segunda-feira, 10 de abril de 2023

O Dalai Lama e Os Escândalos no Budismo Tibetano




Sobre o novo escândalo envolvendo o atual e XIV Dalai Lama, a sua suposta tentativa de dar um beijo de língua numa criança, concordo com o Amigo Monge (alguém que convive com tibetanos há décadas, fala a língua e tem muita familiaridade com a cultura): Não há justificativa cultural. 


O escândalo começou a circular na mídia indiana e no Twitter antes de ter atenção da mídia ocidental, que é sempre muito reticente em criticar o D.L., erroneamente pintado por ela como um Papa do budismo. O budismo tibetano tem muitas escolas e sub-escolas, linhagens e o Dalai Lama não dita, nem necessariamente segue, nem determina ou não deveria determinar o que as diferentes escolas podem ou não praticar e como devem ou não organizar as suas respectivas linhagens. Em tese, ele nem seria a autoridade máxima de sua escola, a Escola Gelugpa, sendo tal autoridade reservada ao Ganden Tri. Ele era a autoridade política máxima do Tibete e hoje comanda a parte da comunidade tibetana que se exilou em Dharamshala, Índia.

O Tibete era uma espécie de teocracia feudal até metade do Séc. XX, antes de ser anexado pela China. Então, sim, o Dalai Lama é uma autoridade religiosa também, claro, mas não uma autoridade suprema ou algo como um Papa, pois o budismo tibetano não é uma igreja católica, com um clero unificado. Conforme já explicado, há diferentes escolas e diferenças de visões filosóficas e nas práticas etc. 

Em português, muitos livros bons foram publicados nos anos 90 e início dos anos 2000, em que o Dalai Lala comentava textos clássicos do budismo como o Sutra do Coração, o lamrim de Atisha, textos do III Dalai Lama, textos sobre meditação, de Kamalashila, etc. A figura popular do Dalai Lama fez com que, indiretamente, textos clássicos do budismo mahayana chegassem ao mercado de língua portuguesa, tão carente de traduções. Mas também há livros de auto-ajuda em que a marca "Dalai Lama" se sobrepõe ao budismo. Num país em que o budismo sempre teve uma presença muito pequena, a figura do Dalai Lama ajudou a popularizar os ensinamentos budistas e o interesse por meditação no público brasileiro, muito do budismo tibetano que aqui chegou é de vertentes ligadas a ele e criticá-lo, ainda que minimamente, sempre foi visto como um ato de heresia nos meios budistas brasileiros, resultando em censura e banimento de grupos virtuais. 

Devido à história complicada da questão China-Tibete, muitas pessoas trazem teorias da conspiração infundadas e coisas do tipo quando surge algum escândalo ou notícia ruim sobre ele ou líderes budistas famosos no Ocidente.

 O budismo tibetano está cheio de ensinamentos belos e profundos, há toda uma herança filosófico-religiosa trazida da Índia e refinada por grandes lamas budistas como Je Tsongkhapa, Atisha, Serlingpa, Sakya Pandita, Gedun Drub, Lobsang Chökyi Gyaltsel, Chekawa, Thogsmed Zangpo. Sonam Tsemmo, Buston Rinchen, Dölpopa Sherab Gyaltsen, Jetsun Taranatha e muitos outros; menciono aqui só alguns expoentes das linhagens das escolas Gelugpa, Sakya, Jonang-Zhalu, pois a lista seria imensa. E se uma pessoa interessada em budismo buscar textos desses personagens, estudá-los, verá que são como joias preciosas. Abaixo, uma imagem de Je Tsongkhapa, fundador da escola Gelugpa e um grande filósofo budista e reformador do Dharma no Tibete: 



Mas, infelizmente, o budismo tibetano também conta com abusadores famosos que usam argumentos furados como "louca sabedoria" para ter escrava sexual e chamar de "consorte tantrica", como Sogyal Rinpoche, monges que se comportavam como golpistas e eram violentos com seus discípulos, os quais eram convencidos de que sofrer abusos nas mãos de um lama seria uma benção para purificar o karma (sic), como Chongyan Trungpa.

 Há lamas que instigam o fanatismo e a idolatria, o culto à personalidade e adoram quando ocidentais os chamam de "Budas vivos" enquanto falam groselha para o público e garantem a sua doação. E quando algum escândalo vem à tona, usam o relativismo cultural como desculpa. O budismo tem histórico de escolas e gurus que se odeiam, que se pudessem destruiriam seus inimigos com um toque de mágica, corrupção, lavagem de dinheiro etc. As mulheres até hoje têm menos visibilidade e um status inferior, embora aos poucos e muito lentamente tenha havido mudanças, mas mudanças muito lentas e tímidas para os padrões do séc. XXI. 

