segunda-feira, 29 de junho de 2020

As Formas-Pensamento




"Cada pensamento do homem, ao se desenvolver, passa para o mundo interno e se torna uma entidade ativa ao se associar - amalgamando-se, poderíamos dizer nesses termos - a um elemental; isto é, uma das forças semi-inteligentes dos reinos. Ele sobrevive como uma inteligência ativa, uma criatura produzida pela mente, por um período longo ou curto, conforme a intensidade da ação cerebral que o produziu. Portanto, um bom pensamento é perpetuado como um poder benéfico e ativo; um pensamento maléfico como um demônio maléfico. Assim o homem continuamente preenche o ambiente ao seu redor com um mundo de sua própria criação, povoado com a prole de suas fantasias, desejos, impulsos e paixões, uma corrente que reage sobre qualquer organismo sensível ou/e agitável com o qual entra em contato na proporção de sua intensidade dinâmica." (A.P. SInnett - Occult World, p.130; Também em: Mahatma Letters to A.P. Sinnett, pp.70-71, edição de Pasadena).

Blavatsky sobre Atma-Buddhi-Manas na D.S. vol.1



Trechos sobre Atma-Buddhi-Manas no volume 1 de A Doutrina Secreta.


H.P.B. 



"O astral, por meio de kama (o desejo), atrai continuamente manas para a esfera das paixões e desejos materiais. Mas se o homem melhor, ou manas, se esforça por escapar à atração fatal, e orienta suas aspirações para Atman (Neshamah), então buddhi (ruach) vence, levando consigo manas para o Reino da Espírito Eterno."  (D.S. Vol. 1, p.278) 


" o corpo segue os impulsos, bons ou maus, de manas; manas procura seguir a luz de buddhi, mas frequentemente falha. Buddhi é o molde das "vestes" de Atman, pois Atman não é o corpo, nem forma, nem coisa, e buddhi não é o seu veículo senão em sentido figurado." (D.S. Vol. 1, p. 278). 


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Notas sobre o Karma - Lamrim ChenMo (Je Tsongkhapa)

As Características Gerais do Karma 

Seleção de passagens sobre o Karma nos capítulos 13 e 14 do  Lamrim ChenMo de Je Tsongkhapa


Je Tsongkhapa


Neste ponto tenha domínio sobre as classificações de virtude e não-virtude, bem como os seus efeitos. Deve fazer de sua prática a adoção e a retirada apropriadas de virtudes e não-virtudes, respectivamente. 

 • Pois, a não ser que reflita sobre os dois tipos de karma e os seus efeitos e, então, abandone a não-virtude e adote a virtude, não interromperá as causas de renascimentos miseráveis, e mesmo temendo os reinos miseráveis, não será capaz de escapar daquilo que teme.  

• É necessário ter convicção acerca do karma e de seus efeitos.  

• Há quatro modos de refletir sobre o karma e os seus efeitos: • 1. A certeza do karma. • 2. A intensificação do karma. • 3. Não experienciar efeitos de ações que você não cometeu. • 4. As ações que você cometeu não perecem.

1. A certeza do Karma  

• Toda felicidade no sentido de sensações de alívio ou agradáveis surge de karma virtuoso previamente acumulado.  

• É impossível obter felicidade a partir de karma não-virtuoso.  

• Todos os sofrimentos no sentido de sensações dolorosas, incluindo mesmo o sofrimento mais sutil que ocorre na mente de um Arhat, surge de karma não-virtuoso previamente acumulado.
  
• É impossível obter sofrimento a partir do karma virtuoso.  

• Das não-virtudes advêm todos os sofrimentos e quedas em reinos miseráveis. Das virtudes advêm todas alegrias e renascimentos em reinos auspiciosos. 

• Consequentemente, a felicidade e o sofrimento não ocorrem na ausência de causas, nem surgem de causas incompatíveis, tais como um criador divino ou uma essência primeva. 

 • Pelo contrário, a felicidade e o sofrimento, em geral, advêm do karma virtuoso e não-virtuoso, e cada felicidade e sofrimento particular surgem individualmente, sem mesmo uma mínima confusão dentre as várias instâncias particulares desse tipo de karma.  

• Alcançar certo conhecimento acerca do caráter certo ou não-enganoso do karma e seus efeitos é uma perspectiva correta para todos os budistas e é considerado como o fundamento de toda virtude.  

2. A intensificação do Karma 

• Um efeito de imensa felicidade pode surgir mesmo de um pequeno karma virtuoso. 

 • Um efeito de imenso sofrimento pode surgir mesmo de um pequeno karma não-virtuoso.  

Portanto, a causalidade karmica interna parece envolver uma intensificação que não é encontrada na causalidade externa.  Como um veneno que foi ingerido, a prática de mesmo uma pequena ação não-virtuosa cria em nossas vidas grande medo e pode levar uma queda terrível.

Assim como o grão amadurece numa recompensa, mesmo a criação de um mérito pequeno pode levar a vidas futuras de grande felicidade e será imensamente significativo também.

• É pelo acúmulo de gotas d’água que um grande vazo gradualmente se enche. Da mesma forma um tolo acaba preenchido de não virtude acumulada de pouco em pouco. E assim funcionada com os perseverantes e a virtude.  

• Mesmo que agora ignore tais assuntos, em vidas futuras experienciará os seus efeitos.  

• Aqueles que não treinam em generosidade, shila e daí por diante poderão ter contato com boas linhagens, bons corpos e boa saúde e podem ter grande poder e riqueza enorme, mas não encontrarão a felicidade em vidas futuras.  

• Após ter obtido a certeza de que o karma virtuoso e não virtuoso dão origem à felicidade e ao sofrimento, elimine as não-virtudes e esforce-se em ações virtuosas. Os que não tiverem fé que façam como quiserem. 

3. Não experienciar os efeitos de ações não cometidas  

• Se não tiver acumulado o karma que é a causa para uma experiência de felicidade ou sofrimento, você não experienciará a felicidade ou sofrimento que é o seu efeito.

4. As ações cometidas não perecem (sempre têm efeitos) 

 • Aqueles que cometem ações virtuosas e não-virtuosas criam efeitos agradáveis e desagradáveis. Como dito no Dharma-Raja-Samadhi sutra: “Uma vez cometida uma ação, você experienciará os seus efeitos e não experienciará os efeitos de outros.”

