segunda-feira, 13 de abril de 2020

Apolônio de Tiana - Parte II

Apolônio de Tiana

H.P.Blavatsky






É dito em Ísis sem Véu que os maiores instrutores acerca do divino concordam que quase todos os livros antigos foram escritos numa linguagem simbólica e inteligível apenas aos Iniciados. A biografia de Apolônio de Tiana nos serve de exemplo. Como todo cabalista sabe, ela abarca toda a filosofia hermética, servindo de contrapartida, em muitos aspectos, para as tradições deixadas a nós pelo Rei Salomão. Ela é lida como um conto de fadas, mas como no caso desse contos, às vezes eventos e fatos históricos são apresentados ao mundo sob as cores da ficção. A jornada para a Índia representa em cada um de seus estágios, embora, claro, de forma alegórica, as provações do Neófito,  dando ao mesmo tempo uma noção geográfica e topográfica de um certo país que existe até os dias atuais desde que se saiba para que lado procurar. Os longos discursos de Apolônio aos Brâmanes, seus conselhos sábios e os diálogos com Menippus de Corinto nos dariam, se interpretados, o Catecismo Esotérico. A sua visita ao império dos sábios, a sua entrevista com o rei Iarchas, o oráculo de Anfiarau, explicam simbolicamente muitos dos dogmas secretos de Hermes - no sentido genérico do nome - e do Ocultismo. Quão maravilhoso é esse relato, e se tal afirmação não fosse apoiada por inúmeros cálculos já realizados, e o segredo já tivesse sido em parte revelado, a escritora jamais ousaria dizê-lo.

As viagens do grande Mago estão corretamente, embora alegoricamente descritas, isto é, tudo que é relatado por Damis de fato aconteceu, mas a narrativa é baseada nos signos zodiacais. Como transliterado por Damis sob as orientações de Apolônio e traduzido por Filóstrato, trata-se de algo surpreendente de fato. Na conclusão do que agora pode ser relacionado ao incrível Adepto de Tiana, o que temos a intenção aqui de dizer ficará mais claro. Basta mencionar até aqui que os diálogos desvelariam, se corretamente entendidos, alguns dos segredos mais importantes da Natureza. Éliphas Lévi aponta para a grande semelhança que existe entre o Rei Iarchus e o fabuloso Hiram para quem Salomão obteve os cedros do Líbano e o ouro de Ofir. Mas ele se mantém em silêncio em relação a outra semelhança, que como um erudito cabalista, ele não poderia desconhecer. Ademais, seguindo o seu costume invariável, ele mistifica as informações ao leitor mais do que as ensina, divulgando nada e introduzindo-o ao caminho certo.

Como a maior parte dos heróis históricos de tempos muito antigos, cujas vidas e obras diferem bastante da humanidade comum, Apolônio é até os dias de hoje um enigma, que, até o momento, ainda não encontrou um Édipo. A sua existência é cercada por um véu de mistério que frequentemente é confundido como se tratando de um mito. Mas de acordo com todas as leis da lógica e da razão, é bem claro que Apolônio jamais deva ser entendido sob tal perspectiva. Se o teurgista de Tiana pode ser relegado a um personagem fictício, então a história não tem direito aos seus Césares e Alexandres. É bem verdade que este Sábio, insuperável em seus poderes taumatúrgicos até os dias atuais, de acordo com evidências historicamente comprovadas, veio à arena da vida pública sem ninguém saber de onde e desapareceu sem ninguém saber para onde foi.  Mas os motivos para isso são evidentes. Todos os métodos foram usados - principalmente durante o quarto e quinto séculos de nossa era - para varrer das mentes das pessoas a memória deste grande e santo homem. A circulação de suas biografias, que eram muitas e aclamadas, foi interrompida pelos cristãos e por um motivo muito contundente, como veremos. O diário de Damis sobreviveu milagrosamente como o último relato para nos contar a história. Mas não se deve esquecer que Justino Mártir com frequência fala de Apolônio, e o caráter e a sinceridade desse bom homem são incontestáveis, tanto quanto suas boas razões para se sentir desnorteado. Nem se pode negar que dificilmente haja algum Pai da Igreja dos primeiros seis séculos que não tenha notado a existência de Apolônio.  Apenas que, de acordo com os invariáveis costumes cristãos de caridade, as suas canetas foram imersas, como de praxe, na mais escura tinta de odium theologicum, da intolerância e do enviesamento. São Jerônimo (Hieronymus) dá em detalhes a história da suposta disputa de São João com o Sábio de Tiana ––uma competição de "milagres"–– em que, obviamente, o santo honesto* descreve em cores brilhantes a derrota de Apolônio e busca corroboração no Apócrifo de São João, declarado dúbio mesmo pela própria Igreja.**

*[Ver o Prefácio do Evangelho de São Mateus, Baronius, Vol. I, p. 752, citado de Mirville, VI, 63. Jerônimo é o Pai, que após achar o autêntico e original Evangelho (o texto hebreu) de Mateus, o Apóstolo-público, na biblioteca da Cesareia, “escrito pelas mãos de Matheus”, o próprio Jerônimo, (De Viris ilustração. cap. iii) admite que este foi deixado de lado como herético e substituído por seu próprio texto em grego. [ver B.C.W., Vol. IV, pp. 238-42.]  E foi também Jerônimo quem perverteu o texto no Livro de Jó para forçar a crença na ressurreição da carne (ver Isis Unveiled, Vol. II, pp. 181 et seq.), citando, para apoiá-lo, as autoridades mais eruditas.
**De Mirville fornece este relato animado da "disputa".
“João, pressionado, como São Jerônimo nos conta, por todas as igrejas da Ásia para proclamar mais solenemente [em face dos milagres de Apolônio] a divindade de Jesus Cristo, após uma longa prece com seus discípulos no Montes de Patmos e estando em êxtase pelo divino Espírito, fez ouvir em meio a trovões e raios o seu famoso In Principio erat Verbum. Quando aquele sublime êxtase que o fez ser chamado de "Filho do Trovão" passou, Apolônio foi forçado a se retirar e a desaparecer. Tal foi a sua derrota, menos sangrante, mas tão difícil como aquela de Simão, o Mago" (Des Esprits, Vol. VI, p. 63.) De nossa parte nunca ouvimos falar de êxtase produzindo trovão e raios e estamos mui perplexos para conseguir entender o significado disso.

Portanto, ninguém pode dizer onde ou quando Apolônio nasceu e todos são igualmente ignorantes quanto à data e o local de sua morte. Alguns pensam que sua morte teria ocorrido aos oitenta ou noventa anos de idade, outros que ele teria vivido até cem anos, ou até mesmo cento e dezessete anos. Mas, quer ele tenha terminado os seus dias em Éfeso no ano de 96 d.c., como alguns dizem, ou que tal fato tenha ocorrido em Lindus no templo de Pallas Athena, ou que tenha desaparecido do templo de Diktynna, ou, como alguns defendem, que não tenha morrido, mas que aos cem anos de idade tenha renovado a sua vida por meio da Magia e continuado a trabalhar para o benefício da humanidade, ninguém pode dizer. Apenas os Registros Secretos têm anotados o seu nascimento e a sua carreira subsequente. Mas, então, "Quem acreditou nesse relato?"

Tudo que a história sabe é que Apolônio foi o fundador entusiástico de uma nova escola de contemplação. Talvez menos metafórica e mais prática que a de Jesus; ele, no entanto, inculcou a mesma quintessência de espiritualidade, as mesmas verdades de elevada moral. Ele é acusado de tê-las confinado às classes mais altas da sociedade, ao invés do que Buddha e Jesus fizeram, pregando para os pobres e aos aflitos. Sobre suas razões para agir de tal forma exclusiva é impossível julgar tantos séculos depois. Mas a lei Karmica parece se misturar a isso. Nascido, como nos dizem, na aristocracia, é muito provável que tenha desejado terminar o trabalho deixado incompleto por seu antecessor nesta direção particular, e buscou oferecer  “paz na terra e boa vontade” para todos os homens, e não somente para os excluídos e criminosos. Portanto, ele se associou aos reis e poderosos de sua era. Todavia, os três "fazedores de milagres" exibiram similaridades de propósito impressionantes. Como Jesus e como Buddha, Apolônio foi um inimigo irredutível de qualquer demonstração externa de piedade, uso de cerimônias religiosas inúteis, intolerância e hipocrisia. Que os "milagres" de Apolônio foram mais incríveis, mais variados e muito melhor atestados pela História que o de qualquer outro também é verdade. O materialismo nega, mas as evidências e afirmações da própria Igreja, não obstante como seja rotulado por ela, mostram se tratar de um fato.*

* Esta é a velha, velha história. Quem de nós, teosofistas, não conhece por experiências pessoais amargas, o que o ódio, a malícia e a perseguição clerical podem fazer nessa direção; a que ponto de falsidade, calúnia e crueldade esses sentimentos podem ir, mesmo em nossa era moderna, e que exemplo de caridade, como a de Cristo, os Seus supostos e autodeclarados servos mostraram ser!

As calúnias levantadas contra Apolônio foram tão numerosas quanto falsas. Dezoito séculos após a sua morte, foi difamado pelo Bispo Douglas em sua obra contra milagres. Nele, o Reverendo, o bispo, se enterra ante os fatos históricos. [Pois não é no tocante aos milagres, mas à identidade de ideias e doutrinas promulgadas que temos de buscar pela semelhança entre Buddha, Jesus e Apolônio]. Se estudarmos a questão com a mente serena, logo perceberemos que a ética de Gautama Buddha, Platão, Apolônio, Ammonius Saccas, e seus discípulos, está toda baseada na mesma filosofia mística. Que todos adoravam o mesmo [Ideal divino], quer o considerassem como o “Pai” da humanidade, que vive no homem assim como o homem vive Nele, ou como o  Princípio Criativo Incompreensível; todos viveram vidas à semelhança de Deus. Ammonius, ao falar de sua filosofia, ensinou que a sua escola datava dos dias de Hermes, que trouxe a sua sabedoria da Índia. Era a mesma contemplação mística daquela do Yogue: a comunhão de Brahman com o seu próprio Ser luminoso - o Attan.”*

* Isis Unveiled, Vol. II, p. 342.

O fundamento da Escola Eclética, portanto, mostra-se idêntico às doutrinas dos Yogues - místicos hindus. Está provado que havia uma origem em comum, da mesma fonte que o budismo inicial de Gautama e seus Arhats.

O Nome Inefável pelo qual tantos cabalistas, desconhecendo qualquer Adepto oriental ou mesmo europeu, em vão consumiram o seu conhecimento e as suas vidas, habita latente no coração de todo homem. Este nome poderoso, de acordo com os mais antigos oráculos, “dissemina-se nos mundos infinitos, 
e pode ser obtido de duas formas: por meio da iniciação normal e por meio da "pequena voz" que Elias ouviu na caverna de Horeb, o monte de Deus. E "quando Elias ouviu, ele cobriu sua face com o manto e foi para fora e permaneceu na entrada da caverna. E, vejam, a voz chegou até ele..."[Proclo, Sobre o Crátilo de Platão].

Quando Apolônio de Tiana desejava ouvir a “pequena voz,” ele se cobria num fino manto de lã, sobre o qual colocava ambos os pés, após executar certos passes magnéticos, e pronunciava não o "nome", mas uma invocação bem conhecida de todo adepto. Então ele levava o manto sobre sua cabeça e seu rosto e o seu "espírito" translúcido ou astral ficava livre. Em ocasiões normais ele não usava lã com maior frequência do que os sacerdotes dos templos. Ter a secreta combinação do "nome" dava ao "Hierofante" poder supremo sobre qualquer ser, humano ou outro, inferior a si próprio em termos de força da alma. [Isis Unveiled, Vol. II, pp. 343-44.]