Como TODA religião instucionalizada, o budismo tibetano, as suas escolas estão permeadas por problemas sociais, relações de poder, politicagem etc. Achar que o budismo é uma exceção ou que tibetanos são um povo mais ingênuo e inocente que os outros é cair em mitos orientalistas antiquados e é uma forma infantilizada de buscar o budismo que só levará o buscador à decepção ou a um fanatismo nada saudável.

O ato do Dalai Lama é lamentável, e dificilmente haverá uma investigação adequada. Será que ele está dando sinais de senilidade dada a idade avançada ou seria o ego inflado de alguém que está acostumado a ser tratado como rei, a "reencarnação de Buddha" (como até hoje muita gente desinformada o chama no Ocidente)? Um ego inflado que "brinca" com os outros a despeito do trauma que isso possa causar nesses outros, principalmente quando a suposta brincadeira de mau gosto é feita com uma criança? Quão saudável é tratar pessoas como deuses encarnados? Será que é uma atitude budista adequada cultuar os outros? É lamentável a forma como as desculpas foram dadas por meio de seus representantes, com um textinho curto, em terceira pessoa, num tom corporativo ao estilo "desculpe o transtorno", que poderia ter sido escrito pelo chat GPT. Por que ele não pode falar diretamente ao público e esclarecer isso? 



Também é lamentável que muitos budistas tentem defender ou eximir o Dalai Lama com teorias da conspiração, diagnóstico hipotético de Alzheimer (sim, ele pode estar senil, mas isso é apenas uma conjectura), ou com relativismo cultural (talvez a pior das desculpas). 

Ao mesmo tempo, simpatizantes e pessoas que desconhecem os meandros, os conflitos e problemas do budismo tibetano e suas politicagens e história complexa, estão decepcionados, pois talvez projetassem no Dalai Lama uma última esperança de pureza espiritual e estabilidade mental num mundo cada vez mais carente de bons exemplos, principalmente no campo da espiritualidade. É sempre doloroso quando nos decepcionamos com alguém porque fomos induzidos pela mídia a projetar expectativas altas demais. 

Não cair em idolatria e não cultuar personalidades são atitudes essenciais no caminho. Também é fundamental que haja discernimento, estudo, reflexão, meditação. Até porque o budismo não propõe a salvação por meio de terceiros. A iluminação vem pelo esforço próprio, a partir do que se aprendeu. O guru aponta, mas o caminho é nosso e temos de escolher bem qual caminho seguir e com quem queremos caminhar; não se deve aceitar  algo sem reflexão e sem discernimento só porque vem de alguém numa posição de autoridade.

 Que tenhamos discernimento e não tenhamos medo de apontar condutas inadequadas e danosas para os outros. Que também seja uma oportunidade para a sangha budista refletir sobre a forma com que lida com escândalos desse tipo. Que possamos refletir sobre a nossa própria conduta de corpo, fala e mente. 

Que o foco seja no ensinamento, no Dharma. E se houver contradições nos ensinamentos dados, nos grupos, se percebermos mentalidade de seita, que tenhamos a coragem de reconhecer isso e mudar de rota, com confiança de que o caminho, embora longo e árduo, vale a pena! Que haja discernimento, compaixão e coragem! 



segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Taranatha sobre a virtude última

No Ornamento do Vazio de Outro da Grande Madhyamaka (gZhan stong dbu ma'i rgyan), Taranatha diz: 

"Nos ensinamentos Abhidharma, temos o seguinte: 

Qual é a virtude última? Ensina-se que é a própria Realidade Última. Portanto, a sabedoria primordial (jnana) de Alaya, é ensinada, pois esta é a própria Realidade Última, a pura jnana. Por ser chamada de virtuosa, não se trata da consciência dual (alaya-vijnana). Mas é Alaya (a Base Universal) ou o Sugatagarbha (a Semente da Bem-Aventurança), a Natureza-Buddha. Visto que a Realidade Última é ensinada como a causa do Despertar (isto é, a Iluminação) e como a própria Realidade da única realidade, não se trata de um fenômeno não existente. Tampouco se trata da realidade aparente (ou relativa)." 

*Jetsun Taranatha viveu entre a segunda metade do século XVI e primeira metade do século XVII no Tibete e na Mongólia. Foi o último abade da Escola Jonang original, ligado à linhagem Jonang-Zhalu.

* Tradução de Bruno Carlucci. 

