sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Rei Thevetat da Atlântida

O Rei Thevetat da Atlântida

David Reigle

Representação imaginária da Atlântida, por Sir Gerald Hargreaves


A impressionante história do Rei Thevetat da Atlântida é apresentada por H.P.Blavatsky em seu livro de 1877, Ísis sem Véu. Embora esse rei fosse a fonte de todo o “mal” que tornou o seu povo “perverso”, eles não eram perversos devido a uma intenção maligna. Eles, e o rei, eram simplesmente naturalmente aptos à vidência e à magia e não tinham as restrições ou controle que a influência de um treinamento sistemático lhes teria proporcionado. Aqui está a história (vol. 1, pp. 589-594):

“Diz a tradição, e os registros do Grande Livro explicam, que muito antes dos dias de Ad-am, e sua esposa questionadora, He-va, onde agora se encontram apenas lagos salgados e desertos estéreis e desolados, havia um vasto mar no interior desse território, que se estendia pela Ásia Central, ao norte das orgulhosas cadeias do Himalaia e o seu prolongamento ocidental. Uma ilha, cuja beleza sem paralelos conhecera nenhum rival no mundo, habitada pelos últimos remanescentes da raça que precedeu a nossa. Tal raça era capaz de viver com igual facilidade na água, no ar, ou no fogo, pois tinha um controle ilimitado sobre os elementos. Estes eram os “Filhos de Deus”; não aqueles que viram as filhas dos homens, mas os reais Elohim, embora tenham um nome diferente na Kaballah oriental. Foram eles que deram aos homens os segredos mais recônditos da Natureza e revelaram-lhes a “palavra” inefável, agora perdida. Essa palavra, que não é uma palavra, viajou uma vez por todo o globo, e ainda permanece como um eco longínquo e moribundo nos corações de alguns homens privilegiados. Os hierofantes de todos os Colégios Sacerdotais tinham ciência da existência dessa ilha, mas a “palavra” foi conhecida apenas ao Yava Aleim, ou o senhor e diretor de todos os colégios, e foi passada ao seu sucessor somente no momento de sua morte. Havia muitos desses colégios, e os antigos autores clássicos falam deles."

.........

“Não havia comunicação com a bela ilha pelo mar, mas passagens subterrâneas, conhecidas apenas aos diretores, ligavam a ilha a todas as direções. A Tradição aponta que muitas das ruínas majestosas da Índia, Ellora, Elephanta, e as cavernas de Ajanta (Cadeias de Chandor) uma vez pertenceram a esses colégios e se conectavam com eles por meio de passagens subterrâneas. Quem pode afirmar que os antigos Atlantes – o que também é mencionado no Livro Secreto, mas, novamente, sob outro nome, pronunciado na língua sagrada—não existiam ainda nesses dias? O grande continente perdido pode ter, possivelmente, se situado ao sul da Ásia, se estendendo da Índia à Tasmânia. Se a hipótese agora tão questionada, e positivamente negada por alguns estudiosos que a veem como uma piada de Platão, for algum dia atestada, então, talvez os cientistas acreditem que o continente habitado por deuses foi mais do que uma simples fábula. Conseguirão, então, perceber que Platão resguardou indícios e que o fato de atribuir a narrativa a Sólon e aos sacerdotes egípcios foi uma maneira prudente de apresentar o fato ao mundo, inteligentemente combinando verdade e ficção, de modo a se desconectar dessa história uma vez que as obrigações impostas pela iniciação o proibiam de divulgar." 

........