Independente da escola a que pertencia, o fato é certo que Apolônio de Tiana deixou um nome imperecível atrás de si. Centenas de obras foram escritas sobre este homem admirável. Os historiadores têm debatido seriamente sobre ele; tolos pretensiosos, incapazes de chegar a qualquer conclusão sobre o Sábio, tentaram negar a sua própria existência. Quanto à Igreja, embora ela execre sua memória, jamais tentou apresentá-lo sob a perspectiva de um personagem histórico. A sua política agora parece ser a de direcionar a impressão deixada por ele a um outro canal - um velho e bem conhecido estratagema. Os jesuítas,  por exemplo, embora admitindo os seus “milagres”, lançaram uma corrente dupla de pensamento e foram bem sucedidos, como obtêm sucesso em todas as suas empreitadas. Apolônio é representado por uma parte como um obediente "instrumento de Satã", cercando os seus poderes teúrgicos por uma luz impressionante e ofuscante; enquanto que outra parte professa considera tal assunto como matéria de um romance astuto, escrito com um objetivo pré-determinado em vista.

Em seu volumoso Memoirs of Satan [Memórias de Satã], o Marquês de Mirville, ao longo de sua súplica pelo reconhecimento do inimigo de Deus como o produtor dos fenômenos espirituais, devota todo um capítulo a esse grande Adepto. A seguinte tradução das passagens em seu livro revela todo o estratagema. O leitor é solicitado a ter em mente que o Marquês escreveu todas as suas obras sob os auspícios e a autorização da Santa Sé de Roma.

O primeiro século ficaria incompleto e insultaria a memória de São João se silenciássemos acerca do nome que teve a honra de ser o seu antagonista especial, como Simão foi o de São Pedro, Elimas o de Paulo, etc. Nos primeiros anos da era cristã, . . .surge em Tiana, na Capadócia, um dos mais extraordinários homens, um prodígio da Escola Pitagórica. Um grande viajante como o seu mestre, iniciado em todas as doutrinas secretas da Índia, Egito e Caldeia, dotado, portanto, de todos os poderes teúrgicos dos antigos Magi, ele aturdiu, cada um a seu turno, todos os países que visitou e todos - somos obrigados a admitir - parecem ter abençoado a sua memória. Não podemos duvidar dos fatos sem repudiar registros históricos reais. Os detalhes de sua vida são transmitidos para nós por um historiador do século quatro [Filóstrato], o tradutor de um diário que registrava o dia a dia da vida do filósofo, escrito por Damis, seu discípulo e amigo íntimo.*

*Des Esprit . . . Vol. VI, p. 62. [o título completo do Vol. VI é: Des Esprit de L’Esprit-Saint et Du Miracle Dans les six premiers et les six derniers siècles de notre ère, spécialement Des Resurrections de Morts Des Exorcisms, Apparitions, Transports, etc.]

De Mirville admite a possibilidade de alguns exageros por parte do copista e tradutor, mas ele “ não acredita que eles tenham um grande impacto sobre a narrativa.” Portanto, ele se decepciona ao descobrir que Abbé Freppel “em seus eloquentes Ensaios [Les Apologistes Chrétiens au Deuxiéme Siècle, p. 106 (Paris, A. Bray, 1860.)], chamando o diário de Damis um romance" - Por quê?

[Porque] o orador baseia a sua opinião na similitude perfeita, calculada como ele imagina, daquela lenda com a vida do Salvador. Mas ao estudar o assunto com mais profundidade, ele [Abbé Freppel] pode convencer a si próprio de que nem Apolônio, nem Damis, nem Filóstrato jamais reivindicaram  honra maior do que uma semelhança com São João. Esse roteiro era em si mesmo fascinante, e a imitação como que suficientemente escandalosa; pois por meio das artes mágicas, Apolônio fora bem sucedido em contrabalancear, em aparência, vários dos milagres em Éfeso [produzidos por São João], etc.*

*Des Esprits, Vol. VI, p. 62.

A serpente que se esconde sob o capim mostrou a sua cabeça. É a semelhança perfeita da vida de Apolônio com a do Salvador que coloca a Igreja entre Scylla e Charybdis [isto é, entre a necessidade de escolher dos males o menor]. Negar a vida e os “milagres” de Apolônio significaria negar a confiabilidade dos próprios Apóstolos e escritores patrísticos sob cujas evidências é construída a vida do próprio Jesus. Atribuir as ações benéficas do Adepto, os seus atos de ressuscitar os mortos, atos de caridade, poderes de cura etc ao "velho inimigo" seria muito perigoso naquele período. Por isso o estratagema de confundir as ideias daqueles que se apoiam nas autoridades e nas críticas. A Igreja tem uma visão muito mais clara do que qualquer um de nossos grandes historiadores. A Igreja sabe que negar a existência daquele Adepto a levaria a negar o imperador Vespasiano e seus historiadores, os imperadores Alexandre Severo e Aureliano e seus historiadores, e, finalmente, negar Jesus e qualquer evidência sobre Ele, portanto, preparando o caminho para que o seu rebanho negasse a própria Igreja.

É interessante notar o que a Igreja diz acerca de tal emergência, por meio do seu interlocutor escolhido, De Mirville, conforme se segue: O que há de tão novo e tão impossível na narrativa de Damis sobre as viagens aos países dos Caldeus e Gimnosofistas? - Ele pergunta. Tente lembrar, antes de negar, o que eram naqueles dias esses países de maravilhas por excelência, assim como o testemunho de homens tais como Pitágoras, Empédocles e Demócrito, quem deveria ser capaz de saber do que eles escreviam. O que temos, então, para censurar Apolônio? O fato de realizar, assim como os Oráculos o faziam, uma série de profecias e previsões esplendidamente verificadas? Não, porque, como são mais bem estudadas nos dias de hoje, sabemos o que elas são*. Os Oráculos se tornaram para nós agora, o que foram para todos durante a último século, de Van Dale a Fontenelle. Seria por ter sido dotado de uma segunda vista e de ter tido visões à distância?† Não; pois tais fenômenos são endêmicos na Europa atual. Seria por ter exibido o seu conhecimento de todas as línguas conhecidas sob o sol sem ter jamais aprendido alguma delas? Mas quem pode ser ignorante do fato de que este é o melhor critério‡ da presença e assistência de um espírito seja lá de que tipo de natureza? Ou por ter acreditado na transmigração (reencarnação)? Ainda é algo acreditado (por milhões) em nossas dias. Ninguém tem ideia da quantidade de homens da ciência que buscam pelo reestabelecimento da religião druídica e dos Mistérios de Pitágoras. Ou seria por ter exorcizado os demônios e a peste? Os egípcios, os etruscos e todos os pontífices romanos o fizeram muitos antes.§ Por ter conversado com os mortos? Fazemos o mesmo nos dias de hoje, ou assim acreditamos– o que dá na mesma. Por ter acreditado nos fantasmas? Onde está o demonologista que não sabe que o fantasma é um "demônio do sul" referido no Salmo de David e temido então como o é no Norte da Europa?|| Por ter se tornado invisível conforme a sua vontade? É uma das capacidades do mesmerismo. Por ter aparecido após a sua (suposta) morte diante do Imperador Aureliano sobre os muros da cidade de Tiana e tê-lo convencido a encerrar o cerco sobre aquela cidade? Tal era a missão de todo herói depois da tumba, e o motivo da adoração prometida aos Manes.**Por ter descido ao covil famoso de Trophonius e tirado dele um livro antigo preservado anos depois pelo imperador Adriano em sua biblioteca de Anzio? Os Pausânias, dignos de confiança e sóbrios, tinham descido para a mesma cova antes de Apolônio e voltaram não menos que crentes. Por ter desaparecido em sua morte? Sim, como Rômulo, como Votan, como Licurgo, como Pitágoras, † sempre nas circunstâncias mais misteriosas, sempre assistidas por aparições, revelações etc. Vamos parar por aqui e repetir mais uma vez: se a vida de Apolônio tivesse sido um simples romance, ele nunca teria alcançado tal celebridade durante sua vida ou criado um secto tão numeroso, tão entusiasmado após sua morte. E, para acrescentar, se tudo isso tivesse sido um romance, nunca que Caracala teria despertado sua memória - ou Alexandre Severo teria colocado seu busto entre os de dois semideuses e do verdadeiro Deus, § (ou uma Imperatriz teria trocado correspondência com ele.). Mesmo após mal ter descansado das dificuldades do cerco a Jerusalém, Tito não teria se apressado em escrever uma carta a Apolônio, solicitando que o encontrasse em Argos e acrescentando que seu pai e ele (Tito)  deviam tudo ao grande Apolônio, e que , portanto, seu primeiro pensamento foi para o benfeitor.

 *Muitos são os que não sabem, e, portanto, não acreditam.
† Exatamente. Apolônio, durante um discurso que fazia em Éfeso perante um público de muitos milhares, percebeu o assassinato do imperador Domiciano em Roma e informou à cidade toda no exato momento em que estava acontecendo; e Swedenborg, da mesma maneira, viu de Gotemburgo o grande incêndio em Estocolmo e disse a seus amigos. Não havia telégrafo em uso naqueles dias.
‡ Não é critério algum. Os Sadhus e Adeptos hindus adquirem esse dom por meio da santidade de suas vidas. A Yoga-Vidya ensina e nenhum “espírito” é necessário.
§ Quanto aos Pontífices, trata-se de uma afirmação bem questionável.
|| Mas isso por si só não é motivo para que as pessoas acreditem nesta classe de espíritos. Há autoridades melhores para tal crença.
** O objetivo de De Mirville é mostrar que tais aparições, como as dos Manes ou espíritos desencarnados, são a obra do diabo, o "simulacro de Satã".
† Ele poderia ter acrescentado: como o grande Shankaracharya, Tsongkhapa e tantos outros verdadeiros Adeptos - até mesmo seu próprio Mestre, Jesus; pois esse é realmente um critério do verdadeiro Adeptado, mesmo que para "desaparecer" não seja preciso voar até as nuvens.
‡ Ver Dion Cassius, Roman History, LXXVIII, xviii, 2.
§ Lampridius, Alexander Severus, XXIX.



Nem o imperador Aureliano teria construído um templo e um santuário para aquele grande Sábio, para agradecê-lo por sua aparição e comunicação em Tiana. Essa conversa póstuma, como todos sabiam, salvou a cidade, na medida em que Aureliano, por conseguinte, levantou o cerco. Além disso, se fosse um romance, a História não teria contado com Vopisco, || um dos mais confiáveis historiadores pagãos para atestar tal fato. Finalmente, Apolônio não teria sido objeto de admiração de um caráter tão nobre como Epiteto, e até de vários Padres da Igreja; Jerônimo, por exemplo, em seus melhores momentos, escreveu isto sobre Apolônio:

Este filósofo viajante encontrou algo para aprender onde quer que fosse; tendo bom proveito em todos os lugares, se aperfeiçoando, assim, a cada dia. Quanto aos seus prodígios, mesmo sem querer entendê-los, Jerônimo inegavelmente os admite como tais, o que ele certamente nunca teria feito se não tivesse sido obrigado a fazê-lo por conta dos fatos. Para encerrar o assunto, se Apolônio tivesse sido um simples herói de um romance, dramatizado no século IV, os efésios não teriam, em sua gratidão entusiástica, erguido para ele uma estátua de ouro por todos os benefícios que ele lhes conferira. †



|| A passagem é a seguinte: “Aureliano decidira destruir Tiana, e a cidade só devia sua salvação a um milagre de Apolônio; esse homem tão famoso e sábio, esse grande amigo dos deuses, morto há muito tempo, apareceu repentinamente diante do imperador, quando este voltava para sua tenda, em sua própria figura e forma, e disse-lhe na língua panoniana: ‘Aureliano, se desejas vencer, abandona esses desígnios malignos contra meus concidadãos; se desejas comandar, abstenha-te de fazer jorrar sangue inocente; se desejas viver, abstenha-te da injustiça.’ Aureliano, familiarizado com o rosto de Apolônio, cujos retratos ele tinha visto em muitos templos, impressionou-se, imediatamente prometeu a ele [Apolônio] uma estátua, um retrato e um templo, e voltou-se completamente para as ideias de misericórdia.” E, então, Vopisco acrescenta: “Se eu acreditei cada vez mais nas virtudes do majestoso Apolônio, é porque, depois de reunir minhas informações a partir dos homens mais sérios, encontrei todos esses fatos corroborados nos Livros da Biblioteca Ulpiana. "(Ver Flavius Vopiscus, Divas Aurelianus, XXIV em Scriptores Historiae Augustae). Vopisco escreveu em 250, consequentemente, precedendo Filóstrato em um século. [Cf. de Mirville, Des Esprits. . . Vol. VI, p. 68 seg.].
* Ep. ad Paulinam.
† A informação acima foi em grande parte resumida a partir de Mirville, Op. cit., pp. 66-69.