Vajradhara - uma emanação de Adi-Buddha, o Buddha Primordial


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Nagarjuna sobre Bodhicitta (a mente altruísta)

Sobre Bodhicitta (A Mente Altruísta)

Nagarjuna* 



Livre da noção de que os fenômenos tenham existência inerente;
Deixando de lado a apreensão de existência inerente de todos os fenômenos e conceituações,
Tais como os agregados, os elementos e os campos dos sentidos;
Devido à falta de existência inerente comum a todos os fenômenos,
A mente é primordialmente não nascida;
Tal natureza é o vazio de existência inerente (shunyata). 

Os Buddhas têm a mente desperta 
Pois não são obscurecidos por concepções enganosas, 
tais como a noção de “eu”, “agregados” inerentemente existentes;
A natureza do eu e dos fenômenos é vazia de separatividade.

É com a mente umedecida pela compaixão
Que deves cultivar bodhicitta [o altruísmo] com esforço.
Os Buddhas que corporificam a grande compaixão
Desenvolveram uma bodhicitta constante.

Para aqueles que se alegram com o Mahayana, o Grande Veículo,
O Buddha objetivamente ensinou
O vazio de existência inerente na perfeita equanimidade;
E que a mente é primordialmente não nascida.

Desprovidos de origem e características fenomênicas,
Desprovidos de essência individual e transcendendo a linguagem,
Espaço, bodhicitta e Nirvana
Têm as características da não-dualidade.

Aqueles que habitam no coração da iluminação,
Como os Buddhas, os Grandes Seres [Mahasattvas],
E todos os Grandes Compassivos [Bodhisattvas]
Sempre entendem que o vazio é como o espaço.

Portanto, medite constantemente no vazio de existência inerente [shunyata]:
A base de todos os fenômenos,
Pacificação é a natureza última dos fenômenos, 
A aparência ilusória é a natureza relativa dos fenômenos. 
Sem base fenomênica, a sabedoria do vazio 
liberta do samsara.

Aqueles sob o poder da compaixão
seguem em frente, renascem e trazem alegria,
Renunciando ao poder mundano, engajando-se numa disciplina ascética,
Dirigem-se ao Grande Despertar e derrotam os Maras [os vícios];

Giram a Roda do Dharma,
Entram no reino de todos os deuses [devas],
Dirigindo-se aonde devem ir,
Além dos limites do sofrimento.

Nas formas de Brahma, Indra e Vishnu,
E nas formas ferozes de Rudra,
Eles executam a dança compassiva
Com ações que conduzem os seres ao
Nirvana.

Os Grandes Seres, Bodhisattvas-Mahasattvas,
Não habitam nem no samsara, nem num nirvana individual,
por isso os Buddhas ensinaram sobre a liberação do Bodhisattva, 
a liberação em que não se abandona o voto de auxiliar todos os seres.

Bodhicitta [a mente desperta e altruísta] é o ideal mais elevado do Mahayana,
Então, por meio de um esforço habilidoso e determinado, 
Gere bodhicitta. 

O mérito obtido da geração de bodhicitta,
se pudesse ser mensurado, 
se estenderia para além dos limites do espaço.

A pessoa que, mesmo por um instante, 
medita sobre bodhicitta 
abre uma arca de inestimáveis tesouros.
Nem mesmo os Conquistadores, os Buddhas,
podem mensurar o mérito de bodhicitta. 

Tais como as inabaláveis aspirações 
dos Buddhas e Bodhisattvas,
Firme deve ser a mente 
Daqueles que buscam 
a imersão em bodhicitta. 

Mesmo com tamanha admiração, 
Conforme aqui explicado, 
Deves realizar as ações*
do grande Bodhisattva
Samantabhadra. 

(Nagarjuna - Bodhicittavivarana [Um comentário a bodhicitta])

*Adotar o modo de vida do Bodhisattva, guiado por bodhicitta e pela prática das virtudes e busca da sabedoria. Samantabhadra é o Bodhisattva que representa esse ideal. Abaixo uma imagem de Samantabhadra: 



 
*Tradução condensada e selecionada de passagens do Bodhicittavivarana, de Nagarjuna, sem fins comerciais, feita por Bruno Carlucci. 

*Nagarjuna (séc, II), é um dos mais importantes expoentes do budismo Mahayana da Índia. Fundador da Escola Madhyamika, a Escola do Caminho do Meio.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Vazio é cheio

O Vazio é Cheio

Bruno Carlucci



A perspectiva do vazio (śūnyatā) não é um vácuo, mas é interdependência.,

O vazio (śūnya) não é uma vacuidade, mas uma ausência de separatividade. 