 “A fim de continuar a tradição, temos de acrescentar que a classe de hierofantes foi dividida entre duas categorias distintas: aqueles que foram instruídos pelos “Filhos de Deus” sobre a ilha, e que foram iniciados na doutrina divina da revelação pura, e aqueles que habitaram a Atlântida perdida — se assim devemos nomeá-la — e que, pertencendo a uma outra raça, nasceram com uma visão que abarcava todas as coisas ocultas, que não dependia nem da distância, nem de obstáculos materiais. Em suma, eles constituíam a quarta raça de homens mencionadas no Popol-Vuh, cuja vista era ilimitada e que conhecia todas as coisas de uma vez. Eles eram, talvez, o que hoje chamaríamos de “médiuns de nascimento”, que não se esforçavam, nem sofriam para obter o seu conhecimento, nem o obtiveram sob o preço de qualquer sacrifício. Portanto, embora os primeiros trilhassem a senda de seus instrutores divinos, alcançando o conhecimento por diferentes graus, aprendendo, ao mesmo tempo, a discernir o mal do bem, os que já eram nascidos adeptos da Atlântida cegamente seguiam as insinuações do grande “Dragão” invisível, o Rei Thevetat (A Serpente do Gênesis?). Thevetat não aprendera, nem adquirira conhecimento, mas, utilizando-nos de uma expressão do Dr. Wilder em relação à Serpente tentadora, ele era “um tipo de Sócrates que sabia sem ter sido iniciado.” Portanto, sob as insinuações maléficas de seu demônio, Thevetat, a raça atlante se tornou uma nação de magos pervertidos. Como consequência disso, a guerra foi declarada, uma história que seria muito longa para ser narrada [1]; a sua substância pode ser encontrada nas alegorias desfiguradas da raça de Caim, dos gigantes, e de Noé e sua família virtuosa. O conflito chegou ao fim com o afundamento da Atlântida, que encontra a sua imitação nas histórias do dilúvio mosaico e babilônico: Os gigantes e magos “. . . e toda carne morreu . . . e todos os homens.” Tudo exceto Xisuthrus e Noé, que são substancialmente idênticos ao grande Pai dos Thlinkithians no Popol-Vuh, ou o livro sagrado do povo da Guatemala, que também conta de sua fuga em um grande navio, assim como o Noé hindu—Vaivasvata." 

“Se dermos algum crédito à tradição, temos de considerar o decorrer da história em que a partir do casamento da progênie dos hierofantes da ilha e dos descendentes do Noé atlante, surgiu uma raça misturada de virtuosos e perversos. De um lado o mundo tinha os seus Enoques, Moisés, Gautamas-Buddhas, seus numerosos “Salvadores” e grandes hierofantes; de outro lado, os seus “magos naturais” que, por falta do poder restritivo da iluminação espiritual e devido à fraqueza de sua organização física e mental, perverteram sem intenção os seus dons para propósitos maléficos. Moisés não demonstrava repreensão em relação aos adeptos da profecia e outros poderes que foram instruídos nos colégios da sabedoria esotérica mencionados na Bíblia. As suas denúncias se voltavam contra aqueles que intencionalmente ou não degradavam os poderes herdados de seus ancestrais atlantes, à serviço de espíritos maléficos, para ferir a humanidade . . . .”

Essa é a história do Rei Thevetat da Atlântida dada por H. P. Blavatsky em seu livro de 1877, Ísis sem Véu. Mais adiante, no mesmo livro, vemos de onde o nome Thevetat surgiu (vol. 2, p. 576, edição em língua inglesa de 1877). Blavatsky se refere a um “antigo livro, escrito pelo Sieur de La Loubère, Embaixador francês para o Rei do Sião,” de onde ela citara “suas palavras sobre o Salvador Siamês—Sommona-Codom”:

“Quão maravilhoso fingem ter sido o nascimento de seu Salvador, eles não param de atribuir a ele um pai e uma mãe. A sua mãe, cujo nome é encontrado em alguns de seus livros em Balie (páli?), foi chamada, como eles dizem, Maha MARIA, o que parece significar a grande Maria, pois Maha significa grande. Seja como for, isso não para de chamar a atenção dos missionários e possivelmente abriu o caminho para que os siameses acreditem que Jesus, sendo o filho de Maria, foi irmão de Sommona-Codom, e que, tendo sido crucificado, ele foi o irmão perverso atribuído ao Sommona-Codom, sob o nome de Thevetat, e a quem afirmam ter sido punido no Inferno, numa pena em que é utilizada algo como uma cruz. . . .”

O salvador siamês a quem La Loubère se refere é, obviamente, o Buddha. A sua transcrição fonética de “Sommona-Codom” da língua “Balie” ou Pali representa o que na transliteração moderna corresponde a “samaṇa Gotama.” Podemos agora ver que “Thevetat,” como escrito na tradução em inglês de 1693 [2], ou “Tevetat,” como escrito no original em francês de 1691 [3], é “Devadatta,” o primo perverso de Gotama Buddha.

