma conduta de vida virtuosa. O foco no desenvolvimento das virtudes enfraquece o poder das perturbações mentais que obscurecem a nossa compreensão da realidade. O entendimento necessário acerca das virtudes, de como adotá-las e dos vícios e como abandoná-los, do vazio de existência inerente, das etapas da senda do bodhisattva, só se dá por meio do estudo. 

O estudo norteia a prática e a prática aprofunda o estudo. Estudar, investigar os textos, a história das tradições, dos personagens das escolas ou grupos com os quais nos associamos, ou sentimos afinidade, alimenta o poder do discernimento. O discernimento é a chave para não cairmos em enganos ou armadilhas, não nos tornarmos reféns da adoração ingênua, para sabermos corrigir o rumo se estivermos num caminho inadequado. O discernimento acerca da natureza última do "eu" e dos fenômenos também é a chave para que consigamos realizar a alquimia mental (lojong), de uma mente egoísta para uma mente altruísta. Portanto, o estudo alimenta o discernimento e leva à sabedoria, à compreensão profunda daquilo que foi refletido e analisado. A mente desperta e altruísta (bodhicitta) necessita da sabedoria (prajna), caso contrário, a noção de separatividade inerente não é superada.     

                                                              Je Tsongkhapa (1357-1419)

No Lamrim ChenMo de Je Tsongkhapa, fundador da Escola Gelugpa, a importância de se comprometer com uma rotina de estudos, não só nesta, mas em todas as vidas, é resumida por esta citação de Geshe Sharawa (da antiga escola Kadampa):

"Até que você se torne um Buddha, os seus estudos não estão completos. Você só para de estudar depois de se tornar um Buddha."   

Geshe Kamaba, também da escola Kadampa, reforça esse ponto, conforme citado por Tsongkhapa:

“Estudarei continuamente ao longo de muitas vidas, sem interromper a sucessão de vidas com tempo livre e oportunidade de acesso e estudo do Dharma.” 

A todo momento em nossa vida, estamos repetindo padrões de comportamento ou condicionamentos de vidas anteriores. Se alimentarmos novos padrões ou padrões virtuosos, como o estudo do Dharma, então, nos habituamos a continuar com tal padrão em vidas futuras também, possibilitando, conforme o nosso karma gerado, uma vida dotada de acesso aos ensinamentos e tempo para poder estudá-los e praticá-los. 

Tentemos estudar, refletir, discernir, meditar e colocar os ensinamentos em prática agora para que possamos continuar a nos aprofundar neste longo processo gradual de estudo-prática em vidas futuras. 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Núcleo Jnana - Budismo Mahayana (Kadampa-Gelugpa)

 



    

Núcleo Jnana  

Estudo virtual da Filosofia Budista Mahayana da Índia e Tibete (Kadampa-Gelugpa).

Todas as quartas, das 19h às 20:30h (com breve meditação). 

 Inscrições e mais informações: nucleojnana@gmail.com   



quarta-feira, 10 de março de 2021

A Filosofia dos Rishis da Índia Antiga

 

A Filosofia dos Rishis da Índia Antiga



Temos a alegria de convidá-los para o evento virtual: Encontro de Tradições para o lançamento do quarto livro da Editora Garbha-Lux: "A Filosofia dos Rishis da Índia Antiga" do Prof. Alberto Brum. O evento acontecerá nos dias 03 e 04 de abril de 2021, das 15h às 19h (com intervalo).

Além do Autor do livro teremos apresentações de membros do Instituto Garbha e do Núcleo Lux-Dzyu (Aláya Dullius, Bruno Carlucci, Jane Dullius, Luis Lima e Marina Hernandes) sobre diferentes escolas da filosofia indiana: Samkhya, a Vedanta Advaita, o Yoga Vasistha e a Baghavad Gita. O evento ocorrerá no zoom, com possível transmissão ao vivo por link privado no youtube (em caso de lotação maior de cem pessoas). Os links de acesso serão enviados aos inscritos. Para se inscrever, clique aqui.

Sobre o autor do livro: Alberto Brum foi professor universitário de Filosofia Oriental, Ética e História da Filosofia Antiga, em Brasília. Há mais de 40 anos vem realizando estudos da filosofia da Índia, do budismo mahayana e da tradição advaita (a vedanta de Shankara e o shaivismo de Kashmir) e da Gupta-Vidya.

É o autor de "Atma-Yoga: Shankara, a Vedanta Advaita e o Atmabodha" (ed. Garbha-Lux); de "O Mistério da Ética (Ed. Garbha-Lux)"; "A Libertação do Sofrimento no Budismo Tibetano Gelugpa" (Ed. Teosófica), entre outros. Participou da edição dos livros "Viveka-Chudamani" de Shankara (Ed. teosófica), "A Senda Graduada para a Libertação" de Geshe Rabten (Ed. Teosófica).

Foi o coordenador do Núcleo Lux (Porto Alegre e Brasília, 1983-1996) e do Centro Lux (Brasília, 1996-2015). É o diretor do Núcelo Lux-Dzyu e o Núcleo de Pesquisas do Instituto Garbha.