Texto em inglês publicado no Vol. XIV de Blavatsky Collected Writings.

Traduzido por Bruno Carlucci em abril/2020.
















quinta-feira, 2 de abril de 2020

A Origem do Mal

A Origem do Mal 

Helena Petrovna Blavatsky 




O problema da origem do mal pode ser filosoficamente abordado apenas se a fórmula indiana arcaica for tomada como base do argumento. Somente a sabedoria antiga resolve a presença do inimigo universal de maneira satisfatória. Atribui o nascimento do Kósmos e a evolução da vida ao rompimento da UNIDADE manifestada primordial, na pluralidade ou na grande ilusão da forma. Após a HOMOGENEIDADE ter se transformado em Heterogeneidade, naturalmente criaram-se contrastes; daí surgiu o que chamamos de MAL, que desde então reinou supremo neste "Vale das Lágrimas".

A filosofia ocidental materialista (tão mal categorizada) não deixou de lucrar com esse grande princípio metafísico. Até a ciência física, com a química à frente, voltou sua atenção ultimamente para a primeira proposição e direciona seus esforços para provar com dados irrefutáveis a homogeneidade da matéria primordial. Mas agora pisa no pessimismo materialista, um ensinamento que não é nem filosofia nem ciência, mas apenas um dilúvio de palavras sem sentido. O pessimismo, em seu desenvolvimento mais recente, deixando de ser panteísta, se apegando ao materialismo, prepara-se para destituir de valor a antiga fórmula indiana. Mas o pessimista ateu não se eleva além do plasma homogêneo terrestre dos darwinistas. Para ele, o ultima thule [o grau mais elevado a se alcançar] é terra e matéria, e ele vê, além da prima materia [ a primeira matéria], apenas um vácuo feio, um nada vazio. Alguns dos pessimistas tentam poetizar sua ideia à maneira dos sepulcros embranquecidos, ou dos cadáveres mexicanos, cujas horríveis bochechas e lábios estão cobertos de rouge. A deterioração da matéria atravessa a máscara da vida aparente, apesar de todos os esforços em contrário.

O materialismo agora apadrinha metáforas e imagens indianas. Numa obra nova sobre o assunto, do Dr. Mainlander, "Pessimism and Progress" (Pessimismo e Progresso), aprendemos que o panteísmo indiano e o pessimismo alemão são idênticos; e que é a ruptura da matéria homogênea em material heterogêneo, a transição da uniformidade para a multiformidade, que resultou em um universo tão infeliz. Diz o pessimismo:

Essa [transição] é precisamente o erro original, o pecado primordial, que toda a criação deve expiar agora por um sofrimento pesado; é justamente esse pecado, que, tendo lançado tudo o que existe, o mergulhou nas profundezas abismais do mal e da miséria; para escapar dele há apenas um meio possível, isto é, pôr um fim ao próprio ser.

Essa interpretação da fórmula oriental, atribuindo a ela a primeira ideia de escapar da miséria da vida, "acabando com o ser" - seja o ser visto como aplicável a todo o Kósmos ou apenas à vida individual - é um equívoco grave. O panteísta oriental, cuja filosofia o ensina a discriminar entre Ser ou ESSE e existência condicionada, dificilmente se entregaria a uma ideia tão absurda quanto a postulação de tal alternativa. Ele sabe que pode pôr um fim à forma sozinho, não ao ser - e isso apenas neste plano de ilusão terrestre. É verdade que ele sabe que, matando em si mesmo Tanha (o desejo insaciável de existência, ou a "vontade de viver") - ele escapará gradualmente da maldição do renascimento e da existência condicionada. Mas ele também sabe que não pode matar, nem "pôr um fim", nem mesmo à sua própria vida, exceto como uma personalidade, o que afinal é apenas uma mudança de roupa. E acreditando apenas em Uma Realidade, que é o Ser eterno, a "CAUSA sem causa" da qual ele se exilou em um mundo de formas, ele considera as manifestações temporárias e progressivas no estado de Maya (mudança ou ilusão), como o maior mal, verdadeiramente; mas ao mesmo tempo como um processo da natureza, tão inevitável quanto as dores do nascimento. É o único meio pelo qual ele pode passar de vidas limitadas e condicionadas de tristeza para a vida eterna, ou para aquela absoluta "Seidade", tão graficamente expressa na palavra sânscrita sat. 

O "pessimismo" do panteísta hindu ou budista é metafísico, abstruso e filosófico. A ideia de que a matéria e suas manifestações proteanas são a fonte e a origem do mal e da tristeza universais é muito antiga, embora Gautama Buddha tenha sido o primeiro a dar sua expressão definitiva. Mas o grande Reformador indiano certamente nunca pretendeu fazer disso uma alça para o pessimista moderno se apossar, ou uma estaca para o materialista pendurar seus princípios distorcidos e perniciosos! O Sábio e Filósofo, que se sacrificou pela Humanidade vivendo por ela, a fim de salvá-la, ensinando os homens a ver na existência sensual da miséria apenas o sofrimento, nunca teve em sua mente filosófica profunda qualquer ideia de oferecer uma recompensa pelo suicídio. Seus esforços foram para libertar a humanidade de um apego muito forte à vida, que é a principal causa do Egoísmo - o criador da dor e do sofrimento mútuos. No seu caso pessoal, o Buddha nos deixou um exemplo de coragem a seguir; ao viver, sem fugir da vida. Sua doutrina mostra o mal imanente, não na matéria, que é eterna, mas nas ilusões criadas por ela: através das mudanças e transformações da matéria que geram vida - porque essas mudanças são condicionadas e essa vida é efêmera. Ao mesmo tempo, esses males mostram-se não apenas inevitáveis, mas necessários. Pois, se discernirmos o bem do mal, a luz das trevas e apreciarmos o primeiro, podemos fazê-lo apenas através dos contrastes entre os dois. Enquanto a filosofia de Buddha aponta, em seu significado de letra morta, apenas para o lado sombrio das coisas neste plano ilusório; seu esoterismo, a alma oculta dessa filosofia, afasta o véu e revela ao Arhat todas as glórias da VIDA ETERNA em toda a HOMOGENEIDADE da Consciência e do Ser. Outro absurdo, sem dúvida, aos olhos da ciência materialista e até do idealismo moderno, mas um fato para o Sábio e o Panteísta esotérico.

No entanto, a ideia fundamental de que o mal nasce e é gerado pelas crescentes complicações do material homogêneo, que se estabelece na forma e se diferencia cada vez mais à medida que essa forma se torna fisicamente mais perfeita, tem um lado esotérico que parece nunca ter ocorrido ao pessimista moderno. Seu aspecto de letra morta, no entanto, tornou-se objeto de especulação em todas as nações pensantes da antiguidade. Mesmo na Índia, o pensamento primitivo, subjacente à fórmula já citada, foi desfigurado pelo sectarismo e levou às observâncias ritualísticas e puramente dogmáticas dos hatha yogues, em oposição à filosófica Raja Yoga vedantina. A especulação exotérica pagã e cristã, e até o ascetismo monástico medieval, extraíram tudo o que podiam da ideia originalmente nobre, e a tornaram subserviente às suas visões sectárias de mente estreita. Suas falsas concepções de matéria levaram os cristãos desde os primeiros dias a identificar a mulher com o mal e a matéria - apesar do culto à Virgem prestado pela Igreja Católica Romana. 

Mas a aplicação mais recente da fórmula indiana mal compreendida pelos pessimistas na Alemanha é bastante original e bastante inesperada, como veremos. Fazer qualquer analogia entre um ensino altamente metafísico e a teoria da evolução física de Darwin parece, por si só, uma tarefa sem esperança. Ainda mais que a teoria da seleção natural não prega nenhum extermínio concebível do ser, mas, pelo contrário, um desenvolvimento contínuo e sempre crescente da vida. No entanto, a engenhosidade alemã conseguiu, por meio de paradoxos científicos e muito sofisma, conferir uma aparência de verdade filosófica. O antigo princípio indiano não escapou de litígios nas mãos do pessimismo moderno. O feliz descobridor da teoria, de que a origem do mal data da ameba protoplásmica, que se dividiu para procriação e, portanto, perdeu sua homogeneidade imaculada, reivindicou a fórmula arcaica ariana em seu novo volume. Enquanto exalta sua filosofia e a profundidade das concepções antigas, ele declara que deve ser vista "como a verdade mais profunda precogitada e roubada pelos sábios antigos do pensamento moderno"! 

Assim, o panteísmo profundamente religioso do filósofo hindu e budista e os caprichos ocasionais do materialista pessimista são colocados no mesmo nível e identificados pelo "pensamento moderno". O abismo intransitável entre os dois é ignorado. Parece pouco importar, ao que parece, que o panteísta, não reconhecendo realidade alguma no Kósmos manifestado, e considerando-o como uma simples ilusão de seus sentidos, tenha de ver sua própria existência também apenas como um feixe de ilusões. Quando, portanto, ele fala dos meios de escapar dos sofrimentos da vida objetiva, sua visão desses sofrimentos e seu motivo para pôr um fim à existência são completamente diferentes daqueles do materialista pessimista. Para ele, dor e tristeza são ilusões, devido ao apego a esta vida e à ignorância. Portanto, ele luta pela vida eterna, imutável e consciência absoluta no estado de Nirvana; enquanto o pessimista europeu, que toma os "males" da vida como realidades, aspira quando tem tempo de aspirar a qualquer coisa, exceto aquelas ditas realidades mundanas, à aniquilação do "ser", como ele a expressa. 

Para o filósofo, existe apenas uma vida real,  a bem-aventurança nirvânica, um estado que difere em espécie, e não apenas em grau, de qualquer um dos planos de consciência no universo manifestado. 
O pessimista chama "Nirvana" de superstição e o explica como "cessação da vida", vida para ele que começa e termina na Terra. O primeiro ignora em suas aspirações espirituais até a unidade homogênea integral, acerca da qual o pessimista alemão agora faz o seu capital. O filósofo conhece e acredita apenas na causa direta dessa unidade, eterna e sempre viva, pois é o UM incriado, ou melhor, não evolucionado. Portanto, todos os seus esforços são direcionados para a reunião mais rápida possível [com o UM] e retornar à sua condição pré-primordial, após sua peregrinação por essa série ilusória de vidas visionárias, com sua fantasmagoria irreal de percepções sensoriais.


Esse panteísmo pode ser qualificado de "pessimista" apenas por um crente em uma providência pessoal; por alguém que contrasta sua negação da realidade de qualquer coisa "criada" - isto é, condicionada e limitada - com sua própria fé cega e não filosófica. A mente oriental não se ocupa em extrair o mal de todas as leis radicais e manifestações da vida, nem multiplicar toda quantidade fenomenal pelas unidades de males muitas vezes imaginários: O panteísta oriental simplesmente se submete ao inevitável e tenta apagar de seu caminho na vida o maior número possível de "descidas ao renascimento" quanto puder, evitando a criação de novas causas kármicas. O filósofo budista sabe que a duração da série de vidas de todo ser humano - a menos que chegue ao Nirvana "artificialmente" ("toma o reino de Deus pela violência", na linguagem cabalística) - é dada, alegoricamente, nos quarenta e nove dias em que Gautama, o Budda, passou debaixo da árvore Bo. E o sábio hindu está ciente, por sua vez, de que precisa acender o primeiro e apagar o quadragésimo nono fogo* antes de alcançar a sua libertação final. Sabendo disso, tanto o sábio quanto o filósofo esperam pacientemente pela hora natural da libertação; enquanto que seu copista infeliz, o pessimista europeu, está sempre pronto para cometer, bem como pregar, o suicídio. Ignorante acerca das incontáveis cabeças da hidra da existência, ele é incapaz de sentir o mesmo desprezo filosófico pela vida que tem pela morte e, assim, seguir o sábio exemplo dado por seu irmão oriental.  