Devadatta é o “vilão” arquetípico nas escrituras budistas. Ele teria sido um monge budista de grande estatura e grande austeridade, tendo obtido poderes psíquicos condizentes com o seu estágio avançado. De acordo com todos os relatos, ele tentou causar um cisma na ordem budista. Essa é uma ofensa grave para um monge budista. Em alguns relatos, ele teria tentado até mesmo matar o Buddha. O Seu nome evoca a imagem do maior inimigo do Buddha e da ordem [sangha] budista. Um número significativo de escrituras budistas contém narrativas jātaka envolvendo esse personagem, como histórias de seus nascimentos anteriores, mostrando que estava em conflito com o Buddha em vidas anteriores também.

A história sobre o Rei Thevetat da Atlântida dada em 1877 em Ísis sem Véu foi posteriormente referida no artigo, Leaflets from Esoteric History (Folhetos da História Esotérica), não assinado, mas, que pode ter sido escrito por ou sob os auspícios de um Mahatma, um dos instrutores por trás do movimento Teosófico. Nesse texto, assim como em A Doutrina Secreta em que Blavatsky repete essa história com explanações (vol. 2, pp. 220-222, edição em língua inglesa), também encontramos a grafia Thevetata. Essa grafia é usada nesse artigo no plural para se referir aos deuses do panteão etrusco como reminiscentes dos deuses atlantes que foram seguidores do Rei Thevetat:

“Na página 5 [edição em língua inglesa] de Ísis, Vol. I, os Thevetatas—os deuses maléficos e dissimulados que sobreviveram no Panteão Etrusco—são mencionados, assim como os “filhos de deus” ou Brahma Pitris. Os Involute, os deuses escondidos ou envoltos, os Consentes, Complices, e Novensiles, são todos remanescentes disfarçados dos atlantes; enquanto que as artes Etruscas de predizer sua Disciplina reveladas por Tages vêm de forma direta e sem disfarce do rei atlante, Thevetat, o Dragão “invisível”, cujo nome sobrevive até os dias de hoje entre alguns siameses e birmaneses, assim como nas alegorias budistas jātaka [narrativas sobre as vidas anteriores de Sidharta,  o Buddha], como o poder opositor sob o nome de Devadat. Tages era o filho de Thevetat, antes de ter se tornado o neto do Júpiter-Tinia etrusco.”[4]

Assim temos a conexão direta entre a história do Rei Thevetat da Atlântida e as narrativas alegóricas budistas sobre Devadat, isto é, Devadatta. Como vimos, o nome Tevetat/Thevetat é apenas uma transcrição fonética de 1691/1693 do nome Devadatta na língua páli. É exatamente o mesmo em sânscrito, Devadatta, e também no chamado sânscrito híbrido budista (por exemplo, no Mahāvastu). Devadatta significa “dado pelos deuses.” Não há variantes conhecidas desse nome em textos budistas. O rei atlante Thevetat, isto é, Devadatta, teria sido o protótipo do personagem posterior com este nome, e às vezes, com outros nomes. A ligação com os deuses do panteão etrusco serve para nos mostrar que a história foi preservada em outros locais, mesmo que os nomes tenham sido alterados. É a história antiga do conflito entre o bem e o mal, mas com uma importância diferente. Nessa história o mal é o resultado do uso de faculdades avançadas que ocorrem naturalmente sem o devido e necessário treinamento para o seu uso correto. Este mal não é o mal explícito do egoísmo, da ganância, da agressão etc, mas é o mal mais sutil de seguir o caminho espiritual errado.