 • As Bases do Vinaya diz: Mesmo numa centena de eras, o Karma não perece. Quando as circunstâncias e o tempo certo chegam, os seres certamente sentem os seus efeitos. 

As Variações do Karma 

  Há três modos de se envolver em condutas boas e ruins – fisicamente, verbalmente e mentalmente. 

• O Buddha, o Bhagavan, resumiu essa doutrina no ensinamento das dez ações não- virtuosas e virtuosas. 

• O Buddha viu que quando se abandona as dez ações não virtuosas, adota-se as ações virtuosas. 

• Se praticar esses três caminhos de ação – guardando a sua fala, restringindo-se mentalmente e não cometendo ações não-virtuosas – você alcançará o caminho ensinado pelo Sábio. 

• Conhecendo os dez caminhos de ações não-virtuosas, restrinja-se até mesmo da motivação de cometê-las. 

• Esta prática é indispensável como a base para todos os três veículos (hinayana, mahayana, vajrayana). 

• Os caminhos das dez ações virtuosas são fontes de nascimentos humanos ou divinos, da iluminação dos realizadores solitários (pratyekabuddhas) e de todas ações dos Bodhisattvas, assim como das qualidades de um Buddha. 

• Não há causas de boas condições ou bom status senão shila (harmonia) 

• Continuamente guarde a sua shila, mantendo um senso de contenção. 

• Há pessoas que não praticam tal contenção mesmo em relação a uma única prática de shila, mas ainda assim dizem: “sou um praticante do Mahayana.” Isso é muito indigno. 

• O Sutra de Ksitigarbha diz: “Por meio desses dez caminhos de virtude, você se tornará um Buddha. Entretanto, há aqueles que, por toda a sua vida, não mantêm minimamente um único caminho de ação virtuosa, mas que dizem coisas tais como: “sou uma praticante Mahayana; busco a iluminação perfeita e insuperável.” Tais pessoas são grandes hipócritas e mentirosas. Eles enganam o mundo na presença de todos os Buddhas e pregam o niilismo. Ao morrer, eles parecem confusos e caem novamente (num renascimento inferior).

As Dez ações não virtuosas:  
1. Matar; 
2. Roubar;
3. Conduta sexual inadequada;
4. Mentir;
5. Discurso divisor/discórdia;
6. Discurso ofensivo/ fala agressiva;
7. Discurso sem sentido/ Tagarelice/ Fofoca;
8. Cobiça/avareza;
9. Malícia/ Desejar o mal;
10. Visões errôneas.

• Cada uma dessas ações pode variar de acordo com o grau de intensidade e o contexto que são realizadas. Por exemplo, sacrificar outros seres em rituais religiosos (animais ou humanos) devido à visão errônea de achar que um criador gerou seres para serem usados, podendo até mesmo sacrificar um arhat ou tentar matar um Buddha constitui um tipo de matar muito mais pesado e danoso que matar por acidente. 

• Causar divisões ou discórdia entre buscadores do Dharma também é uma falta grave. 

• Não é possível superar as não-virtudes sem arrepender-se, confessá-las e comprometer-se a não repetí-las.

 •  Também há variações de peso no caso das ações virtuosas. Dar o Dharma com a intenção de auxiliar os seres sencientes e alcançar o Budado é vastamente superior à doação de coisas materiais. 

• Ao praticar as dez ações virtuosas por meio da compreensão da originação-dependente, o nível de um pratyekabuddha (realizador-solitário) é alcançado. 

• Quando se cultiva as dez ações virtuosas com grande compaixão, métodos habilidosos e aspiração de não abandonar os seres sencientes, focando-se na sabedoria vasta e sublime de um Buddha, alcança-se o nível de um bodhisattva e todas as perfeições. Por essa prática em todas as situações, alcançam-se as qualidades de um Buddha.  

•Ações não virtuosas criam mesmo em renascimentos afortunados efeitos tais como  um tempo de vida curto, muitas doenças e miséria.  

• Entenda que as ações virtuosas e não-virtuosas projetam o nascimento em reinos felizes e em reinos miseráveis, respectivamente.

•O karma consumado (maduro) é aquele por meio do qual se experiencia o desejado e o indesejado.

• Asanga (Abhidharmasamuccaya) fala em quatro tipos de Karma:
1. um único instante de uma ação que  acumula uma semente (tendência/samskara) a se desenvolver numa única vida;
2. uma ação que acumula uma semente a ser desenvolvida em muitas vidas;
3. muitos instantes de uma ação contínua que acumula uma semente para apenas um corpo (uma vida);
4. e muitas ações mutuamente dependentes que acumulam sementes para muitos corpos em uma sucessão de vidas.

• O karma cujo resultado se experiencia definitivamente é aquele conscientemente gerado e acumulado. Karma cujo resultado não necessariamente será experienciado é aquele conscientemente gerado, mas não acumulado. 

• Há uma distinção entre karma gerado e karma acumulado (Yogacarabhumi -Asanga): 

O que é karma gerado? É um pensamento (ação de mente) ou uma ação desempenhada verbalmente (ação de fala) ou fisicamente (ação de corpo). 

• Karma acumulado é aquele que NÃO  se enquadra nestes dez tipos de ações:
1.ações realizadas em sonhos;
2.ações realizadas sem saber (e sem intencionalidade) de que causam danos;
3. Realizadas inconscientemente;
4. feitas sem intensidade ou não-continuamente;
5.feitas por engano;
6. feitas devido ao esquecimento;
7.feitas sem querer;
8. ações eticamente neutras;
9.ações erradicadas por meio do arrependimento;
10. erradicadas por um antídoto.

• Essas ações têm efeitos e consequências, mas não necessariamente se acumulam no continuum mental como samskaras/tendências por não terem a intencionalidade ligada ao poder do apego e da aversão.  

• Karma experienciado após ter renascido é o efeito de ações acumuladas a serem experienciadas na próxima vida após a ação em questão. Karma experienciado em outros períodos é o efeito de ações que amadurecerão durante ou após o terceiro nascimento após a ação em questão.  