[*Nota: Este é um princípio esotérico, e os leitores em geral não farão muito disso. Mas o teosofista que leu Budismo Esotérico pode calcular os 7 por 7 dos quarenta e nove "dias" e os quarenta e nove "fogos" e entender que a alegoria se refere esotericamente às sete raças humanas consecutivas com suas sete subdivisões. Toda mônada nasce na primeira e obtém a libertação na última e sétima raça. Apenas um "Buddha" é mostrado alcançando-a durante o curso de uma vida.] 

Assim, o panteísmo filosófico é muito diferente do pessimismo moderno. O primeiro é baseado no entendimento correto dos mistérios do ser; o último é, na realidade, apenas mais um sistema do mal acrescido pela fantasia doentia em relação à já grande soma de males sociais reais. À luz da verdade sóbria, não é filosofia, mas simplesmente uma difamação sistemática da vida e do ser; as expressões biliosas de um hipocondríaco dispéptico ou incurável. Nenhum paralelo pode ser tentado entre os dois sistemas de pensamento. 

As sementes do mal e da tristeza foram, de fato, os primeiros resultados e conseqüências da heterogeneidade do universo manifestado. Ainda assim, eles não passam de uma ilusão produzida pela lei dos contrastes, que, como descrito, é uma lei fundamental da natureza. Nem o bem nem o mal existiriam, não fosse a luz que se lançam mutuamente.  Sendo, sob qualquer forma, observado desde a criação do mundo para oferecer esses contrastes, e o mal predominante no universo devido ao egotismo ou egoísmo, a rica metáfora oriental apontou a existência como uma expiação do erro da natureza; e a alma humana (psüche), passou a ser considerada o bode expiatório e vítima da Alma Universal inconsciente. Porém, não é o pessimismo, mas a sabedoria que deu à luz. 

A ignorância por si só é um mártir disposto, mas o conhecimento é o mestre do Pessimismo natural.Gradualmente, e pelo processo de hereditariedade ou atavismo, este último tornou-se inato no homem. Está sempre presente em nós, ainda que latente e silencioso no início. Em meio às primeiras alegrias da existência, quando ainda estamos cheios das energias vitais da juventude, ainda estamos aptos, cada um de nós, à primeira pontada de tristeza, após um fracasso ou ao surgimento repentino de uma nuvem negra, a acusá-lo sobre a vida; a sentir a vida como um fardo e, com frequência, a amaldiçoar o nosso ser. Isso mostra o pessimismo em nosso sangue, mas ao mesmo tempo a presença dos frutos da ignorância. 

À medida que a humanidade se multiplica, e com ela o sofrimento - que é o resultado natural de um número crescente de unidades que o geram -, a tristeza e a dor são intensificadas. Vivemos em uma atmosfera de tristeza e desespero, mas isso ocorre porque nossos olhos estão abatidos e atraídos para a terra, com todas as suas manifestações físicas e grosseiramente materiais. Se, em vez disso, o homem em sua jornada de vida olhasse, não para o céu, que é apenas uma figura de linguagem, mas para dentro de si mesmo e centralizasse seu ponto de observação no homem interior, ele logo escaparia dos entrelaçamentos da grande serpente da ilusão. Do berço ao túmulo, a sua vida se tornaria sustentável e valeria a pena ser vivida, mesmo nas piores fases.

O pessimismo - essa suspeita crônica do mal que espreita em toda parte - é, portanto, de natureza dupla e traz frutos de dois tipos. É uma característica natural do homem físico, e se torna uma maldição apenas para os ignorantes. É uma benção para o espiritual, na medida em que faz com que este se transforme no caminho certo e o leva à descoberta de outra verdade fundamental, isto é, de que tudo neste mundo é apenas preparatório porquanto transitório. É como uma fenda nas paredes escuras da prisão da vida na terra, através da qual rompe um raio de luz do lar eterno que, iluminando os sentidos internos, sussurra ao prisioneiro em sua concha de barro acerca da origem e do duplo mistério de nosso ser. Ao mesmo tempo, é uma prova tácita da presença no homem daquilo que conhece, sem ser informado, a saber: a existência de uma outra vida melhor, uma vez que se passa pela maldição das vidas na terra. 

Essa explicação do problema e da origem do mal sendo, como já foi dito, de caráter inteiramente metafísico, não tem nada a ver com leis físicas. Uma vez que pertence à parte espiritual do homem, lidar com esse assunto superficialmente é, portanto, muito mais perigoso do que permanecer ignorante dele. Pois, como está na raiz da ética de Gautama Buddha, e visto que agora caiu nas mãos dos filisteus modernos do materialismo, confundir os dois sistemas de pensamento "pessimista" pode levar tão somente ao suicídio mental, senão a algo pior.

A sabedoria oriental ensina que o espírito deve passar pela provação da encarnação e da vida e ser batizado com a matéria antes que possa alcançar experiência e conhecimento. Somente após isso, ele recebe o batismo da alma, ou a autoconsciência, e pode retornar à sua condição original de deus, acrescido de experiência e terminando com onisciência. Em outras palavras, ele pode retornar ao estado original de homogeneidade da essência primordial somente através da adição dos frutos do Karma, que por si só é capaz de criar uma divindade consciente absoluta, removida apenas em um grau do TODO absoluto.

Mesmo de acordo com a letra da Bíblia, o mal deve ter existido antes de Adão e Eva, que, portanto, são inocentes da difamação do pecado original.  Pois, se não houvesse mal ou pecado antes deles, não poderia existir nem Serpente tentadora nem uma Árvore do Conhecimento do bem e do mal no Éden. As características dessa macieira são mostradas no verso quando o casal provou seus frutos: "Os olhos de ambos foram abertos e eles sabiam" muitas coisas além de saber que estavam nus. Conhecimento  demasiado sobre as coisas da matéria é, com razão, mostrado como um mal. 

Mas é assim, e é nosso dever examinar e combater a nova teoria perniciosa. Até agora, o pessimismo era mantido nas regiões da filosofia e da metafísica e não mostrava pretensões de se intrometer no domínio da ciência puramente física, como o darwinismo.  A teoria da evolução tornou-se quase universal agora, e não há escola (exceto as escolas dominicais e missionárias) onde não seja ensinada, com algumas modificações do programa original. Por outro lado, não há outro ensinamento mais abusado e apropriado do que a evolução, especialmente pela aplicação de suas leis fundamentais à solução dos problemas mais compostos e abstratos da existência multifacetada do homem. Lá, onde a psicologia e até a filosofia "temem pisar", a biologia materialista aplica seu martelo de analogias superficiais e conclusões preconceituosas. Pior que tudo, afirmando que o homem é apenas um animal superior, mantém esse direito como inegavelmente pertencente ao domínio da ciência da evolução. Paradoxos nesses "domínios" não chovem, mas inundam.  Como "o homem é a medida de todas as coisas", portanto, o homem é medido e analisado pelo animal. Um materialista alemão [Haeckel] reivindica a evolução espiritual e psíquica como a propriedade legal da fisiologia e biologia; diz-se que os mistérios da embriologia e da zoologia sozinhos são capazes de resolver os da consciência no homem e a origem de sua alma. Outro [Leo Bach] encontra justificativa para o suicídio no exemplo de animais que, quando cansados de viver, acabam com sua vida por meio da fome.

Até então, o pessimismo, apesar da abundância e brilho de seus paradoxos, tinha um ponto fraco - a saber, a ausência de qualquer base real e evidente para se assentar. Seus seguidores não tinham um pensamento norteador e vivo para servi-los como farol e ajudá-los a se afastar dos bancos de areia da vida - reais e imaginários - tão profusamente semeados por si mesmos na forma de denúncias contra a vida e o ser. Tudo o que eles podiam fazer era confiar em seus representantes, que ocupavam seu tempo de maneira engenhosa, se não lucrativa, em aderir os muitos e vários males da vida às proposições metafísicas de grandes pensadores alemães, como Schopenhauer e Hartmann, como meninos pequenos que colocam caudas às pipas dos mais velhos e se alegram em vê-las sendo lançadas no ar. Mas agora o programa será alterado. Os pessimistas descobriram algo mais sólido e impositivo, ainda que menos filosófico, para acrescentar às suas lamentações e hinos fúnebres, do que as pipas metafísicas de Schopenhauer. O dia em que eles concordaram com as opiniões deste filósofo, que apontou para a VONTADE Universal como a perpetradora de todo o mal do mundo, não mais  retornará. Nem ficarão mais satisfeitos com o nebuloso "Inconsciente" de von Hartmann. Eles têm buscado diligentemente um solo mais agradável e menos metafísico para construir sua filosofia pessimista, e foram recompensados com sucesso, agora que a causa do sofrimento universal foi descoberta por eles nas leis fundamentais do desenvolvimento físico. O mal não será mais aliado ao fantasma nebuloso e incerto chamado "VONTADE", mas a um fato real e óbvio: os pessimistas serão rebocados a partir de agora pelos evolucionistas. O argumento básico de seu representante foi apresentado na sentença inicial deste artigo. O Universo e tudo o mais apareceram em conseqüência da "fragmentação e divisão da UNIDADE na Pluralidade". Esta interpretação bastante obscura da fórmula indiana não é feita para se referir, como mostrei, na mente do pessimista, à Unidade, à abstração vedantina - Parabrahman: caso contrário, eu certamente não deveria ter usado a palavra  "fragmentação." Nem concerne muito a Mulaprakriti, ou o "Véu" de Parabrahman; nem mesmo se relaciona com a primeira matéria primordial manifestada, exceto inferencialmente, como segue a exposição do Dr. Mainlander, mas principalmente com o protoplasma terrestre. O Espírito ou a divindade são totalmente ignorados neste caso; evidentemente por causa da necessidade de mostrar o todo como "o domínio legal da ciência física".

Em suma, afirma-se que a fórmula consagrada pelo tempo tem sua base e encontra sua justificativa na teoria de que, de "algumas, talvez uma forma única da natureza mais simples" (Darwin), "todos os diferentes animais e plantas vivendo hoje, e todos os organismos que já viveram na terra ", foram se desenvolvendo gradualmente. É-nos dito que este axioma da ciência justifica e demonstra o princípio filosófico hindu. O que é esse axioma? Ora, é isso: a ciência ensina que a série de transformações pelas quais a semente é feita para passar - a semente que cresce em uma árvore, ou se torna um óvulo, ou a que se desenvolve em um animal - consiste em todos os casos em nada além da passagem do tecido dessa semente, da forma homogênea para a forma heterogênea ou composta. Essa é a verdade científica que verifica a fórmula indiana pela dos evolucionistas, identifica a ambas e, portanto, exalta a sabedoria antiga, reconhecendo-a digna do pensamento materialista moderno.

Essa fórmula filosófica não é simplesmente corroborada pelo crescimento e desenvolvimento individual de espécies isoladas, explica nosso pessimista; mas é demonstrado tanto em temos gerais, como em detalhes. É demonstrado conforme justificação na evolução e crescimento do Universo, bem como de nosso planeta. Em suma, o nascimento, o crescimento e o desenvolvimento de todo o mundo orgânico em sua totalidade integral estão lá para demonstrar a sabedoria antiga. Dos universais aos particulares, descobre-se que o mundo orgânico está sujeito às mesmas leis de elaboração cada vez maiores, da transição da unidade para a pluralidade como "a fórmula fundamental da evolução da vida". Até o crescimento das nações, da vida social, das instituições públicas, do desenvolvimento das línguas, das artes e das ciências, tudo isso segue inevitavelmente e fatalmente a lei abrangente de "romper e dividir a unidade na pluralidade e a passagem do homogêneo para a multiformidade ". 