De acordo com essa história, a partir do período do rei Thevetat/Devadatta em diante há no mundo duas hierarquias opostas de ensinamentos. Ao apresentar a história sobre o rei Thevetat/Devadatta da Atlântida, Blavatsky tornou publicamente conhecida a existência dessas duas classes distintas de hierofantes e a sua existência continua até o presente por meio de seus descendentes espirituais. Aqui podemos encontrar o motivo para algo que tem deixado estudantes de teosofia perplexos há muito tempo: a oposição, mostrada nas Cartas dos Mahatmas, aos chamados “Gorros Vermelhos”, isto é as ordens do budismo tibetano que não a dos Gelugpas ou “Gorros Amarelos”.[5] Isso pode parecer como algo diametralmente oposto à fraternidade, o primeiro objetivo da Sociedade Teosófica: “Formar um núcleo da fraternidade universal da humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor.” Ademais, em décadas recentes muitos no Ocidente entraram em contato com lamas dos “Gorros Vermelhos”, os quais podem ser boas pessoas e com frequência levam uma vida religiosa. Eles não ensinam algo que à princípio consideraríamos magia negra, mas falam de bondade e compaixão, assim como o fazem os lamas dos “Gorros Amarelos”. Alguns de seus outros ensinamentos, entretanto, foram aparentemente considerados pelos Mahatmas teosóficos como heranças do Rei Thevetat/Devadatta da Atlântida. 

Visto que a Atlântida ainda está no reino do mito, ao invés da história, todos os meios de traçar uma linhagem de ensinamentos espirituais das duas classes opostas de hierofantes faladas na história sobre o rei Thevetat/Devadatta são velados para nós. Como os Mahatmas teosóficos somente demonstraram a sua oposição aos “Gorros Vermelhos” nas Cartas dos Mahatmas, mas não a explicaram, cabe a nós juntar as evidências e fazer nossas próprias deduções. Há algo na história conhecida que possa ligar os ensinamentos atribuídos ao Rei Thevetat/Devadatta aos ensinamentos dos “Gorros Vermelhos”? Sim, há três eventos importantes na disseminação do budismo para a China e o Tibete que mostram tal ligação. Sabemos que os Mahatmas teosóficos se opõem ao quietismo, que foi descrito numa carta do Mahatma como “a paralisia total da alma”.[6]

Em relação à história sobre o rei Thevetat/Devadatta, o quietismo significa usar as faculdades intuitivas naturais para alcançar o conhecimento espiritual, “ao invés de se tornar um neófito e gradualmente obter o seu conhecimento esotérico por meio da iniciação regular.”[7] O contraste entre essas duas abordagens para a prática espiritual se mostrou em momentos importantes na história conhecida da disseminação do budismo. O budismo nasceu na Índia e foi levado para a China nos primeiros séculos do primeiro milênio de nossa era. Lá o budismo foi adaptado ao temperamento local da época, mais notavelmente como Chan, ou Zen como ficou conhecido no Japão e como é mais conhecido no Ocidente. O momento decisivo na história do budismo Chan/Zen ocorreu no século VII de nossa era, quando, como registrado no influente Sūtra da Plataforma [Liùzǔ Tánjīng], Huineng com sucesso teria convencido o Sexto Patriarca real. Embora estudiosos modernos tenham desacreditado muito desse relato, isso não muda o fato de que o Chan/Zen se desenvolveu em torno das linhas indicadas desde aquele tempo até o presente. De acordo com esse relato, o principal discípulo do Quinto Patriarca, Shenxiu escreveu um verso para demonstrar a sua competência para se tornar o Sexto Patriarca: “A mente é como um espelho; deve ser polida todos os dias.” Então Huineng escreveu um verso demonstrando que ele, e não Shenxiu, tinha um entendimento real, dizendo: “Que mente? Qual espelho?” Dessa forma, o ensinamento de Shenxiu da iluminação gradual, acompanhado pelo cultivo da mente, foi substituído pelo ensinamento de Huineng sobre a iluminação súbita, dispensando o treinamento da mente.

Kamalashila
O budismo foi levado para o Tibete nos séculos finais do primeiro milênio de nossa era. Em torno do ano 800, um grande debate ocorreu em Samye (bsam yas), no Tibete, para determinar qual forma de budismo seria adotada naquele país, o indiano ou o chinês. O momento decisivo na história do budismo tibetano ocorreu quando Kamalashila ganhou o debate em nome da vertente indiana, ensinando o caminho gradual, a senda do desenvolvimento da mente [*]. O ensinamento do lado chinês derrotado pregava a iluminação súbita, que poderia ocorrer sem a necessidade de esforço ou de disciplinar, ou purificar, a mente. Essa visão é geralmente descrita como um tipo de quietismo. O paralelo com a descrição dos atlantes que não realizavam esforço para obter a sua iluminação é óbvio. O rei do Tibete então decretou que somente o budismo indiano deveria ser adotado no Tibete, e o budismo chinês não seria permitido. 