• O modo como os muitos karmas virtuosos e não-virtuosos acumulados em seu fluxo mental amadurecem:

• (1) O karma mais intenso amadurecerá primeiro. 
• (2) se a intensidade/peso dos karmas é igual, então, qualquer karma manifesto na hora da morte amadurecerá primeiro. 
• (3) Se também houver equivalência entre os karmas nessa situação, aquele karma com o qual se tornou predominantemente mais habituado amadurecerá primeiro. 
 • (4) Se não houver um karma mais predominante que outro, então, aquele gerado primeiro amadurecerá primeiro.  
• É certo que você alcançará um bom corpo e uma boa mente ao abandonar as dez ações não-virtuosas. Se conseguir gerar as condições para um corpo e uma mente plenamente qualificados, então acelerará o seu cultivo do Dharma como nada mais poderia. Portanto, busque tal estilo de vida.    
• Outras atitudes puras incluem: abandonar o ciúmes, a competitividade, o desprezo quando vê outros praticantes do ensinamento que são superiores, iguais ou inferiores a você, admirando-os.

 • Mesmo que seja incapaz de fazer o que é dito acima, discernir por muitas vezes durante o dia de que deve fazê-lo.

(Seleção e tradução por Bruno Carlucci em junho de 2020).

Referências:

Lamrim ChenMo vol. 1- Tsongkhapa (trad. em inglês -The Great Treatise on the Stages of the Path to Enlightenment - Volume 1). Lamrim ChenMo Translation Comittee.


segunda-feira, 18 de maio de 2020

O que é Teosofia

"A Teosofia é, então, a Sabedoria arcaica, a doutrina esotérica outrora conhecida em todo país antigo que pudesse se reivindicar como civilização. Esta "Sabedoria" mostram-nos os escritos antigos como uma emanação do Princípio divino; e a clara compreensão disto está tipificada em nomes como o Budh indiano, o Nebo babilônico, o Thoth de Memphis, o Hermes da Grécia; nas apelações, também, de algumas deusas -- Metis, Neitha, Athena, a Sophia gnóstica, e, por fim, nos Vedas, da palavra 'saber'." (Blavatsky, A Modern Panarion, p.263).


sexta-feira, 15 de maio de 2020

A Teosofia no século XXI

A Teosofia no Século XXI

Bruno Carlucci 




Num documento para a fundação da Seção Esotérica, hoje publicamente acessível em inglês (e em português) internet afora, Blavatsky, em sua tentativa de abrir uma porta para estudantes mais seriamente comprometidos com os ideais e o estudo da teosofia, esclarece o seguinte:

"Nenhum Mestre de Sabedoria do Oriente aparecerá ou enviará qualquer emissário à Europa ou América após esse período [31 de dezembro de 1899]...até o ano de 1975. Tal é a Lei pois estamos no Kali Yuga   - a Idade Negra - e as limitações deste ciclo, o primeiro cujos 5000 anos terminarão em 1897 são grandes e quase insuperáveis." (Blavatsky em seu memorando preliminar à Seção Esotérica. Trechos de tradução publicada pelo Círculo Blavatsky [CIBLA], Ano 01, 02, 1988). 

Nas cartas dos Mahatmas fica bem claro que Blavatsky era o ponto de contato deles com a Sociedade Teosófica e que após a sua morte, membros da Sociedade Teosófica (ou qualquer outra instituição) não teriam mais as facilidades de acesso a eles que (alguns) tiveram por meio de suas cartas.  

A base do ensinamento a ser disseminado pela Sociedade Teosófica são as obras escritas e editadas sob os auspícios desses Mahatmas. Obras, que embora não sejam perfeitas, pois seus escritores e editores, tais como Blavatsky (a mais avançada dentre eles e o ponto real de conexão dos Mestres com o restante da Sociedade, uma verdadeira Iniciada) não tinham a mesma estatura espiritual deles, ainda assim são o que de mais profundo há nessa literatura. Esta é a base para o pensamento teosófico moderno, os preceitos e princípios que expõem o norte da Religião-Sabedoria, seus ensinamentos fundamentais, as leis fundamentais e a ética necessária para quem aspira à senda gradual que leva à Sabedoria. 

Isso não significa se fechar num dogmatismo que ignora contribuições posteriores e importantes de muitos autores teosóficos que se mantiveram coerentes com a literatura original, nem ignorar tradições anteriores, fundadas por indivíduos de estatura espiritual ainda mais elevada que a da fundadora da Sociedade e citadas por ela e seus Mestres. Pois nunca foi o propósito que a Teosofia se encarcerasse numa igreja, num culto, nem que a Sociedade Teosófica (ou qualquer outro grupo teosófico) se apresentasse como o único caminho possível, mas que servisse de ponte para investigar e auxiliar no estudo das várias tradições que estão ligadas à Religião-Sabedoria. O propósito é que a teosofia seja mais uma vela, dentre outras velas, em meio a um mundo dominado pelas trevas do materialismo.  

Se houve um esforço dos Mahatmas após 1975, provavelmente foi por outros caminhos, em outras roupagens, de acordo com o que a humanidade precisava durante a transição do século XX para o XXI e, também, do que era mais viável e mais adequado para o momento. Porém, isso não anula o bem que o estudo da teosofia e que grupos teosóficos comprometidos com esse estudo ainda possam fazer (e fazem) para as pessoas. 

Aspirar aos degraus da escada de ouro e meditar sobre eles, aliado ao estudo cuidadoso da literatura original e das tradições por ela citadas, é uma boa prática a ser buscada por cada um, seja em sua busca individual ou em grupo, que almeja se conectar com a teosofia. Pois embora instituições, grupos, textos, tradições se percam com os movimentos da história, a Religião-Sabedoria é sempre a mesma e suas regras e preceitos nunca mudam: 

 1. Vida limpa.
 2. Mente aberta.
 3. Coração puro.
 4. Intelecto ardente.
 5. Clara percepção espiritual.
 6. Afeto fraternal para com todos.
 7. Presteza para dar e receber conselho e instrução.
 8. Leal senso de dever para com o instrutor. 
 9. Pronta obediência aos preceitos da Verdade.
10. Corajoso suportar das injustiças pessoais.
11. Destemida declaração de princípios. 
12. Valente defesa daqueles que são injustamente atacados.
13. Mira constante no ideal de progresso e perfeição humanos. 