O vazio não é negação da realidade relativa, daquilo que é superficialmente ou aparentemente separado, mas a compreensão de que essa separatividade não é essencial, não é a natureza-própria (svabhāva) das coisas. 

O vazio é cheio. 

"A interdependência ou o surgimento-dependente significa falta de separatividade. O vazio significa falta de separatividade. Vazio não significa que nada exista."  - Candrakirti (Comentário ao Caminho do Meio/Madhyamakavatara). 

Assim ensina a Madhyamaka.

Chandrakirti
                            Chandrakirti (séc. VII, Índia)

Assim acrescenta a Grande Madhyamaka, Yogācāra-Madhyamaka:

O Vazio último é vazio de outro, porque todos os fenômenos são vazios de si. 

Todos os fenômenos são interdependentes porque a Natureza Última é vazia de outro. 

É o elemento quitessencial, o Dharmadhātu. 

É O Espaço primordial em que surgem os fenômenos. 

É O Círculo do Tempo Incondicionado. 

Vazio Incondicionado. Plenitude Absoluta.

O Grande Vazio (Shentong) é Cheio porque não há outro senão Ele. 

É a Plenitude Suprema. 

É Natureza-Buddha.

É a Base Universal prístina (Ālaya).

É a Natureza Última, o Númeno (Dharmatā).

É Bodhicitta.

É ĀdiBuddha. 

"Portanto, a Realidade Última de todos os sūtras e tantras profundos, que cuidadosamente apresentam Tathatā e daí por diante, é o Vazio de Outro, nunca o vazio de natureza própria." (Dölpopa Sherab Gyaltsen, O Quarto Concílio). 

Dölpopa Sherab Gytalsen (1292-1361, Tibete)



quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Uma síntese da Senda Graduada, o Lamrim

Uma Síntese da Senda Graduada, o Lamrim, no budismo Mahāyāna: 

(A partir do último capítulo do Lamrim ChenMo, de Je Tsongkhapa*)

Bruno Carlucci


                                  Khedrub Palzangpo, Je Tsongkhapa e Gyaltsab Rinchen

-   A raiz do caminho deriva da confiança num guru idôneo. 

-   Aproveite o tempo livre para praticar continuamente. 

-   Medite sobre os tópicos conectados com o lazer e a oportunidade. 

-  Reflita sobre as vidas futuras, tirando o foco da gratificação imediata.

-  Medite sobre a impermanência do seu corpo atual e sobre o pós-vida. 

- Refletindo sobre o risco de cair em renascimentos miseráveis, gere convicção sobre as três jóias (Buddha, Dharma e Sangha). 

- Desenvolva constância em seu treinamento.  

- Desenvolva convicção acerca do karma e seus efeitos. 

- Esforce-se em renunciar às dez ações não virtuosas e adote as dez ações virtuosas. 

-  As dez ações não virtuosas: 1. matar, 2. roubar, 3. conduta sexual descontrolada ou abusiva, 4. mentir, 5. semear discórdia, 6. fala abusiva, 7. tagarelice, 8. cobiça, 9. malícia, 10. visões errôneas. As dez ações virtuosas são o oposto das não-virtuosas.

- Confie nos quatro poderes: 1. assumir a responsabilidade pelo próprio karma, 2. o poder do antídoto (aplicar os antídotos aos padrões de comportamento errôneos), 3. o poder de se comprometer a não mais repetir os erros, 4. o poder de se voltar para o Dharma. 

- Após treinar como alguém do pequeno escopo (preocupado com a próxima vida), avalie a necessidade de se libertar do saṃsāra (o escopo médio).

- Considere o sofrimento de todos os seres como se fossem suas mães. 

Treine em bodhicitta (a mente desperta e altruísta), cuja raiz é amor e compaixão (o escopo superior).

- Estude a senda do Bodhisattva. Considere o que descartar e o que adotar se quiser adentrar nesta senda. 

- Treine nas seis paramitas (dana/generosidade, shila/harmonia, kshanti/paciência, virya/reta energia, dhyāna/plena atenção e prajñā/sabedoria-discernimento).

- Mesmo que cometa infrações, esforce-se para se reerguer e não cometê-las de novo.  

- Aperfeiçoe-se em śamatha (tranquilo-permanecer) e vipaśyāna (meditação analítica) como parte do treinamento em dhyāna (plena atenção) e prajñā (sabedoria). 

- Desenvolva a visão correta acerca do vazio de existência inerente do “eu” e dos fenômenos. 

- Desenvolva convicção sobre a senda dos Bodhisattvas. 