Para fazer a sua inscrição no evento, clique aqui

O cartaz do evento com os temas e demais palestrantes:



domingo, 7 de fevereiro de 2021

Pode o dual ver o não-dual?

Pode o dual ver o não-dual? 




Reposto aqui uma conversa com o amigo Shaku Khashin sobre questões de dual e não dual a partir de estudos da filosofia indiana, mais especificamente a Vedanta Advaita em diálogo com outras perspectivas num grupo de Facebook:

Shaku Kashin: O dual não vê o não dual? O não dual vê o dual? O que acha?

Bruno Carlucci: Não considero possível o dual ver o não-dual. Enquanto há um sujeito que vê e um objeto a ser visto, ainda estamos na dualidade, em Maya. Por isso que em tratados da Vedanta Advaita, como o Mandukya-karika de Gaudapada, a dualidade só deixa de ser percebida quando a "mente deixa de ser mente", isto é, quando os movimentos e relações de citta cessam e prajna resplandence, despertando para uma sabeoria intuitiva e direta dessa não-dualidade, que não é a sabedoria de um "eu", mas um estado latente presente em todos os seres e que estava envolto por Maya. Essa não-dualidade é Turiya, o Atman, que está além da mente e de qualquer dualidade. Nessa sabedoria, já não há mais alguém que percebe, nem algo a ser percebido. Nem alguém que se une, nem algo com que unir, pois está além de separatividade e das designações e predicados vinculados à separatividade. Não que a mente seja aniquilada ou a realidade relativa dos fenômenos deixe de ser percebida, mas não são mais percebidas como o foco central, nem a própria mente individual é mais o o foco central, já que como o próprio Mandukya-Karika explica, a mente de um ser desperto vira somente um instrumento de percepção para poder agir no mundo, mas deixa de ser o ponto determinante em que há autoidentificação com os pensamentos e sentidos e os apegos e aversões resultantes disto, pois agora o foco repousa no Atman inefável e não mais em jiva (o "individual"). Penso que é um estado semelhante ao que Paulo diz em Gálatas 2:20, "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim", a partir de uma leitura sob a ótica da mística cristã.

Referência Bibliográfica:

Gaudapada. Mandukya-Karika. In: Alberto Brum. Atma-Yoga. Shankara, a Vedanta Advaita e o Atmabodha. Ed. Garbha-Lux. Disponível em: Garbha-Lux



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

O conhecimento na via espiritual

 O conhecimento na via espiritual

Rafael Nascimento



Qual o papel do conhecimento no despertar da vida espiritual? É muito comum reconhecermos, de imediato, a importância da meditação, da devoção e da ação. De fato, harmonizar o fluxo mental através da plena atenção, ser um devoto amoroso de um ideal ou de um legítimo instrutor, ou servir humanidade com ações práticas que exemplifiquem os elevados ideais da compaixão e da fraternidade são de grande importância para os que desejam tocar, com a ponta de seus pés, o início do Caminho. Porém, muitas vezes o conhecimento é deixado de lado, ou até mesmo considerado um empecilho por aqueles que consideram que a mente deve esvaziar-se por completo para a obtenção de uma súbita iluminação. Entretanto, o conhecimento é a base para que os elementos acima citados sejam empreendidos de forma reta e eficiente.

O conhecimento constitui um degrau importante para a elevação do homem até a Sabedoria, e se a busca é bem direcionada e orientada, com este intuito, ela se configura como uma forma de Ioga – a Jnana-Ioga. Geoffrey Hodson diz que “o iogue jnana procura pelo conhecimento e pelo domínio do intelecto atingir a unidade consciente com o Supremo” (A Suprema realização através da Ioga, pág. 39). É como se o conhecimento, depois de ajudar a desenvolver o intelecto, trabalhando o princípio mental de modo cada vez mais abstrato, descesse da mente para o coração, coroando o indivíduo com a Sabedoria. Ocorre um salto na consciência e a intuição espiritual ganha espaço de atuação, já que “o objetivo desta ioga do conhecimento é educar a mente para perceber e conhecer o Eu Divino uno em todas as coisas, e todas as coisas dentro do Eu Divino” (pág. 40), não tendo praticamente nada a ver com o conhecimento livresco, mesmo sendo ele o ponto de partida.

Um exemplo interessante é o estudo de A Doutrina Secreta. Segundo Joy Mills, ele tem um propósito prático, que é o desenvolvimento do pensamento abstrato e o aguçar da intuição, levando o estudante a pensar e vislumbrar o mundo de modo universal e não linear, de dentro para fora: “mas o nosso estudo de A Doutrina Secreta é um tipo de estudo totalmente diverso. A possibilidade de que os princípios aqui expostos sejam testados e verificados não reside nas situações externas. A possibilidade de teste, a sua comprovação, deve repousar na transformação interna que pode ser produzida” (O Despertar de Uma Nova Consciência, pág. 15).