(Tradução de A Escada de Ouro publicada pelo Círculo Blavatsky [CIBLA], Ano 01, 02, 1988). 


quinta-feira, 14 de maio de 2020

Plotino e as Proposições Fundamentais de “A Doutrina Secreta”

Plotino e as Proposições Fundamentais de “A Doutrina Secreta”


Rafael Nascimento*


TheoSophia

A Filosofia Esotérica não se caracteriza por ser velha! Ela não é um corpo de conhecimento inerte, caído em desuso, capaz de encontrar ressonância apenas nas mentes arcaicas ou lunáticas. Pelo contrário. A TheoSophia consiste em um sistema capaz de transformar nossa percepção embotada da realidade ordinária, expandindo nossa consciência, nos direcionando com segurança em uma caminhada que tem por objetivo a percepção da Verdade em todos os seus níveis. Ela se mantém atual, pois lança luz nos problemas mais urgentes e profundos do planeta: egoísmo, ganância, segregacionismo, dores e sofrimentos de todos os tipos, frutos da grande ignorância que assola a pobre e órfã humanidade. Mesmo assim ela não deixa de ser antiga, pois existe desde os primórdios do mundo, consistindo no próprio sistema de leis naturais (Gupta Vidya) que trouxeram nosso universo à manifestação. Um conjunto de Sábios, os grandes Magos, Mestres e Gurus de todas as eras, versados nesta filosofia, ensinam sua Doutrina Secreta aos que se encontram preparados. Por isso, disse Blavatsky: “Tais verdades não são, de modo algum, expostas com caráter de revelação; nem a autora tem a pretensão de se fazer passar por uma reveladora de conhecimentos místicos que fossem agora trazidos à luz pela primeira vez na história. A matéria contida nesta obra pode-se encontrar esparsa nos milhares de volumes que encerram as Escrituras das grandes religiões asiáticas e das primitivas religiões europeias – oculta sob hieróglifos e símbolos, e até então despercebida por causa desse véu.” (A Doutrina Secreta Vol. I) 

Dois autores e uma Verdade

Helena Petrovna Blavatsky nasceu em 12 de agosto de 1831 em Dnepropetrovsk, Ucrânia, e morreu no dia 8 de maio em Londres, na sede europeia da Sociedade Teosófica, situada na Avenue Road, número 19.

Helena casou-se, em 1849, com Nikifor Blavatsky, de quem herdou seu conhecido sobrenome, mas pouco tempo depois deixou seu marido e viajou pela Turquia, Grécia, Egito e França. Em 1951, encontrou seu Mestre em Londres, fato que mudaria drasticamente os rumos de sua vida. Andou pelo mundo e em meados da década de 1860, enquanto viajava entre tribos nativas do Cáucaso, enfrentou graves crises físicas e psíquicas, adquirindo controle completo sobre seus poderes ocultos, manifestados desde a infância.

Em 1868, partiu para o Tibet com seu Mestre. Anos mais tarde, em 1873, desembarcou em Nova York. Conheceu Henry Steel Olcott em 1874 e, em 1875, fundou a Sociedade Teosófica no dia 8 de setembro com Olcott, William Q. Judge e outros. Cel. Olcott fez o discurso inaugural em 17 de novembro. Em 19 de dezembro de 1882, transferiu a sede da Sociedade Teosófica de Nova York para Adyar, Madras (atual Chennai), na Índia, fixando assim a sede internacional da S.T.

Suas principais obras são “Isis sem Véu” (1877), “A Doutrina Secreta” (1888), “A Chave para a Teosofia” (1889) e “A Voz do Silêncio” (1889). Lançou sua primeira revista, “The Theosophist”, em 1879 e sua segunda, “Lucifer”, em 1887. 

Devemos a Blavatsky, figura extraordinária e devotada trabalhadora, a eclosão do movimento teosófico moderno do ponto de vista externo.

Plotino viveu de 205 a 270 d. C., nasceu em Licópolis, no Egito, e morreu em Roma. Pouco se sabe sobre sua vida. Seu discípulo, Porfírio, que também trabalhou como seu editor e biógrafo, conta que o “pai do neoplatonismo” nunca quisera que soubessem o local exato de seu nascimento, a data e sua filiação. Alguns autores afirmam que seus pais eram egípcios helenizados; outros, que eram romanos, mas devido aos pouquíssimos dados biográficos, estas são afirmações incertas. Plotino se negava a ter sua imagem retratada ou esculpida, porém outro de seus discípulos levou até ele, sem que ele soubesse, o maior retratista da época que em seguida desenhou-o de memória.

Aos 28 anos, Plotino mudou-se para Alexandria, maior centro cultural, filosófico e religioso da época, para que pudesse estudar. Despois de escutar vários expositores sem encontrar o que desejava, decepcionado, foi apresentado a Amônio Sacas (175-242 d.C.), historicamente o criador do vocábulo “TheoSophia”, e encantado com as exposições de seu futuro mestre, exclamou, segundo dizem: “Eis o homem que eu procurava”. Desde então, sucederam 11 anos de discipulado fiel até a morte de seu mestre, Amônio Sacas, que não deixou textos escritos e cujos discípulos comprometeram-se a não divulgar seus ensinamentos abertamente para que não fossem profanados. 

Com a morte de Amônio Sacas, Plotino, com 39 anos, decide juntar-se ao exército do imperador romano Górdio III, que partia em direção ao Oriente para combater os avanços do Rei persa Sapor I na Mesopotâmia. Sua intenção era entrar em contato direto com a sabedoria persa e hindu, pelas quais nutria profunda admiração, provavelmente infundida por Amônio.

Plotino começou a escrever aos 49 anos, após vinte anos de estudo e ensino de filosofia. Deixou 54 tratados que foram agrupados e editados por Porfírio em seis capítulos, compostos de nove tratados cada, intitulados, assim, de “Enéadas”.

A Sabedoria Antiga, resgatada e divulgada para o ocidente nos tempos modernos por H.P.B., foi chamada por ela de TheoSophia, ou Teosofia. Sendo assim, é clara a referência à escola de Amônio Sacas, na qual Plotino era um dos grandes discípulos iniciados. Dois autores, épocas distintas, uma só Verdade!