Tsongkhapa
No período de Sakya Paṇḍita, 1182-1251, surgiram alegações de que os ensinamentos do quietismo chinês estavam reaparecendo no Tibete sob a roupagem do sistema Dzogchen e Mahāmudrā.[8] Uma preocupação que continuou até o tempo de Tsongkhapa, 1357- 1419, fundador da Gelugpa ou escola dos “Gorros Amarelos” em contraste com as ordens previamente existentes, os chamados “Gorros Vermelhos”. Tsongkhapa decididamente guiou o curso do budismo no Tibete a partir de então ao apresentar a sua poderosa promulgação da senda graduada e gradual, o Lamrim, e sua ênfase no desenvolvimento da mente.[9] A escola Sakya, previamente existente, da qual Sakya Paṇḍita foi um grande professor, também foi conhecida por sua ênfase no desenvolvimento da mente. As escolas Nyingma e Kagyu, anteriores às outras duas, não deixaram ensinamentos sobre o desenvolvimento da mente completamente de lado e todas as escolas compartilhavam o ensinamento principal do desenvolvimento da compaixão para o bem-estar de todos os seres. Entretanto, as ordens Nyingma e Kagyu são conhecidas por terem como seus ensinamentos principais, o Dzogchen e o Mahāmudrā, respectivamente. São ensinamentos como esses que foram considerados por Sakyapas e Gelugpas como formas de quietismo, como os ensinamentos Chan/Zen proibidos no Tibete após o debate de Samye.[**]

Sakya Pandita (centro)

Aqui aparentemente encontramos o motivo para a oposição mostrada nas Cartas dos Mahatmas aos chamados “Gorros Vermelhos”. Alguns de seus ensinamentos, como o Dzogchen nyingma e o Mahāmudrā kagyu, são quase idênticos às descrições dos tipos de ensinamentos na história do rei Thevetat/Devadatta da Atlântida, podendo ser considerados heranças dessa linhagem perversa da Atlântida. Trata-se da velha história do conflito entre bem e mal, mas aqui visto em termos de dois caminhos espirituais opostos, ensinados por duas hierarquias espirituais opostas. Uma questão tão importante que, de acordo com o relato, uma guerra foi travada na Atlântida. Apesar da necessidade de tolerância e respeito mútuo, os Mahatmas Teosóficos claramente se mostram como herdeiros dos virtuosos hierofantes da Atlântida e claramente se distinguiram do outro lado, ao mostrar sua oposição aos “Gorros Vermelhos”.

Notas:

1. Essa história é apresentada em A Doutrina Secreta, por H. P. Blavatsky (1888), vol. 2, pp. 427-428. 
2. “The Life of Thevetat, tranflated from the Balie,” in A New Hiftorical Relation of the Kingdom of Siam, de Monfieur de La Loubere (Londres, 1693, tradução em inglês a partir do francês), vol. 2, pp. 145-157.
3. “La Vie de Tevetat, Traduitte du Bali,” in Du royaume de Siam, par Monsieur de La Loubere (Paris, 1691), vol. 2, pp. 1 ff. (ed. Amsterdã, pp. 1-26.).
4. The Theosophist, vol. 5, no. 1, outubro de 1883, p. 9 ou 10; reeditado em H. P. Blavatsky Collected Writings, vol. 5, p. 222. Os nomes dos deuses do panteão etrusco usados aqui podem ser encontrados em Library of Universal Knowledge (baseado na Chambers’s Encyclopaedia), vol. 5 (New York, 1880), p. 571:  “. . . Os estruscos . . . . Em seu panteão, a predominância de deuses maléficos, dissimulados; . . . . eles dividem os seus deuses em duas classes, e os colocam mais ao norte, na região mais inamovível do mundo, de onde podem ignorá-los. A seção superior é formada por deuses escondidos, envoltos (Involuti), de números incertos, que agem de forma terrível e misteriosa, e doze deuses inferiores de ambos os sexos, chamados Consentes, Complices. Tinia (Zeus, Júpiter) é o chefe desses últimos e permanece entre essas duas divisões de deuses, recebendo ordens de destruição dos deuses superiores, enquanto que os inferiores formam o seu conceito ordinário e obedecem a seus comandos. Nove desses (Novensiles) lançam raios em vários períodos com efeitos peculiares. . . . Deuses, mais peculiarmente etruscos são Vejovis, um Júpiter mal, cujos trovões têm o poder de ensurdecer, e Nortia, a deusa do destino, também chamada Lasa Perversa. . . . Característico em seu grau mais alto é a sua “disciplina” ou arte de “divinação.” Isso foi revelado por Tages, um neto de Jupiter, . . .”
5. The Mahatma Letters to A. P. Sinnett, compilado por A. T. Barker (3rd rev. ed., 1962). Ver, por exemplo, a carta do Mahatma 49 (3rd ed., em língua inglesa, p. 280): “Sentimos que se aproxima o tempo em que teremos de escolher entre o triunfo da Verdade ou o Reino do Erro e—Terror. Temos de deixar que alguns poucos escolhidos tenham acesso ao grande segredo, ou—permitir que os infames Shammars conduzam as melhores mentes da Europa rumo a mais insana e fatal das superstições — o Espiritualismo; e nós sentimos de fato como se estivéssemos deixando uma grande carga de dinamite nas mãos deles, estamos ansiosos para vê-los se defenderem contra os Irmãos dos Gorros Vermelhos das Sombras. . . . Tendo então, de entregar com uma mão a arma tão necessária e perigosa para o mundo, e com a outra manter os Shammars longe (a bagunça causada por eles já é imensa), você acha que temos o direito de hesitar, de pausar e de sentir a necessidade da cautela, como nunca antes?
Shammar, em tibetano zhwa dmar, significa “gorro vermelho.”[Nota do tradutor brasileiro (NT): outra palavra usada para os “Gorros Vermelhos” em escritos teosóficos é “dugpa”, tibetano ’brug pa ou drukpa]. David Reigle no original deste artigo apresenta o exemplo do uso da palavra na carta do Mahatma #47 (3rd ed., em inglês, pp. 268-269): “...os Dugpas e os Gelugpas não são estão lutando apenas no Tibete; veja o seu trabalho vil na Inglaterra entre os “ocultistas e videntes”! Veja o seu colega Wallace pregando como um verdadeiro “Hierofante” da “mão esquerda” o “casamento da alma com o espírito” e invertendo o seu verdadeiro significado, na tentativa de provar que todo hierofante praticante deve ser pelo menos espiritualmente casado—se por algum motivo não puder fazê-lo fisicamente —havendo, de outro modo, um grande perigo de Adulteração do Bem e do Mal! Digo-lhes que os Shammars já estão lá e o seu trabalho pernicioso se coloca em nosso caminho em todos os lugares. Não pense nisso como algo metafórico, mas como um fato real, que poderá ser demonstrado algum dia.” 
6. The Mahatma Letters to A. P. Sinnett, carta 28: “Eles fazem parte da Irmandade Universal apenas no nome e gravitam em torno do Quietismo – a paralisia total da Alma”.
7. The Secret Doctrine, vol. 2, p. 202: “Ao invés de se tornar um neófito e gradualmente obter o seu conhecimento esotérico por meio de uma iniciação regular, um Adam, ou Homem, usa suas faculdades intuitivas e, induzido pela serpente (Mulher e matéria), tem um gosto da Árvore do Conhecimento – A Doutrina Secreta ou esotérica – de forma ilegítima.”
8. A fonte mais conhecida sobre isso é a obra de Sakya Paṇḍita, sDom gsum rab dbye. Este livro foi traduzido para o inglês por Jared Douglas Rhoton como A Clear Differentiation of the Three Codes: Essential Distinctions among the Individual Liberation, Great Vehicle, and Tantric Systems. The sDom gsum rab dbye and Six Letters (Albany: State University of New York Press, 2002). Ver principalmente os versos 167 e 174-175 (pp. 118-119, texto tibetano nas páginas 303-304): “Não há diferença significativa atualmente entre o Grande Selo (Mahāmudrā) e a Grande Perfeição (rDzogs-chen) e a tradição chinesa [Chan]... (167)
“Após a supressão da tradição chinesa, a tradição dos gradualistas passou a florescer. Ainda assim, a ordem real desapareceu e alguns, que se basearam somente na tradição do mestre chinês, secretamente mudaram o nome do seu sistema para Grande Selo (mahāmudrā). O Grande Selo atual é virtualmente [o mesmo que] o sistema religioso chinês.” ( 74-175) Um estudo completo desse assunto foi feito por David Jackson em seu livro, Enlightenment by a Single Means: Tibetan Controversies on the “Self-Sufficient White Remedy” (dkar po chig thub)(Wien: Verlag der Österreichischen Akademie der Wissenschaften, 1994). Os mesmos versos de Sakya Paṇḍita também foram traduzidos neste livro nas páginas 162-163, seguidas pelo texto tibetano.
9. Tsongkhapa fez isso mais notadamente com a sua grande e influente obra, Lam rim chen mo. Esse texto foi traduzido para o inglês em três volumes pelo Lamrim Chenmo Translation Committee como The Great Treatise on the Stages of the Path to Enlightenment (Ithaca, N.Y.: Snow Lion Publications, 2000, 2002, 2004). Os Gelugpas se tornaram, de longe, a ordem mais numerosa do budismo tibetano.