Mas, seguindo a sabedoria indiana, nosso autor exagera essa lei fundamental a seu modo e a distorce. Ele traz essa lei para os destinos históricos da humanidade. Ele torna esses destinos subservientes e uma prova da veracidade da concepção indiana. Ele sustenta que a humanidade como um todo integral, na proporção em que se desenvolve e progride em sua evolução, e se separa em suas partes - cada uma se tornando um ramo distinto e independente da unidade - afasta-se cada vez mais de sua original, saudável e harmoniosa unidade. As complicações do estabelecimento social, as relações sociais, como as da individualidade, levam ao enfraquecimento do poder vital, ao relaxamento da energia do sentimento e à destruição dessa unidade integral, sem a qual nenhuma harmonia interior é possível. A ausência dessa harmonia gera uma discórdia interna que se torna a causa da maior miséria mental. O mal tem suas raízes na própria natureza da evolução da vida e suas complicações. Cada um de seus passos adiante é ao mesmo tempo um passo dado à dissolução de sua energia e leva à apatia passiva. Esse é o resultado inevitável, diz ele, de toda complicação progressiva da vida; porque evolução ou desenvolvimento é uma transição do homogêneo para o heterogêneo, uma dispersão do todo para os muitos, etc., etc. Essa terrível lei é universal e aplica-se a toda a criação, desde o infinitesimalmente pequeno até o homem, pois, como ele diz, é uma lei fundamental da natureza. 

Agora, é justamente nessa visão unilateral da natureza física, que o autor alemão aceita sem um único pensamento quanto ao seu aspecto espiritual e psíquico, que sua escola está fadada ao certo fracasso. Não cabe saber se a referida lei de diferenciação e suas conseqüências fatais podem ou não se aplicar, em certos casos, ao crescimento e desenvolvimento da espécie animal e até do homem; mas simplesmente, uma vez que é a base e o principal suporte de toda a nova teoria da escola pessimista, se é realmente uma lei universal e fundamental? Queremos saber se essa fórmula básica da evolução abrange todo o processo de desenvolvimento e crescimento em sua totalidade; e se, de fato, está dentro do domínio da ciência física ou não. Se "nada mais é do que a transição do estado homogêneo para o heterogêneo", como diz Mainlander, resta provar que o processo dado "produz aquela combinação complicada de tecidos e órgãos que forma e completa o animal e a planta perfeitos ."

Como já foi observado por alguns críticos de "Pessimism and Progress", o pessimista alemão não duvida disso por um momento sequer. Sua suposta descoberta e ensinamento "repousam inteiramente em sua certeza de que o desenvolvimento e a lei fundamental do complicado processo de organização representam apenas uma coisa: a transformação da unidade em pluralidade". Daí a identificação do processo com dissolução e decadência, e o enfraquecimento de todas as forças e energias. Mainlander teria razão em suas analogias se essa lei da diferenciação do homogêneo no heterogêneo representasse realmente a lei fundamental da evolução da vida. Mas a ideia é bastante errada - tanto metafisicamente quanto fisicamente. A evolução não prossegue em linha reta; não mais do que qualquer outro processo da natureza, mas se movimenta ciclicamente, como todo o resto. As serpentes cíclicas engolem suas caudas como a Serpente da Eternidade. E é nisso que a fórmula indiana, um ensinamento da Doutrina Secreta, é de fato corroborada pelas Ciências naturais, e especialmente pela biologia. 

É o que lemos nas "Cartas Científicas" de um autor e crítico russo anônimo:

Na evolução de indivíduos isolados, na evolução do mundo orgânico, no universo, como no crescimento e desenvolvimento de nosso planeta - enfim, onde quer que ocorra algum dos processos de complexidade progressiva, lá encontramos, da transição da unidade para a pluralidade e da homogeneidade para a heterogeneidade, uma transformação inversa - a transição da pluralidade para a unidade, do heterogêneo para o homogêneo. . . . A observação minuciosa do processo dado de complexidade progressiva mostrou que o que ocorre nele não é apenas a separação de partes, mas também a absorção mútua. . . . Enquanto uma porção das células se fundem e se unem em um todo uniforme, formando fibras musculares, tecido muscular, outros são absorvidos nos tecidos ósseo e nervoso, etc., etc. O mesmo ocorre na formação de plantas. . . .

Nesse caso, a natureza material repete a lei que atua na evolução do psíquico e do espiritual: ambos descem, mas ressurgem e se fundem no ponto de partida. A massa ou elemento formativo homogêneo diferenciado em suas partes é gradualmente transformado em heterogêneo; depois, fundindo essas partes em um todo harmonioso, recomeça um processo inverso, ou reinvolução, e retorna gradualmente ao seu estado primitivo ou primordial

O pessimismo também não encontra melhor suporte no materialismo puro, pois até agora o último foi tingido com um viés decididamente otimista. Seus principais advogados nunca hesitaram em zombar da adoração teológica da "glória de Deus e de todas as suas obras". Büchner lança uma provocação ao panteísta que vê em um mundo tão "louco e ruim" a manifestação do Absoluto.  Mas, no geral, os materialistas admitem um equilíbrio entre o bem e o mal, talvez como um amortecedor contra qualquer tendência "supersticiosa" de olhar e esperar por algo melhor. Por mais estreitos que sejam seus pontos de vista e limitados como seus horizontes espirituais, eles ainda não vêem motivo para se desesperar com a tendência das coisas em geral. Os pessimistas panteístas, no entanto, nunca deixaram de insistir que o desespero do ser consciente é o único resultado legítimo da negação ateísta. Essa opinião é, claro, axiomática ou deveria ser. Se "nesta vida somente há esperança", a tragédia da vida é absolutamente sem qualquer razão de ser e uma perpetuação do drama é tão tola quanto inútil. 

O fato de as conclusões do pessimismo terem sido finalmente assimiladas por uma certa classe de escritores ateus é uma característica marcante dos das atuais e outro sinal dos tempos. Ilustra o truísmo de que o vazio criado pela negação científica moderna não pode e nunca pode ser preenchido pelas perspectivas frias oferecidas como um solatium [uma consolação] para otimistas. O "entusiasmo da humanidade" dos Comteanos é uma coisa pobre o suficiente em relação à aniquilação da raça por vir "à medida que os fogos solares desaparecem lentamente" - se é que realmente morrem - para agradar a ciência física no tempo calculado. Se toda a tristeza e sofrimento presentes, a luta acirrada pela existência e todos os seus horrores decorrentes, não servem para nada a longo prazo, se a HOMEM é um mero ser efêmero,  o jogo de forças cegas, por que ajudar na perpetuação da farsa?
A "trituração incessante da matéria, da força e da lei" apenas levará os milhões de humanos ao esquecimento eterno e, por fim, não deixará vestígios ou lembranças do passado, quando as coisas voltarem à nebulosidade da névoa de fogo, de onde surgiram. A vida terrestre não é um objeto em si. Está encoberta pelas nuvens da melancolia e da miséria. Não parece estranho, então, que o negacionista cego de alma prefira o pessimismo de Schopenhauer ao otimismo infundado de Strauss e seus seguidores, o que, diante de seus ensinamentos, lembra um dos espíritos animais de um jovem burro, depois de uma boa refeição de cardos.

Uma coisa é, no entanto, clara: a necessidade absoluta de alguma solução, que abraça os fatos da existência de maneira otimista. A sociedade moderna é permeada por um crescente cinismo e alvejada pela aversão à vida. Este é o resultado de uma total ignorância das operações do Karma e da natureza da evolução da Alma. É de uma lealdade equivocada aos dogmas de uma teoria mecânica e amplamente espúria da evolução, que o pessimismo se tornou tão indevido. Uma vez que a base da Grande Lei é compreendida - e que filosofia pode fornecer melhores meios para tal compreensão e solução final do que a doutrina esotérica dos grandes Sábios indianos -, não resta locus standi [sustentação em pé] possível para as recentes emendas ao sistema schopenhaueriano de pensamento ou às sutilezas metafísicas, tecidas pelo "filósofo do inconsciente". A razoabilidade da existência consciente pode ser comprovada apenas pelo estudo da filosofia primitiva e agora esotérica. E diz "não há morte nem vida, pois ambas são ilusões; o ser (ou a seidade) é a única realidade". Esse paradoxo foi repetido milhares de eras depois por um dos maiores fisiologistas que já existiram. "A vida é morte", disse Claude Bernard. O organismo vive porque suas partes estão sempre morrendo. A sobrevivência do mais apto certamente se baseia nesse truísmo. A vida do todo superior requer a morte do inferior, a morte das partes dependentes e subserviente a ele. E, assim como a vida é a morte, a morte é a vida, e todo o grande ciclo de vidas forma apenas UMA EXISTÊNCIA - o seu pior dia está em nosso planeta.

Aquele que SABE fará o melhor possível. Pois existe um amanhecer para todo ser, quando uma vez libertado da ilusão e ignorância pelo Conhecimento; e ele finalmente proclamará em verdade e toda Consciência a Mahamaya:

ARRUINADA É A TUA CASA, E OS PILARES RACHADOS!
A ILUSÃO A FEZ!
POR ELA SEGURO EU PASSO - A LIBERTAÇÃO A ALCANÇAR...


(Artigo originalmente publicado na Revista Lúcifer, em outubro de 1887). 
O original em inglês pode ser acessado aqui

Traduzido por Bruno Carlucci em abril de 2020. 








sexta-feira, 6 de março de 2020

Blavatsky sobre as cartas dos Mahatmas

Declaração [sobre as Cartas dos Mahatmas]*

Helena Petrovna Blavatsky 



[Esta declaração é precedida pelas seguintes palavras da Sra. Gebhard: “Extratos de uma carta de H.P.Blavatsky, com a data de 24/1/1886 em Wurzburg, copiada pela Sra. Gebhard. O conteúdo foi confirmado verbalmente por H.P.B. ao Sr. e Sra. Gebhard em Elberfeld, em junho de 1886.]

Nesta manhã, antes da chegada de sua carta às seis horas, o Mestre me deu permissão e disse para que explicasse a você e a todos os teosofistas sinceros e verdadeiramente devotados (“o que se colhe, se planta”) sobre as perguntas, as preces pessoais e privadas, as respostas formuladas na mente daqueles a quem tais assuntos podem ainda interessar, aqueles cujas mentes ainda não estão completamente indiferentes a tais questões terrenas e mundanas, trazendo respostas de chelas e neófitos, frequentemente algum conteúdo refletido da minha própria mente. Pois os Mestres não disponibilizariam seus pensamentos, por um momento sequer, a questões individuais e privadas a apenas uma ou mesmo a dez pessoas, relacionadas ao seu bem-estar pessoal, suas lamentações e alegrias neste mundo de Maya, a nada senão questões de importância realmente universal. 

Foram todos vocês, teosofistas, que rebaixaram em suas mentes os ideais de nossos Mestres; vocês, ainda que inconscientemente e com a melhor das intenções e total sinceridade, OS profanaram, ao acreditar por um momento que Eles se ocupariam com vossas questões profissionais, o nascimento de filhos, o casamento de filhas, a construção de casas etc etc. 

No entanto, aqueles de vocês que receberam tais comunicações, sendo quase todos sinceros (os insinceros receberam o devido tratamento conforme outras leis específicas), e sabendo da existência de Seres que, conforme vocês julgaram, poderiam facilmente ajudá-los, tinham o direito de buscar o Seu auxílio, de se endereçar a Eles assim como um monoteísta se endereça ao seu Deus pessoal e profana o Grande Desconhecido um milhão de vezes acima dos Mestres, pedindo a Ele (ou Aquilo) ajuda com as colheitas, a destruição de um inimigo e o envio de um filho ou uma filha; e tendo tal direito no sentido abstrato, Eles [os Mestres] não poderiam desprezá-los e recusar-lhes uma resposta, senão Deles próprios, ordenando, então, a um(a) chela que satisfizesse as suas dúvidas da melhor forma possível, de acordo com as capacidades do próprios chelas.