As Três Proposições Fundamentais
Blavatsky afirma no magistral proêmio que antecede as “Estâncias do Livro Secreto de Dzyan”, no Vol. I de “A Doutrina Secreta”, que antes que o leitor tome conhecimento das Estâncias, é de fundamental importância que ele apreenda três conceitos fundamentais “que informam e interpenetram todo o sistema de pensamento para o qual sua atenção vai ser dirigida”:

I.        Um Princípio Onipresente, Sem limites e Imutável, sobre o qual toda especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo. Está além do horizonte e do alcance do pensamento, ou, segundo as palavras do Mândûkya, é “inconcebível e inefável”. (...)

II.        A Eternidade do Universo in toto como plano sem limites; periodicamente “cenário de Universos inumeráveis, manifestando-se e desaparecendo constantemente”, chamados “as Estrelas que se manifestam” e “as Centelhas da Eternidade”. “A Eternidade do Peregrino” é como um abrir e fechar de olhos da Existência-por-si-mesma, segundo o Livro de Dzyan. “O aparecimento e o desaparecimento de Mundos são como o fluxo e o refluxo periódico das marés.” (...)

III.        A identidade fundamental de todas as Almas com a Alma Suprema Universal, sendo esta última um aspecto da Raiz Desconhecida; e a peregrinação obrigatória para todas as Almas, centelhas daquela Alma Suprema, através do Ciclo de encarnação ou de Necessidade, durante todo esse período. (...) (Vol. I)

A relação entre as Proposições e os ensinamentos de Plotino

Plotino ensinou sobre coisas diversas: o belo, a dialética, a origem dos seres. Entretanto, toda sua obra é norteada pelo conceito fundamental da Unidade Suprema de todas as coisas, ou o Uno, sendo simples e princípio que transcende a dualidade e todos os números, como a origem comum do que é múltiplo em manifestação: “O número, a quantidade, não é o primeiro (princípio). Evidentemente, antes da dualidade está a Unidade” (Plotino – As três Hipóstases Iniciais).

Como Platão, Plotino sustentava que o mundo das formas tinha sua origem no plano das Ideias, o númeno antecede o fenômeno, e que todas as formas materiais são moldadas a partir de uma Forma Ideal (Plano das Ideias). “Quando percebemos nos corpos uma Forma Ideal (eidos) que molda e domina a matéria informe – contrária à Forma Ideal – como uma Forma Ideal que se destaca e subordina as outras formas, apreendemos num único olhar a unidade que emerge da multiplicidade , a remetemos à unidade interior e indivisível, e entre ambas há concórdia e comunhão” (Sobre o Belo). 

Mas Plotino, em seu tratado Sobre a descida da Alma nos corpos, diz que “Tem de haver algo além da Unidade. Do contrário, todas as coisas teriam permanecido potenciais, desprovidas de forma. (...) Essa força não pode ser detida ou circunscrita por um ato de auto-apropriação (...)”, ou como propôs H.P.B., há “Um Princípio Onipresente, Sem limites e Imutável, sobre o qual toda especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo” – é a Raiz sem raiz de todas as coisas.

A segunda Proposição nos ensina a eternidade do Universo em essência, mas que sua manifestação é periódica como o fluxo das marés, manvantara e pralaya, atividade e dissolução. Analogamente, Plotino diz que “se alguém admira este mundo perceptível, observando sua dimensão, sua beleza, a ordem de seu incessante curso, os deuses que há nele – alguns dos quais são visíveis e outros invisíveis -, os espíritos e todos os animais e plantas, então que se eleve ao arquetípico dele (deste mundo perceptível), a uma realidade ainda mais verdadeira, e ali veja todas essas coisas de maneira inteligível e eterna, com sua própria consciência e vida (...). No entanto, também temos que incluir o Movimento e o Repouso. O movimento provém da alteridade do ato intelectual; e o repouso provém de sua identidade: para que possa haver o pensador e o pensamento; pois se a alteridade for excluída, haverá apenas o Uno e Silêncio”. (As Três Hipóstases Iniciais).

Por fim, como é dito na terceira Proposição Fundamental de A Doutrina Secreta, há uma profunda identidade entre nossas almas individuais e a Suprema Alma Universal. Plotino vê na contemplação do belo, a beleza da alma, um instrumento de elevação, já que o belo tem sua origem no Uno. “Caminhemos então em direção à origem e indiquemos o princípio que concede beleza às coisas materiais. Sem dúvida esse princípio existe. É algo perceptível ao primeiro olhar, algo que a alma reconhece a partir de um antigo conhecimento e, ao reconhecê-lo, acolhe-o e entra em ressonância com ele. (...) Então, precisamos subir de novo em direção ao Bem, para o qual tende o desejo de todas as Almas” (Sobre o Belo)

E a peregrinação obrigatória para todas as Almas, centelhas daquela Alma Suprema, através do Ciclo de encarnação ou de Necessidade? “Devemos recorrer ao divino Platão, que em muitas passagens de seus diálogos disse muitas coisas a respeito da alma (psykhé) e de sua descida no corpo (...). Diz que a Alma está acorrentada e sepultada nele (o corpo), qualificando como uma grande verdade a doutrina exposta nos mistérios de que aqui a Alma está numa prisão. Ademais, a meu ver, a caverna para ele, assim como o antro para Empédocles, significam este mundo (sensível), pois Platão interpreta a libertação das cadeias e a subida para fora da caverna como a jornada da Alma em direção ao Mundo Inteligível” (Plotino – Sobre a descida das Almas nos corpos).

Concluímos que a Teosofia, como afirmamos anteriormente e pudemos, mesmo que de modo breve e sucinto explanar, é atemporal, embora antiga como a história da humanidade e da formação dos globos de nossa cadeia planetária. Grandes instrutores guardam estes ensinamentos, que constituem o germe de toda filosofia e corrente de pensamento. Ensinam de tempos em tempos para que nossas almas recordem sua origem, e como afirmou “a glória da filosofia antiga”, Plotino, “advém daí que as almas individuais têm um desejo intelectivo de retornar ao princípio de que provieram”. 

Muitos séculos depois, Helena Blavatsky trabalhou intensamente por nos inspirar, para que nossas almas se tornem desejosas pelo retorno, concluindo o ciclo da Necessidade.