*Nota do tradutor (N.T.): “desenvolvimento da mente” aqui não significa o desenvolvimento de poderes psíquicos, ou siddhis, mas a purificação de corpo, fala e mente, uma senda gradual bem detalhada nos chamados textos Lamrim e em A Voz do Silêncio, Luz no Caminho, Ocultismo Prático e em outros textos de Blavatsky, Geoffrey Hodson e textos budistas indianos, como O Guia do Estilo de Vida do Bodhisatva de Shantideva. 

**N.T.: Tal perspectiva de separação de uma linhagem idônea e outra não idônea também encontra respaldo histórico na organização do cânone por Buston/Butön Rinchen Drup (1290-1364), abade do mosteiro Zhalu, que estabelece como autênticos apenas os tantras do período das novas traduções (período sarma) em diante (a que se vinculam os núcleos originais das escolas Kadampa, Sakya, Jonang, Zhalu e a posterior Gelugpa). A posterior escola gelugpa, ou ao menos, os seus núcleos mais originais e internos, seguiu a mesma sistematização feita por Buston. O próprio Tsongkhapa em seu Lamrim Chen Mo critica as perspectivas que defendem um caminho de iluminação súbita. Vertentes posteriores da Gelugpa, principalmente no século XX e XXI, passaram a adotar uma postura não-sectária que vê todos os ensinamentos e práticas de todas as escolas como válidos, abandonando os preceitos originais da gelugpa e a reforma trazida por Tsongkhapa. Ver: The Blue Annals, traduzido por Roerich, Motilal, 2007, p.102 e Butön’s History of Buddhism in India and its spread to Tibet, Boston: Snow Lion, 2013. 

[Traduzido do inglês para o português por Bruno Carlucci, em abril de 2018 com permissão do autor para publicação na seção em português do site Eastern Tradition Research Archive. A tradução é republicada na íntegra neste blog do Núcleo Jnana. O original em inglês pode ser acessado no site Prajna Quest].

Sobre o autor: David Reigle é teosofista, estudioso do budismo e especialista em sânscrito e em tibetano. Em seus sites e livros, Blavatsky's Secret Books: Twenty Years’ Research (1999), coescrito por Nancy Reigle, dedica-se à investigação das fontes indo-tibetanas de ensinamentos contidos em obras como A Doutrina Secreta, A Voz do Silêncio e nas Cartas dos Mahatmas. Uma coletânea de seus artigos foi publicada em português sob o título Os Livros Secretos de Blavatsky e A Tradição Sabedoria (2017) pela editora do Centro Lusitano de Unificação Cultural.  



Nenhum comentário:

Postar um comentário