Mas o que diz Tsongkhapa sobre a prática do estudo e aquisição do conhecimento? Em seu tratado da “Senda Gradual”, o Lamrim Chenmo, no capítulo VI – Refutando equívocos acerca da meditação (tradução de Bruno Carlucci), ele diz:

“(...)

• Maitreya ensina que se use a sabedoria que vem da reflexão para que se chegue propriamente ao significado daquilo que foi estudado.

• Dessa maneira surge a sabedoria que vem da meditação e percebe a realidade.

• Portanto, primeiro estude com alguém o que você pretende praticar e aprenda “de segunda mão”.

• Em seguida, use as escrituras e o raciocínio para refletir sobre o significado daquilo que você estudou e aprenda em “primeira mão”.

(...)

• Portanto, as escrituras e os seus comentários dizem que o estudo e a reflexão são muito importantes para a prática de meditação.

• Objeção: ‘Ao meditar, você deve meditar sobre algo sem relação com o seu estudo e reflexão.’

• Resposta: Isso é tão incoerente, como mostrar a um cavalo a pista de corrida e depois competir montado noutro cavalo. Isso destrói completamente o processo de desenvolver as três sabedorias sucessivamente [as três sabedorias são aquelas que surgem do estudo, da reflexão e da meditação]. Esse argumento implica na bobagem de dizerem: ‘não é preciso muito estudo para percorrer a senda verdadeira.’”

Percebemos, assim, a importância do estudo e reflexão, como degraus da Senda, nas origens da tradição teosófica. O conhecimento é uma importante base e ponto de partida para os graus que nos levam a obtenção da Sabedoria, quando a clara visão – Prajna, nos capacita para a aquisição da pura Verdade Espiritual. Esta é a meta: a realização da Gnosis, a obtenção do conhecimento de ordem espiritual que tem sua morada no templo interno do Ser. “Sois Deuses, ‘Herdeiros dos Eons’; das eras que passaram e das que virão, porque sois, em vós mesmos, eternidades imortais, se apenas voltardes para Casa” (G.R.S. Mead, A Gnosis Viva do Cristianismo Primitivo, pág. 71). É necessário reaprender o caminho.

*Rafael Nascimento é membro da Sociedade Teosófica no Brasil e atua na Loja Unicidade em Cataguazes (MG). 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A Gnosis de João: O Apócrifo, O Hino e A Cruz de Luz do Essênio Gnóstico Yohanan

 A GNOSIS DE JOÃO - O APÓCRIFO, O HINO E A CRUZ DE LUZ DO ESSÊNIO-GNÓSTICO YOHANAN 

Editora Garbha-Lux 


Este novo livro de Alberto Brum e Aláya Dullius, lançado pela Editora Garbha-Lux, apresenta o aspecto mais filosófico e gnóstico do autor do manuscrito que deu origem ao Quarto Evangelho. Um texto que nos fala da Luz que vem ao mundo – a sabedoria do Christos-Logos.

A primeira parte faz uma investigação sobre o real contexto histórico do personagem, que é o Elazar dos tannaim cabalistas, o Lázaro do cristianismo e o Yohannan da tradição essênia de Qumran, onde foi um discípulo de João Batista.

O livro contém os dois hinos dos Atos de João (O Hino de Jesus e A Cruz de Luz) e o tratado apócrifo de João, descoberto no Egito, presente no Códice de Berlim e na Biblioteca de Nag Hammadi.

A Cruz de Luz é uma tradução da edição inglesa de G. R. S. Mead feita com o propósito de ilustrar a gnosis de João e a simbologia da crucificação.

O Apócrifo de João é um dos mais importantes textos do antigo e genuíno gnosticismo cristão. Nele consta um diálogo privado entre Jesus e João  que tem semelhança com o tratado Pistis Sophia. 

O livro pode ser comprado no site da própria editora, clicando neste link: Editora Garbha-Lux  ou pelo contato no Whatsapp: (61) 3222 0046. 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Sobre o Karma e As Circunstâncias Astrológicas




"Em última análise, todos os bons e maus (resultados) são determinados pelas ações* de uma pessoa. Com relação a isso: 'Para todos os dias da semana, dias lunares, mansões lunares e yogas, karaṇas, ascendentes e planetas maléficos, o bem resultará quando a virtude for praticada. Seres nascidos na mesma hora terão vidas diferentes e resultados diferentes. De acordo com suas ações individuais, diferentes resultados ocorrerão. Como resultado de [por exemplo] batalhas, incêndios florestais e captura em redes de pesca, muitos seres morrem ao mesmo tempo. As virtudes dos seres criam uma vida forte, esforço, poder e fortuna, e seus vícios enfraquecem a vida, o esforço e o poder."

Kalki Pundarika - Vimalaprabha (Comentário ao Kalachakra Mula Tantra)


Nota do Tradutor: Karma é ação em sânscrito, e não uma predestinação inevitável como às vezes é entendido pelo senso comum no Ocidente.  Assim como as condições astrológicas na perspectiva budista são encaradas como um retrato de tendências geradas a partir de nossas ações de mente, fala e corpo, e não como um destino inalterável ou como uma vontade totalmente alheia a nós.