“O Mundo Arquetípico é a verdadeira Idade de Ouro” - Plotino

*Rafael Nascimento é membro da Sociedade Teosófica no Brasil, atua na Loja Unicidade em Cataguases (MG). 

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A Teoria dos Ciclos

A Teoria dos Ciclos 

H.P. Blavatsky 



Já faz algum tempo que essa Teoria dos Ciclos, - exposta originalmente pela mais antiga de todas as religiões, a religião Védica, posteriormente ensinada por diversos filósofos gregos e mais tarde defendida pelos teósofos da Idade Média, mas logo negada categoricamente pelos ‘sábios’ do Ocidente, como ocorre a todas as coisas neste mundo de contradições, - foi gradualmente ganhando destaque novamente. E desta vez, contrariamente à regra geral, foram os próprios cientistas que se encarregaram de fazê-lo.

Estatísticas de eventos da mais variada natureza vêm sendo preparadas com a seriedade exigida pelos grandes problemas científicos. São estatísticas de guerras – e de períodos (ou ciclos) que marcam o aparecimento dos grandes homens – pelo menos daqueles reconhecidos como tais pelos seus contemporâneos, independentemente das opiniões posteriores; estatísticas sobre períodos que registram o desenvolvimento e o progresso dos grandes centros comerciais; da ascensão e queda das artes e ciências; dos cataclismos, como terremotos e epidemias; das épocas de frio ou calor extraordinários; dos ciclos de revoluções, do nascimento e queda de impérios; hoje, todas essas coisas estão sujeitas à análise dos cálculos matemáticos os mais rigorosos. Finalmente, até o significado oculto dos números contidos nos nomes de pessoas e cidades em acontecimentos e assuntos semelhantes, recebem uma atenção especial.

Se, de um lado, grande parte do público letrado volta-se para o ateísmo e o ceticismo, do outro, encontramos uma inegável corrente de misticismo, que vai abrindo caminho pelo terreno da ciência. É a prova da irreprimível necessidade que a humanidade experimenta quando procura convencer-se da existência de um Poder Supremo, que paira sobre a matéria; uma lei oculta e misteriosa que governa o mundo, e que melhor faríamos se a estudássemos e a observássemos cuidadosamente, tentando nos adaptar a ela, ao invés de negá-la cegamente e quebrar nossas cabeças contra a rocha do destino. 

Mais de uma mente inteligente, enquanto estudava a fortuna e os reveses das nações e dos grandes impérios, tem se sentido impressionada pela incidência de fatos idênticos registrados na história dessas nações e impérios, ou seja, a inevitável repetição na vida dessas nações e impérios dos mesmos acontecimentos e após um mesmo período de tempo. Essa analogia é encontrada em fatos que são substancialmente os mesmos, embora possa existir uma maior ou menor diferença nos seus detalhes externos.

Assim, a crença dos antigos astrólogos, adivinhos e profetas, pode muito bem ter sido confirmada pela verificação da maioria das suas mais importantes predições, sem que essas previsões de acontecimentos futuros implicassem na necessidade da existência de alguma coisa realmente milagrosa de sua parte. Adivinhos e augures, que nas velhas civilizações ocupavam as mesmas posições hoje mantidas pelos nossos historiadores, astrônomos e meteorologistas, não oferecem nada de mais extraordinário no fato de terem predito a queda de um império ou a perda de uma batalha, do que os nossos cientistas ao predizerem a volta de um cometa, uma modificação da temperatura ou, talvez, a conquista definitiva do Afeganistão.

Afora a necessidade dessas classes de serem observadores argutos, existia também a exigência do estudo de determinadas ciências, tanto naquelas recuadas épocas como hoje. 

Daqui a milhares de anos a ciência moderna terá se transformado numa ciência “antiga”. Hoje, o estudo das ciências, livre e aberto, está ao alcance de todos, enquanto que no passado estava confinado a poucos. No entanto, antigas ou modernas, ambas podem ser chamadas de ciências exatas, porque, se o astrônomo de hoje tira suas observações a partir de cálculos matemáticos, o astrólogo do passado baseava suas predições nas observações não menos cuidadosas e matematicamente corretas dos ciclos periódicos. E porque o segredo dessa ciência foi perdido, isso seria suficiente para garantir o direito de afirmar que ela jamais existiu? Ou que, aceitando a sua validade, o homem é obrigado a aceitar e a acreditar também em “magia”, “milagres”, e coisas tais? 

“Se, levando-se em conta as culminâncias a que chegou a ciência moderna, a pretensão de poder prever os acontecimentos futuros deva ser encarada como brincadeira de crianças ou como uma deliberada decepção”, - afirma um articulista do Novoye Vremya, o melhor jornal literário e político de São Petersburgo, - “então podemos apontar para a ciência que, por sua vez, trouxe novamente à baila o problema nas suas relações com os acontecimentos passados, exista ou não certa periodicidade na sua repetição; em outras palavras, se tais acontecimentos ocorrem após determinado período de anos a cada nação, e se existe uma periodicidade, esta pode ser devida a um mero acaso ou depende das mesmas leis naturais das quais também dependem, mais ou menos, muitos dos fenômenos da vida humana.” Sem dúvida, o último. 

E o escritor tem a melhor prova matemática do que diz, com o oportuno lançamento de novas obras, como a do Dr. E. Zasse, além de outras. Diversas obras eruditas que tratam desse assunto místico surgiram anteriormente, e de algumas delas e de respectivos cálculos trataremos a seguir; são obras saídas da pena de eminentes eruditos. 

Tendo anunciado no número de junho do The Theosophist o artigo de autoria do Dr. Blochivtz, “Sobre o significado do número sete” com todas as nações e todos os povos – publicado recentemente no jornal alemão Die Gegenwart – vamos agora sumarizar as opiniões da imprensa em geral sobre uma obra mais sugestiva de autoria do conhecido alemão, E. Zasse, contendo algumas de nossas reflexões. Essa obra acaba de ser publicada no Prussian Jorunal of Statistics, e corrobora vigorosamente a antiga Teoria dos Ciclos.