Quantas vezes eu (uma não Mahatma) fiquei chocada e sobressaltada, queimando de vergonha quando me mostraram notas escritas nas Suas (duas) caligrafias (caligrafia adotada para a S.T. e usada por chelas, mas jamais sem a permissão especial dos Mahatmas ou ordem para tal), exibindo erros de ciência, gramática e pensamentos, expressa numa linguagem que pervertia completamente o significado originalmente intencionado e, às vezes, expressões que em sânscrito, tibetano ou qualquer outra língua asiática teriam um sentido bem diferente, como um que fornecerei de exemplo.

Em resposta à carta do Sr. Sinnett se referindo a alguma contradição aparente em ÍSIS, o chela que precipitou a resposta do Mahatma K.H. colocou: “tive de exercitar toda a minha esperteza (em inglês, ingenuity) para conciliar as duas coisas”. O termo em inglês ingenuity, usado para expressar candura, imparcialidade é agora uma palavra obsoleta com esse sentido, não mais usada dessa forma, mas que até eu encontrei no dicionário Webster, enquanto Massey, Hume e, acredito que mesmo o Sr. Sinnett, interpretaram mal a palavra, tomando-a pelo sentido de “astúcia”, “esperteza”, “perspicácia”, para formar uma nova combinação como se não houvesse contradição. Portanto: “O Mahatma confessa, sem reservas, usar de esperteza (ingenuity), usar de astúcia para conciliar as coisas, como um advogado ardiloso e trapaceiro” etc etc. 

Agora se eu tivesse sido a responsável por precipitar ou escrever a carta, teria usado a palavra “ingenuousness”, “coração aberto, franqueza, honestidade, livre de reservas ou dissimulação”, como o dicionário Webster a define e o opróbrio lançado sobre o caráter do Mahatma K.H. teria sido evitado. Eu não teria escrito ácido carbólico ao invés de ácido carbônico etc. Muito raramente o Mahatma K.H. ditava palavra por palavra; e quando assim o fazia, lá restavam as poucas passagens sublimes em suas cartas para o Sr. Sinnett. O restante, Ele diria, “escreva tal e tal” e o chela escrevia, geralmente sem saber uma palavra de inglês, assim como eu tenho a incumbência de escrever em hebraico, grego, latim etc. 

Portanto, a única coisa pela qual posso ser repreendida – uma repreensão que estou sempre pronta a assumir embora não a tenha merecido, uma vez que fui apenas o instrumento obediente e cego de leis e regulamentos ocultos, é de ter (1) usado o nome do Mestre quando pensei que a minha autoridade não valeria de nada, quando acreditei sinceramente estar agindo de acordo com as intenções do Mestre** e pelo bem da causa; e (2) de ter guardado aquilo que as leis e regulamentos de meus compromissos não me permitiam revelar até então; (3) talvez (novamente por esta razão) de ter insistido que tal e tal nota era do Mestre, escrita por seu próprio punho, a todo o momento pensando jesuiticamente, eu confesso: “Bem, já que está escrito sob Suas ordens em Sua caligrafia, afinal de contas, por que vou me explicar àqueles que não podem entender a verdade e talvez acabe por piorar as coisas.”

Duas ou três vezes, talvez mais, as cartas foram precipitadas em minha presença, por chelas que não sabiam falar inglês e que tiraram ideias e expressões da minha mente. Os fenômenos na realidade, em realidade solene, foram maiores nesses períodos do que antes! Entretanto, eles pareciam ter suspeitas e eu tinha de segurar a minha língua, vendo a suspeita crescer nas mentes daqueles a quem mais
amo e respeito, incapaz de me justificar ou de dizer uma palavra. Somente o Mestre sabia o quanto eu sofria. 

Pense apenas em mim doente na cama (um caso que ocorreu com Solovioff em Elberfeld); uma carta sua, uma carta antiga recebida em Londres e rasgada por mim, rematerializada como pude ver com meus próprios olhos, pois estava olhando para ela; cinco ou seis vezes na língua russa, na caligrafia do Mahatma K.H. em azul, as palavras tiradas da minha cabeça, a carta velha e amassada viajando devagar e sozinha pelo quarto (nem eu consegui ver a mão astral do chela que conduzia essa operação), então caindo entre os papéis de Solovioff, que escrevia em sua pequena escrivaninha, corrigindo os meus manuscritos. Olcott estava perto dele e acabara de lhe passar os papéis. Solovioff encontrara a carta, e vejo em russo o seu pensamento como um flash: “O velho impostor (referindo-se a Olcott) deve ter colocado isso aqui!”. Houve centenas de situações semelhantes. 

Bom, isso é suficiente. Disse a verdade, apenas e nada mais do que a verdade. Muitas são as coisas sobre as quais não tenho o direito de explicar, mesmo se tivesse de ser enforcada por isso.

Notas:

* Texto publicado em The Early Teachings of The Masters 1881-1883, editado por Jirajanadasa. Wheaton, Illinois: The Theosophical Press, 1923.

O texto em inglês também está disponível na íntegra no Blavatsky Archives

** sobre isso H.P.B. diz: "Por diversas vezes, percebi que estava errada e agora sou punida por isso com a crucificação diária e constante. Peguem as pedras, teosofistas, peguem-nas, irmãos e irmãs gentis e bondosos, e me apedrejem até a morte por tentar fazê-los felizes com uma palavra dos Mestres!"

Texto traduzido por Bruno Carlucci, como parte de uma coletânea de estudos das cartas dos Mahatmas, organizada pelo teosofista David Reigle. A coletânea completa, contendo os artigos de Reigle sobre o uso de terminologia budista nas cartas dos Mahatmas, pode ser acessada aqui.


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Rei Thevetat da Atlântida

O Rei Thevetat da Atlântida

David Reigle

Representação imaginária da Atlântida, por Sir Gerald Hargreaves


A impressionante história do Rei Thevetat da Atlântida é apresentada por H.P.Blavatsky em seu livro de 1877, Ísis sem Véu. Embora esse rei fosse a fonte de todo o “mal” que tornou o seu povo “perverso”, eles não eram perversos devido a uma intenção maligna. Eles, e o rei, eram simplesmente naturalmente aptos à vidência e à magia e não tinham as restrições ou controle que a influência de um treinamento sistemático lhes teria proporcionado. Aqui está a história (vol. 1, pp. 589-594):

“Diz a tradição, e os registros do Grande Livro explicam, que muito antes dos dias de Ad-am, e sua esposa questionadora, He-va, onde agora se encontram apenas lagos salgados e desertos estéreis e desolados, havia um vasto mar no interior desse território, que se estendia pela Ásia Central, ao norte das orgulhosas cadeias do Himalaia e o seu prolongamento ocidental. Uma ilha, cuja beleza sem paralelos conhecera nenhum rival no mundo, habitada pelos últimos remanescentes da raça que precedeu a nossa. Tal raça era capaz de viver com igual facilidade na água, no ar, ou no fogo, pois tinha um controle ilimitado sobre os elementos. Estes eram os “Filhos de Deus”; não aqueles que viram as filhas dos homens, mas os reais Elohim, embora tenham um nome diferente na Kaballah oriental. Foram eles que deram aos homens os segredos mais recônditos da Natureza e revelaram-lhes a “palavra” inefável, agora perdida. Essa palavra, que não é uma palavra, viajou uma vez por todo o globo, e ainda permanece como um eco longínquo e moribundo nos corações de alguns homens privilegiados. Os hierofantes de todos os Colégios Sacerdotais tinham ciência da existência dessa ilha, mas a “palavra” foi conhecida apenas ao Yava Aleim, ou o senhor e diretor de todos os colégios, e foi passada ao seu sucessor somente no momento de sua morte. Havia muitos desses colégios, e os antigos autores clássicos falam deles."

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“Não havia comunicação com a bela ilha pelo mar, mas passagens subterrâneas, conhecidas apenas aos diretores, ligavam a ilha a todas as direções. A Tradição aponta que muitas das ruínas majestosas da Índia, Ellora, Elephanta, e as cavernas de Ajanta (Cadeias de Chandor) uma vez pertenceram a esses colégios e se conectavam com eles por meio de passagens subterrâneas. Quem pode afirmar que os antigos Atlantes – o que também é mencionado no Livro Secreto, mas, novamente, sob outro nome, pronunciado na língua sagrada—não existiam ainda nesses dias? O grande continente perdido pode ter, possivelmente, se situado ao sul da Ásia, se estendendo da Índia à Tasmânia. Se a hipótese agora tão questionada, e positivamente negada por alguns estudiosos que a veem como uma piada de Platão, for algum dia atestada, então, talvez os cientistas acreditem que o continente habitado por deuses foi mais do que uma simples fábula. Conseguirão, então, perceber que Platão resguardou indícios e que o fato de atribuir a narrativa a Sólon e aos sacerdotes egípcios foi uma maneira prudente de apresentar o fato ao mundo, inteligentemente combinando verdade e ficção, de modo a se desconectar dessa história uma vez que as obrigações impostas pela iniciação o proibiam de divulgar." 

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 “A fim de continuar a tradição, temos de acrescentar que a classe de hierofantes foi dividida entre duas categorias distintas: aqueles que foram instruídos pelos “Filhos de Deus” sobre a ilha, e que foram iniciados na doutrina divina da revelação pura, e aqueles que habitaram a Atlântida perdida — se assim devemos nomeá-la — e que, pertencendo a uma outra raça, nasceram com uma visão que abarcava todas as coisas ocultas, que não dependia nem da distância, nem de obstáculos materiais. Em suma, eles constituíam a quarta raça de homens mencionadas no Popol-Vuh, cuja vista era ilimitada e que conhecia todas as coisas de uma vez. Eles eram, talvez, o que hoje chamaríamos de “médiuns de nascimento”, que não se esforçavam, nem sofriam para obter o seu conhecimento, nem o obtiveram sob o preço de qualquer sacrifício. Portanto, embora os primeiros trilhassem a senda de seus instrutores divinos, alcançando o conhecimento por diferentes graus, aprendendo, ao mesmo tempo, a discernir o mal do bem, os que já eram nascidos adeptos da Atlântida cegamente seguiam as insinuações do grande “Dragão” invisível, o Rei Thevetat (A Serpente do Gênesis?). Thevetat não aprendera, nem adquirira conhecimento, mas, utilizando-nos de uma expressão do Dr. Wilder em relação à Serpente tentadora, ele era “um tipo de Sócrates que sabia sem ter sido iniciado.” Portanto, sob as insinuações maléficas de seu demônio, Thevetat, a raça atlante se tornou uma nação de magos pervertidos. Como consequência disso, a guerra foi declarada, uma história que seria muito longa para ser narrada [1]; a sua substância pode ser encontrada nas alegorias desfiguradas da raça de Caim, dos gigantes, e de Noé e sua família virtuosa. O conflito chegou ao fim com o afundamento da Atlântida, que encontra a sua imitação nas histórias do dilúvio mosaico e babilônico: Os gigantes e magos “. . . e toda carne morreu . . . e todos os homens.” Tudo exceto Xisuthrus e Noé, que são substancialmente idênticos ao grande Pai dos Thlinkithians no Popol-Vuh, ou o livro sagrado do povo da Guatemala, que também conta de sua fuga em um grande navio, assim como o Noé hindu—Vaivasvata." 

“Se dermos algum crédito à tradição, temos de considerar o decorrer da história em que a partir do casamento da progênie dos hierofantes da ilha e dos descendentes do Noé atlante, surgiu uma raça misturada de virtuosos e perversos. De um lado o mundo tinha os seus Enoques, Moisés, Gautamas-Buddhas, seus numerosos “Salvadores” e grandes hierofantes; de outro lado, os seus “magos naturais” que, por falta do poder restritivo da iluminação espiritual e devido à fraqueza de sua organização física e mental, perverteram sem intenção os seus dons para propósitos maléficos. Moisés não demonstrava repreensão em relação aos adeptos da profecia e outros poderes que foram instruídos nos colégios da sabedoria esotérica mencionados na Bíblia. As suas denúncias se voltavam contra aqueles que intencionalmente ou não degradavam os poderes herdados de seus ancestrais atlantes, à serviço de espíritos maléficos, para ferir a humanidade . . . .”