Esses períodos que provocam acontecimentos que sempre se repetem, começam partindo de uma rotação infinitamente pequena – de 10 anos, digamos – para alcançar depois outros ciclos que exigem 250, 500, 700 e 1000 anos, para efetuar sua revolução em torno de si mesmos, e dentro de um outro. Todos, porém, estão contidos na Maha-Yuga, a “Grande Idade”, ou ciclo dos cálculos do Manu, que por sua vez se desenrola entre duas eternidades – os Pralayas, ou Noites de Brâhma. Assim como no mundo objetivo da matéria, ou sistema de efeitos, as constelações menores e os planetas gravitam isoladamente e em conjunto em torno do Sol, da mesma maneira no mundo subjetivo, ou sistema de causas, todos esses inumeráveis ciclos gravitam entre aquilo que o intelecto finito do mortal comum encara como eternidade e que a ainda finita, porém mais profunda intuição do sábio e do filósofo vê como uma eternidade na ETERNIDADE. “Assim como é em cima, é embaixo”, ensina a velha máxima hermética.

Como uma experiência nessa direção, o Dr. Zasse escolheu as investigações estatísticas de todas as guerras, cuja ocorrência foi registrada pela História como um assunto que, mais que qualquer outro, permite mais facilmente uma verificação científica. Para ilustrar sua opinião do modo mais simples e compreensível, o Dr. Zasse apresenta os períodos de guerra e os períodos de paz, sob a forma de pequenas e grandes linhas sinuosas que correm sobre a área do Velho Mundo. A ideia não é nova, uma vez que essa imagem foi usada para ilustrações idênticas por mais de um místico antigo e medieval, tanto em palavras como em desenho – como, por exemplo, por Henry Khunrath. Mas serve perfeitamente ao seu objetivo e fornece-nos os fatos que desejamos. Entretanto, antes de tratar dos ciclos de guerras, o autor registra a ascensão e queda dos grandes impérios mundiais e mostra o grau de atividade que os mesmos desempenharam na História Universal. Ademais, acentua o fato de que se dividirmos o mapa do Velho Mundo em seis partes – Ásia Oriental, Central e Ocidental, Europa Oriental e Ocidental, e Egito – verificaremos facilmente que a cada 250 anos uma enorme vaga passa sobre essas áreas, provocando em cada uma, por sua vez, os mesmos acontecimentos que a precedente provocou.  Podemos chamar a essa vaga de “a vaga histórica” do ciclo de 250 anos. Agora, que o leitor acompanhe este místico número de anos.

A primeira dessas vagas teve início na China, 2000 anos antes da nossa era – durante a “idade de ouro” desse Império, a idade da filosofia, das descobertas e reformas.

Em 1750 a.C., os mongóis da Ásia Central fundaram um poderoso império. Em 1500, o Egito ergue-se de sua degradação temporária e lança-se sobre várias partes da Europa e da Ásia; e, por volta de 1250, a vaga histórica alcança e atravessa a Europa Oriental, transmitindo-lhe o espírito da expedição dos Argonautas, para desaparecer no ano 1000, por ocasião do cerco de Troia. 

Uma segunda vaga histórica surge mais ou menos na mesma ocasião na Ásia Central. Os citas abandonam suas estepes e inundam, por volta do ano 750 a.C., os países vizinhos, avançando para o Sul e o Ocidente. No ano 500 a.C. começa na Ásia Ocidental uma época de esplendor para a antiga Pérsia; e a Grécia atinge a culminância de sua cultura e civilização e avança mais para o Ocidente, onde, por ocasião do nascimento de Cristo, o Império Romano está no apogeu do seu poder e da sua grandeza.

Mais uma vez, nesse mesmo período, vamos encontrar o aparecimento de uma terceira vaga histórica no Extremo Oriente. Nessa ocasião, após prolongadas revoluções, a China funda novamente um poderoso império, registrando-se novo florescimento das artes, ciências e comércio. Então, passados 250 anos, encontramos os hunos saídos do interior da Ásia Central, no ano 500 d.C. renasce um novo e poderoso Império Persa; em 750 d.C. – na Europa Oriental – surge o Império Bizantino; e no ano 1000 – no ocidente europeu – aparece a segunda potência romana, o Império do Papado, que logo depois alcança um desenvolvimento extraordinário no tocante às suas riquezas e ao seu esplendor.

Ao mesmo tempo, a quarta vaga se aproxima, vinda o Oriente. A China floresce novamente; em 1250, a vaga mongólica invade e cobre enorme área de terra, inclusiva a Rússia. Por volta de 1500, na Ásia Ocidental, o Império Otamano ergue-se com toda sua força e conquista a península dos Balcãs; simultaneamente, porém, a Rússia liberta-se do jugo tártaro, e em 1750, durante o reinado de Catarina, a Grande, expande-se numa grandeza extraordinária e cobre-se de glória. A vaga avança incessantemente mais para o Ocidente, e a partir de meados do século passado [dezoito], a Europa passa a viver uma época de revoluções e reformas e, segundo o autor (o Dr. Zasse). “Se é permitido profetizar, nesse caso, por volta do ano 2000 a Europa Ocidental terá vivido um desses períodos de cultura e progresso tão raros na História”. (grifo extra)

A imprensa russa, aceitando a deixa, acredita que “por essa época, a Questão Oriental será finalmente resolvida, as dissensões nacionais dos povos europeus chegarão ao fim, e o alvorecer do novo milênio será testemunha da abolição dos exércitos e de uma aliança entre todos os impérios europeus.” Os sinais de regeneração multiplicam-se também no Japão e na China, como que acentuando a aproximação de uma nova vaga histórica no Extremo Oriente.

Se, do ciclo de dois séculos e meio de duração, descemos àqueles que deixam suas marcas a cada século, e reunindo os acontecimentos da História antiga, podemos marcar o nascimento e a ascensão de impérios; nesse caso, é possível verificar que desde o ano 700 a.C., as vagas centenárias não cessam de avançar, levando às culminâncias do próprio fastígio – e cada uma por sua vez – as seguintes nações e povos: assírios, babilônios, persas, gregos, macedônios, cartagineses, romanos e germânicos.

A impressionante periodicidade das guerras na Europa é também registrada pelo Dr. Zasse. A partir do ano 1700 d.C., cada período de dez anos vem sendo assinalado ou por uma guerra ou por uma revolução. Os períodos de fortalecimento e enfraquecimento do espírito guerreiro das nações europeias e uma vaga impressionantemente regular na sua periodicidade, aumentando incessantemente, como se impelida por alguma lei invisível e fixa. Essa mesma lei misteriosa parece fazer com que esses acontecimentos coincidam com a vaga astronômica ou ciclo, que, a cada nova revolução, é acompanhada pelo aparecimento, perfeitamente visível, de manchas solares. Os períodos durante os quais as potências europeias exibiram a mais destruidora energia são assinalados por um ciclo de 50 anos de duração. Seria demasiadamente longo e fastidioso enumerá-los a partir do início da História. Entretanto, podemos limitar nosso estudo ao ciclo que começou em 1712, quando todas as nações europeias lutavam ao mesmo tempo – as guerras do Norte, as guerras contra os turcos, e a guerra pelo trono da Espanha. Por volta de 1761, ocorreu a “Guerra dos Sete Anos”; em 1810, tivemos as guerras napoleônicas. Em 1861, a vaga apresentou uma ligeira alteração no seu curso regular, mas, como que para compensar esse enfraquecimento, ou, talvez, impelida por uma força inusitada, os anos imediatamente anteriores, da mesma forma que os subsequentes, deixaram na História o registro da mais feroz e sanguinolenta das guerras – a da Crimeia – no período que se seguiu àquele enfraquecimento, e a Revolução Americana, no período anterior. 

A periodicidade das guerras travadas entre a Rússia e a Turquia parece particularmente impressionante e representa uma vaga muito característica. Inicialmente, os intervalos entre os ciclos, que retornam sobre si mesmos, são de trinta anos de duração: 1710, 1740, 1770; depois, os intervalos diminuem e temos então um ciclo de vinte anos: 1790, 1810, 1829/30; em seguida, aumentam novamente: 1853 e 1878. Mas, anotando a duração total da maré do ciclo guerreiro, teremos no seu centro – de  1768 a 1812 – três guerras que se prolongaram por seis anos cada uma e, quando terminaram, outras guerras de dois anos.

Finalmente, o autor chega à conclusão que, diante dos fatos, torna-se praticamente impossível negar a presença de uma periodicidade regular no excitamento das forças físicas e mentais das nações do mundo. Ele prova que na história de todos os povos e impérios do Velho Mundo, os ciclos que assinalam os milênios e os séculos, da mesma forma que os menores, os de 50 e 10 anos de duração, são os mais importantes, uma vez que nenhum deles jamais deixou de trazer em seu rastro um acontecimento mais ou menos marcante na história da nação assolada por essas vagas históricas.

De todas as histórias, a da Índia é a mais confusa e a menos satisfatória. No entanto, se seus grandes acontecimentos consecutivos forem registrados e seus anais estudados, a lei dos ciclos poderia ser assinalada de maneira tão cabal como em qualquer outro país no que diz respeito às guerras, fomes, revoluções políticas e outros problemas.

Na França, um meteorologista de Paris deu-se o trabalho de compilar as estatísticas das estações mais frias e descobriu, ao mesmo tempo, que os anos que trazem o número 9 foram marcados pelos invernos mais rigorosos.

Suas anotações são as seguintes: em 859 d.C., a zona norte do Adriático ficou congelada e coberta de gelo pelo espaço de três meses. Em 1179, nas zonas mais moderadas, a Terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura. Em 1209, na França, a espessura da camada de neve e o frio rigoroso provocaram tal escassez de forragem que o gado morreu em todo o país. Em 1249, o Báltico, entre a Rússia, a Noruega e a Suécia, permaneceu congelado por vários meses e as comunicações só eram possíveis por meio de trenós. Em 1339, registrou-se um inverno tão rigoroso na Inglaterra que grande número de pessoas morreu de fome e por congelamento. Em 1409, o Danúbio ficou totalmente gelado desde as nascentes até a desembocadura, no Mar Negro. Em 1469, todos os vinhedos e pomares pereceram em consequência da geada. Em 1609, na França, Suíça e na Alta Itália, as pessoas precisavam serrar o pão e as demais provisões antes de poderem usá-los. Em 1639, o porto de Marselha ficou na sua maior parte coberto pela neve. Em 1659, todos os rios da Itália ficaram congelados. Em 1699, o inverno na França e na Itália foi o mais severo e o mais longo de todos. Os preços dos mantimentos sofreram tamanha alta que metade da população morreu de fome. Em 1709, o inverno não foi menos terrível. A terra ficou coberta por uma camada de neve de vários pés de espessura na França, Itália e Suíça, e o mar, tanto ao sul como ao norte, igualmente congelado e coberto por uma grossa crosta de gelo de muitos pés e por muitas milhas ao largo, já em alto mar. Manadas de animais selvagens que o frio escorraçou dos seus covis nas florestas procuravam refúgio nas aldeias e até mesmo nas cidades; e os pássaros morriam aos milhares. Em 1729, 1749 e 1769 (ciclos de 20 anos de duração), todos os rios e riachos ficaram durante várias semanas cobertos de neve em toda a França, e pereceram todas as árvores frutíferas.

Em 1789, a França foi novamente visitada por um rigoroso inverno. Em Paris, termômetros registraram por muito tempo 19 graus negativos. Entretanto, o mais severo de todos os invernos foi o de 1829. Durante cinquenta e quatro dias consecutivos todas as estradas da França permaneceram cobertas por uma capa de neve de vários pés de espessura, e todos os rios congelaram. Naquele ano, a fome a miséria atingiram o auge em todo o país. Em 1839, registrou-se novamente na França outro inverno particularmente severo. 

E agora, este ano de 1879 reafirmou seus direitos estatísticos e provou ser verdadeira a influência fatal do número 9. Os meteorologistas de outros países são convidados a seguir o exemplo do seu colega francês, e a realizar suas próprias investigações, pois o problema é certamente dos mais fascinantes e do tipo mais instrutivo.

Mas já foi dito o suficiente para provar que nem as ideias de Pitágoras sobre a misteriosa influência dos números, nem as teorias das antigas religiões e filosofias são tão inócuas e inverídicas quanto algumas que certos livre pensadores demasiadamente avançados gostariam de ver o mundo aceitar.

Artigo publicado em The Theosophist, Vol I, nº 10, de julho, 1880.
Transcrito nos Collected Writings, Vol. II.
Tradução de M. P. Moreira Filho.