Essa é a história do Rei Thevetat da Atlântida dada por H. P. Blavatsky em seu livro de 1877, Ísis sem Véu. Mais adiante, no mesmo livro, vemos de onde o nome Thevetat surgiu (vol. 2, p. 576, edição em língua inglesa de 1877). Blavatsky se refere a um “antigo livro, escrito pelo Sieur de La Loubère, Embaixador francês para o Rei do Sião,” de onde ela citara “suas palavras sobre o Salvador Siamês—Sommona-Codom”:

“Quão maravilhoso fingem ter sido o nascimento de seu Salvador, eles não param de atribuir a ele um pai e uma mãe. A sua mãe, cujo nome é encontrado em alguns de seus livros em Balie (páli?), foi chamada, como eles dizem, Maha MARIA, o que parece significar a grande Maria, pois Maha significa grande. Seja como for, isso não para de chamar a atenção dos missionários e possivelmente abriu o caminho para que os siameses acreditem que Jesus, sendo o filho de Maria, foi irmão de Sommona-Codom, e que, tendo sido crucificado, ele foi o irmão perverso atribuído ao Sommona-Codom, sob o nome de Thevetat, e a quem afirmam ter sido punido no Inferno, numa pena em que é utilizada algo como uma cruz. . . .”

O salvador siamês a quem La Loubère se refere é, obviamente, o Buddha. A sua transcrição fonética de “Sommona-Codom” da língua “Balie” ou Pali representa o que na transliteração moderna corresponde a “samaṇa Gotama.” Podemos agora ver que “Thevetat,” como escrito na tradução em inglês de 1693 [2], ou “Tevetat,” como escrito no original em francês de 1691 [3], é “Devadatta,” o primo perverso de Gotama Buddha.

Devadatta é o “vilão” arquetípico nas escrituras budistas. Ele teria sido um monge budista de grande estatura e grande austeridade, tendo obtido poderes psíquicos condizentes com o seu estágio avançado. De acordo com todos os relatos, ele tentou causar um cisma na ordem budista. Essa é uma ofensa grave para um monge budista. Em alguns relatos, ele teria tentado até mesmo matar o Buddha. O Seu nome evoca a imagem do maior inimigo do Buddha e da ordem [sangha] budista. Um número significativo de escrituras budistas contém narrativas jātaka envolvendo esse personagem, como histórias de seus nascimentos anteriores, mostrando que estava em conflito com o Buddha em vidas anteriores também.

A história sobre o Rei Thevetat da Atlântida dada em 1877 em Ísis sem Véu foi posteriormente referida no artigo, Leaflets from Esoteric History (Folhetos da História Esotérica), não assinado, mas, que pode ter sido escrito por ou sob os auspícios de um Mahatma, um dos instrutores por trás do movimento Teosófico. Nesse texto, assim como em A Doutrina Secreta em que Blavatsky repete essa história com explanações (vol. 2, pp. 220-222, edição em língua inglesa), também encontramos a grafia Thevetata. Essa grafia é usada nesse artigo no plural para se referir aos deuses do panteão etrusco como reminiscentes dos deuses atlantes que foram seguidores do Rei Thevetat:

“Na página 5 [edição em língua inglesa] de Ísis, Vol. I, os Thevetatas—os deuses maléficos e dissimulados que sobreviveram no Panteão Etrusco—são mencionados, assim como os “filhos de deus” ou Brahma Pitris. Os Involute, os deuses escondidos ou envoltos, os Consentes, Complices, e Novensiles, são todos remanescentes disfarçados dos atlantes; enquanto que as artes Etruscas de predizer sua Disciplina reveladas por Tages vêm de forma direta e sem disfarce do rei atlante, Thevetat, o Dragão “invisível”, cujo nome sobrevive até os dias de hoje entre alguns siameses e birmaneses, assim como nas alegorias budistas jātaka [narrativas sobre as vidas anteriores de Sidharta,  o Buddha], como o poder opositor sob o nome de Devadat. Tages era o filho de Thevetat, antes de ter se tornado o neto do Júpiter-Tinia etrusco.”[4]

Assim temos a conexão direta entre a história do Rei Thevetat da Atlântida e as narrativas alegóricas budistas sobre Devadat, isto é, Devadatta. Como vimos, o nome Tevetat/Thevetat é apenas uma transcrição fonética de 1691/1693 do nome Devadatta na língua páli. É exatamente o mesmo em sânscrito, Devadatta, e também no chamado sânscrito híbrido budista (por exemplo, no Mahāvastu). Devadatta significa “dado pelos deuses.” Não há variantes conhecidas desse nome em textos budistas. O rei atlante Thevetat, isto é, Devadatta, teria sido o protótipo do personagem posterior com este nome, e às vezes, com outros nomes. A ligação com os deuses do panteão etrusco serve para nos mostrar que a história foi preservada em outros locais, mesmo que os nomes tenham sido alterados. É a história antiga do conflito entre o bem e o mal, mas com uma importância diferente. Nessa história o mal é o resultado do uso de faculdades avançadas que ocorrem naturalmente sem o devido e necessário treinamento para o seu uso correto. Este mal não é o mal explícito do egoísmo, da ganância, da agressão etc, mas é o mal mais sutil de seguir o caminho espiritual errado.

De acordo com essa história, a partir do período do rei Thevetat/Devadatta em diante há no mundo duas hierarquias opostas de ensinamentos. Ao apresentar a história sobre o rei Thevetat/Devadatta da Atlântida, Blavatsky tornou publicamente conhecida a existência dessas duas classes distintas de hierofantes e a sua existência continua até o presente por meio de seus descendentes espirituais. Aqui podemos encontrar o motivo para algo que tem deixado estudantes de teosofia perplexos há muito tempo: a oposição, mostrada nas Cartas dos Mahatmas, aos chamados “Gorros Vermelhos”, isto é as ordens do budismo tibetano que não a dos Gelugpas ou “Gorros Amarelos”.[5] Isso pode parecer como algo diametralmente oposto à fraternidade, o primeiro objetivo da Sociedade Teosófica: “Formar um núcleo da fraternidade universal da humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor.” Ademais, em décadas recentes muitos no Ocidente entraram em contato com lamas dos “Gorros Vermelhos”, os quais podem ser boas pessoas e com frequência levam uma vida religiosa. Eles não ensinam algo que à princípio consideraríamos magia negra, mas falam de bondade e compaixão, assim como o fazem os lamas dos “Gorros Amarelos”. Alguns de seus outros ensinamentos, entretanto, foram aparentemente considerados pelos Mahatmas teosóficos como heranças do Rei Thevetat/Devadatta da Atlântida. 

Visto que a Atlântida ainda está no reino do mito, ao invés da história, todos os meios de traçar uma linhagem de ensinamentos espirituais das duas classes opostas de hierofantes faladas na história sobre o rei Thevetat/Devadatta são velados para nós. Como os Mahatmas teosóficos somente demonstraram a sua oposição aos “Gorros Vermelhos” nas Cartas dos Mahatmas, mas não a explicaram, cabe a nós juntar as evidências e fazer nossas próprias deduções. Há algo na história conhecida que possa ligar os ensinamentos atribuídos ao Rei Thevetat/Devadatta aos ensinamentos dos “Gorros Vermelhos”? Sim, há três eventos importantes na disseminação do budismo para a China e o Tibete que mostram tal ligação. Sabemos que os Mahatmas teosóficos se opõem ao quietismo, que foi descrito numa carta do Mahatma como “a paralisia total da alma”.[6]

Em relação à história sobre o rei Thevetat/Devadatta, o quietismo significa usar as faculdades intuitivas naturais para alcançar o conhecimento espiritual, “ao invés de se tornar um neófito e gradualmente obter o seu conhecimento esotérico por meio da iniciação regular.”[7] O contraste entre essas duas abordagens para a prática espiritual se mostrou em momentos importantes na história conhecida da disseminação do budismo. O budismo nasceu na Índia e foi levado para a China nos primeiros séculos do primeiro milênio de nossa era. Lá o budismo foi adaptado ao temperamento local da época, mais notavelmente como Chan, ou Zen como ficou conhecido no Japão e como é mais conhecido no Ocidente. O momento decisivo na história do budismo Chan/Zen ocorreu no século VII de nossa era, quando, como registrado no influente Sūtra da Plataforma [Liùzǔ Tánjīng], Huineng com sucesso teria convencido o Sexto Patriarca real. Embora estudiosos modernos tenham desacreditado muito desse relato, isso não muda o fato de que o Chan/Zen se desenvolveu em torno das linhas indicadas desde aquele tempo até o presente. De acordo com esse relato, o principal discípulo do Quinto Patriarca, Shenxiu escreveu um verso para demonstrar a sua competência para se tornar o Sexto Patriarca: “A mente é como um espelho; deve ser polida todos os dias.” Então Huineng escreveu um verso demonstrando que ele, e não Shenxiu, tinha um entendimento real, dizendo: “Que mente? Qual espelho?” Dessa forma, o ensinamento de Shenxiu da iluminação gradual, acompanhado pelo cultivo da mente, foi substituído pelo ensinamento de Huineng sobre a iluminação súbita, dispensando o treinamento da mente.

Kamalashila
O budismo foi levado para o Tibete nos séculos finais do primeiro milênio de nossa era. Em torno do ano 800, um grande debate ocorreu em Samye (bsam yas), no Tibete, para determinar qual forma de budismo seria adotada naquele país, o indiano ou o chinês. O momento decisivo na história do budismo tibetano ocorreu quando Kamalashila ganhou o debate em nome da vertente indiana, ensinando o caminho gradual, a senda do desenvolvimento da mente [*]. O ensinamento do lado chinês derrotado pregava a iluminação súbita, que poderia ocorrer sem a necessidade de esforço ou de disciplinar, ou purificar, a mente. Essa visão é geralmente descrita como um tipo de quietismo. O paralelo com a descrição dos atlantes que não realizavam esforço para obter a sua iluminação é óbvio. O rei do Tibete então decretou que somente o budismo indiano deveria ser adotado no Tibete, e o budismo chinês não seria permitido. 




Tsongkhapa
No período de Sakya Paṇḍita, 1182-1251, surgiram alegações de que os ensinamentos do quietismo chinês estavam reaparecendo no Tibete sob a roupagem do sistema Dzogchen e Mahāmudrā.[8] Uma preocupação que continuou até o tempo de Tsongkhapa, 1357- 1419, fundador da Gelugpa ou escola dos “Gorros Amarelos” em contraste com as ordens previamente existentes, os chamados “Gorros Vermelhos”. Tsongkhapa decididamente guiou o curso do budismo no Tibete a partir de então ao apresentar a sua poderosa promulgação da senda graduada e gradual, o Lamrim, e sua ênfase no desenvolvimento da mente.[9] A escola Sakya, previamente existente, da qual Sakya Paṇḍita foi um grande professor, também foi conhecida por sua ênfase no desenvolvimento da mente. As escolas Nyingma e Kagyu, anteriores às outras duas, não deixaram ensinamentos sobre o desenvolvimento da mente completamente de lado e todas as escolas compartilhavam o ensinamento principal do desenvolvimento da compaixão para o bem-estar de todos os seres. Entretanto, as ordens Nyingma e Kagyu são conhecidas por terem como seus ensinamentos principais, o Dzogchen e o Mahāmudrā, respectivamente. São ensinamentos como esses que foram considerados por Sakyapas e Gelugpas como formas de quietismo, como os ensinamentos Chan/Zen proibidos no Tibete após o debate de Samye.[**]

Sakya Pandita (centro)

Aqui aparentemente encontramos o motivo para a oposição mostrada nas Cartas dos Mahatmas aos chamados “Gorros Vermelhos”. Alguns de seus ensinamentos, como o Dzogchen nyingma e o Mahāmudrā kagyu, são quase idênticos às descrições dos tipos de ensinamentos na história do rei Thevetat/Devadatta da Atlântida, podendo ser considerados heranças dessa linhagem perversa da Atlântida. Trata-se da velha história do conflito entre bem e mal, mas aqui visto em termos de dois caminhos espirituais opostos, ensinados por duas hierarquias espirituais opostas. Uma questão tão importante que, de acordo com o relato, uma guerra foi travada na Atlântida. Apesar da necessidade de tolerância e respeito mútuo, os Mahatmas Teosóficos claramente se mostram como herdeiros dos virtuosos hierofantes da Atlântida e claramente se distinguiram do outro lado, ao mostrar sua oposição aos “Gorros Vermelhos”.

Notas:

1. Essa história é apresentada em A Doutrina Secreta, por H. P. Blavatsky (1888), vol. 2, pp. 427-428. 
2. “The Life of Thevetat, tranflated from the Balie,” in A New Hiftorical Relation of the Kingdom of Siam, de Monfieur de La Loubere (Londres, 1693, tradução em inglês a partir do francês), vol. 2, pp. 145-157.
3. “La Vie de Tevetat, Traduitte du Bali,” in Du royaume de Siam, par Monsieur de La Loubere (Paris, 1691), vol. 2, pp. 1 ff. (ed. Amsterdã, pp. 1-26.).
4. The Theosophist, vol. 5, no. 1, outubro de 1883, p. 9 ou 10; reeditado em H. P. Blavatsky Collected Writings, vol. 5, p. 222. Os nomes dos deuses do panteão etrusco usados aqui podem ser encontrados em Library of Universal Knowledge (baseado na Chambers’s Encyclopaedia), vol. 5 (New York, 1880), p. 571:  “. . . Os estruscos . . . . Em seu panteão, a predominância de deuses maléficos, dissimulados; . . . . eles dividem os seus deuses em duas classes, e os colocam mais ao norte, na região mais inamovível do mundo, de onde podem ignorá-los. A seção superior é formada por deuses escondidos, envoltos (Involuti), de números incertos, que agem de forma terrível e misteriosa, e doze deuses inferiores de ambos os sexos, chamados Consentes, Complices. Tinia (Zeus, Júpiter) é o chefe desses últimos e permanece entre essas duas divisões de deuses, recebendo ordens de destruição dos deuses superiores, enquanto que os inferiores formam o seu conceito ordinário e obedecem a seus comandos. Nove desses (Novensiles) lançam raios em vários períodos com efeitos peculiares. . . . Deuses, mais peculiarmente etruscos são Vejovis, um Júpiter mal, cujos trovões têm o poder de ensurdecer, e Nortia, a deusa do destino, também chamada Lasa Perversa. . . . Característico em seu grau mais alto é a sua “disciplina” ou arte de “divinação.” Isso foi revelado por Tages, um neto de Jupiter, . . .”
5. The Mahatma Letters to A. P. Sinnett, compilado por A. T. Barker (3rd rev. ed., 1962). Ver, por exemplo, a carta do Mahatma 49 (3rd ed., em língua inglesa, p. 280): “Sentimos que se aproxima o tempo em que teremos de escolher entre o triunfo da Verdade ou o Reino do Erro e—Terror. Temos de deixar que alguns poucos escolhidos tenham acesso ao grande segredo, ou—permitir que os infames Shammars conduzam as melhores mentes da Europa rumo a mais insana e fatal das superstições — o Espiritualismo; e nós sentimos de fato como se estivéssemos deixando uma grande carga de dinamite nas mãos deles, estamos ansiosos para vê-los se defenderem contra os Irmãos dos Gorros Vermelhos das Sombras. . . . Tendo então, de entregar com uma mão a arma tão necessária e perigosa para o mundo, e com a outra manter os Shammars longe (a bagunça causada por eles já é imensa), você acha que temos o direito de hesitar, de pausar e de sentir a necessidade da cautela, como nunca antes?
Shammar, em tibetano zhwa dmar, significa “gorro vermelho.”[Nota do tradutor brasileiro (NT): outra palavra usada para os “Gorros Vermelhos” em escritos teosóficos é “dugpa”, tibetano ’brug pa ou drukpa]. David Reigle no original deste artigo apresenta o exemplo do uso da palavra na carta do Mahatma #47 (3rd ed., em inglês, pp. 268-269): “...os Dugpas e os Gelugpas não são estão lutando apenas no Tibete; veja o seu trabalho vil na Inglaterra entre os “ocultistas e videntes”! Veja o seu colega Wallace pregando como um verdadeiro “Hierofante” da “mão esquerda” o “casamento da alma com o espírito” e invertendo o seu verdadeiro significado, na tentativa de provar que todo hierofante praticante deve ser pelo menos espiritualmente casado—se por algum motivo não puder fazê-lo fisicamente —havendo, de outro modo, um grande perigo de Adulteração do Bem e do Mal! Digo-lhes que os Shammars já estão lá e o seu trabalho pernicioso se coloca em nosso caminho em todos os lugares. Não pense nisso como algo metafórico, mas como um fato real, que poderá ser demonstrado algum dia.” 
6. The Mahatma Letters to A. P. Sinnett, carta 28: “Eles fazem parte da Irmandade Universal apenas no nome e gravitam em torno do Quietismo – a paralisia total da Alma”.
7. The Secret Doctrine, vol. 2, p. 202: “Ao invés de se tornar um neófito e gradualmente obter o seu conhecimento esotérico por meio de uma iniciação regular, um Adam, ou Homem, usa suas faculdades intuitivas e, induzido pela serpente (Mulher e matéria), tem um gosto da Árvore do Conhecimento – A Doutrina Secreta ou esotérica – de forma ilegítima.”
8. A fonte mais conhecida sobre isso é a obra de Sakya Paṇḍita, sDom gsum rab dbye. Este livro foi traduzido para o inglês por Jared Douglas Rhoton como A Clear Differentiation of the Three Codes: Essential Distinctions among the Individual Liberation, Great Vehicle, and Tantric Systems. The sDom gsum rab dbye and Six Letters (Albany: State University of New York Press, 2002). Ver principalmente os versos 167 e 174-175 (pp. 118-119, texto tibetano nas páginas 303-304): “Não há diferença significativa atualmente entre o Grande Selo (Mahāmudrā) e a Grande Perfeição (rDzogs-chen) e a tradição chinesa [Chan]... (167)
“Após a supressão da tradição chinesa, a tradição dos gradualistas passou a florescer. Ainda assim, a ordem real desapareceu e alguns, que se basearam somente na tradição do mestre chinês, secretamente mudaram o nome do seu sistema para Grande Selo (mahāmudrā). O Grande Selo atual é virtualmente [o mesmo que] o sistema religioso chinês.” ( 74-175) Um estudo completo desse assunto foi feito por David Jackson em seu livro, Enlightenment by a Single Means: Tibetan Controversies on the “Self-Sufficient White Remedy” (dkar po chig thub)(Wien: Verlag der Österreichischen Akademie der Wissenschaften, 1994). Os mesmos versos de Sakya Paṇḍita também foram traduzidos neste livro nas páginas 162-163, seguidas pelo texto tibetano.
9. Tsongkhapa fez isso mais notadamente com a sua grande e influente obra, Lam rim chen mo. Esse texto foi traduzido para o inglês em três volumes pelo Lamrim Chenmo Translation Committee como The Great Treatise on the Stages of the Path to Enlightenment (Ithaca, N.Y.: Snow Lion Publications, 2000, 2002, 2004). Os Gelugpas se tornaram, de longe, a ordem mais numerosa do budismo tibetano.

*Nota do tradutor (N.T.): “desenvolvimento da mente” aqui não significa o desenvolvimento de poderes psíquicos, ou siddhis, mas a purificação de corpo, fala e mente, uma senda gradual bem detalhada nos chamados textos Lamrim e em A Voz do Silêncio, Luz no Caminho, Ocultismo Prático e em outros textos de Blavatsky, Geoffrey Hodson e textos budistas indianos, como O Guia do Estilo de Vida do Bodhisatva de Shantideva. 

**N.T.: Tal perspectiva de separação de uma linhagem idônea e outra não idônea também encontra respaldo histórico na organização do cânone por Buston/Butön Rinchen Drup (1290-1364), abade do mosteiro Zhalu, que estabelece como autênticos apenas os tantras do período das novas traduções (período sarma) em diante (a que se vinculam os núcleos originais das escolas Kadampa, Sakya, Jonang, Zhalu e a posterior Gelugpa). A posterior escola gelugpa, ou ao menos, os seus núcleos mais originais e internos, seguiu a mesma sistematização feita por Buston. O próprio Tsongkhapa em seu Lamrim Chen Mo critica as perspectivas que defendem um caminho de iluminação súbita. Vertentes posteriores da Gelugpa, principalmente no século XX e XXI, passaram a adotar uma postura não-sectária que vê todos os ensinamentos e práticas de todas as escolas como válidos, abandonando os preceitos originais da gelugpa e a reforma trazida por Tsongkhapa. Ver: The Blue Annals, traduzido por Roerich, Motilal, 2007, p.102 e Butön’s History of Buddhism in India and its spread to Tibet, Boston: Snow Lion, 2013. 

[Traduzido do inglês para o português por Bruno Carlucci, em abril de 2018 com permissão do autor para publicação na seção em português do site Eastern Tradition Research Archive. A tradução é republicada na íntegra neste blog do Núcleo Jnana. O original em inglês pode ser acessado no site Prajna Quest].

Sobre o autor: David Reigle é teosofista, estudioso do budismo e especialista em sânscrito e em tibetano. Em seus sites e livros, Blavatsky's Secret Books: Twenty Years’ Research (1999), coescrito por Nancy Reigle, dedica-se à investigação das fontes indo-tibetanas de ensinamentos contidos em obras como A Doutrina Secreta, A Voz do Silêncio e nas Cartas dos Mahatmas. Uma coletânea de seus artigos foi publicada em português sob o título Os Livros Secretos de Blavatsky e A Tradição Sabedoria (2017) pela editora do Centro Lusitano de Unificação Cultural.  



sábado, 22 de fevereiro de 2020

Meditação sobre a impermanência


"Não importa onde viva, não posso evitar a morte. Não importa quem seja meu amigo, não posso evitar a morte. Todos os seres transitórios que viveram na face da terra morreram. Todos os que viverão no futuro também morrerão. Da mesma forma, entre aqueles que vivem no presente, não há um sequer que escapará da morte. Desde o tempo do meu nascimento até o dia de hoje quantos próximos a mim já morreram? Quantos que eram estranhos ou inimigos morreram? Não há razão em acreditar que permanecerei vivo para sempre enquanto todos eles morreram.
Ninguém está livre da morte. Ninguém é capaz de prolongar a vida indefinidamente. A partir do momento do nascimento, sem pausa, a vida começa a diminuir e a morte se aproxima. A cada mês ela chega mais perto. A cada ano, mais perto ainda. Rapidamente aproximo-me da morte. Agora, enquanto sou jovem, deveria estudar e praticar o Dharma, mas por vezes penso: “Ainda não estou velho, tudo bem se deixar para depois.” Nesta vida curta, não posso ser tão ocioso! Por exemplo, se eu não praticar o Dharma enquanto jovem, então aos sessenta anos grande parte da vida já terá passado. Mesmo se depois de uma idade avançada, decidir praticar o Dharma, como o corpo e a mente poderão estar mais debilitados, será mais difícil alcançar grande avanço. Ademais, metade do tempo restante da vida é gasto dormindo.
Nesse sentido, também gastarei o tempo da preciosa vida humana com atividades como ter de preparar comida, andar para lá e para cá, distrações etc. Mesmo sob a perspectiva de alguém com grande motivação e perseverança, todo o tempo restante disponível para praticar o Dharma e avançar no caminho não é muito abundante. Devo rapidamente compreender tal verdade, conforme é vivenciada pelos santos seres, esforçando-me a cada momento disponível. Nesta vida passageira, possa eu jamais adiar a prática do Dharma por causa da preguiça e da procrastinação! É muito importante meditar dessa forma repetidamente, pensando nas razões da prática." - Essência da Ambrosia - Lama Taranatha

Lama Taranatha