- Se o seu entusiasmo com a prática se perder, medite sobre a importância de aproveitar o tempo livre e esta oportunidade.

- Se o seu apego a esta vida mundana aumentar,  medite sobre a impermanência e o sofrimento nos reinos inferiores. 

- Medite sobre os sofrimentos do saṃsāra.  

- Se sentir-se desanimado frente às renúncias que adotou, medite sobre o karma e reforce a sua convicção. 

- Continuamente cultive bodhicitta. 

- Se o seu apego a esta vida mundana aumentar,  medite sobre a impermanência e o sofrimento nos reinos inferiores. 

- Sem a ética e os preceitos estabelecidos nos sutras, não é possível adentrar o vajrayāna (o veículo esotérico) de fato. 



*Je Tsongkhapa (1357—1419) foi o fundador da Escola Gelugpa. Ele é tido como o grande reformador do Dharma budista no Tibete. Escreveu várias obras, dentre elas o Lamrim ChenMo, um tratado sobre os estágios da senda graduada para a iluminação.  

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Ākāśa (Akasha)


Ākāśa

David Reigle



Este texto faz parte de um glossário contínuo de termos relacionados ao Livro de Dzyan.

O termo ākāśa, geralmente traduzido na atualidade como “espaço”, foi entendido de maneiras bastante diferentes nos textos em sânscrito. Seus significados variam de “céu” ao quinto elemento (“éter”), de um princípio cósmico quase definitivo a nada mais do que espaço vazio. Ocorre no Livro de Dzyan como “um mar de fogo sem margens” (estrofe 3, versículo 7), em é que quase um princípio cósmico último. Não pode ser o princípio cósmico final denominado "espaço" no Catecismo Senzar esotérico ou Catecismo Oculto, porque ākāśa é descrito como uma irradiação desta fonte [1]. Os vários significados de ākāśa encontrados em vários sistemas de pensamento indianos serão dados, a seguir, com mais detalhes.

No uso diário comum, ākāśa normalmente se refere ao "céu". Em um uso um pouco mais técnico, ākāśa pode se referir ao "éter" como o quinto dos cinco elementos (terra, água, fogo, ar e éter), muito parecido com o éter postulado pela ciência até que foi amplamente refutado pelo experimento Michelson-Morley de 1887. Como o quinto elemento, ākāśa é frequentemente associado a uma palavra para “elemento”, bhūta ou dhātu. Assim, bhūtākāśa, o elemento ākāśa, ou ākāśa-dhātu, o elemento ākāśa. Como um princípio cósmico quase último, ākāśa pode se referir à primeira coisa a emanar do princípio cósmico último, como no sistema hindu não-dualista da Vedānta Advaita. Ou pode se referir a um princípio cósmico quase último que não emanou do nada, mas é um dentre outros princípios cósmicos eternos, como no sistema hindu pluralista da Vaiśeṣika. Nem como um elemento nem como um princípio cósmico quase último, ākāśa pode se referir apenas ao espaço vazio, como no sistema budista Madhyamaka. 

No Livro de Dzyan, conforme relatado por H. P. Blavatsky em A Doutrina Secreta, ākāśa é um princípio cósmico quase último, é a primeira coisa a emanar do princípio cósmico último. É “a irradiação de Mūlaprakṛiti” (A Doutrina Secreta, vol. 1, p. 10 [edição em língua inglesa]), que é a "substância raiz pré-cósmica", "aquele aspecto do Absoluto que subjaz a todos os planos objetivos da Natureza" (DS 1.15). Livro de Dzyan, estrofe 3, versículo 7: “O Espaço Luminoso, Filho do Espaço Escuro. . . transforma a parte superior em um mar de fogo sem margens” [2]. Comentário: “O 'Mar de Fogo' é então a Luz Superastral (isto é, numenal), a primeira irradiação da Raiz, a Mūlaprakṛiti, a Substância Cósmica indiferenciada, que torna-se matéria astral ”(DS 1,75). “Mūlaprakṛiti,. . . a substância primordial,. . . é a fonte da qual Ākāśa irradia ”(DS. 1.35). É definido por Blavatsky: “Ākāśa - a luz astral - pode ser definida em poucas palavras; é a Alma Universal, a Matriz do Universo, o ‘Mysterium Magnum’ do qual tudo o que existe nasce por separação ou diferenciação. É a causa da existência; preenche todo o Espaço infinito; é o próprio Espaço, em um sentido, ou seus Sexto e Sétimo princípios (DS 2.511-512).” Assim, como resumido por Blavatsky: “Toda a gama de fenômenos físicos procede do Primário do Éter - Ākāśa, como Ākāśa de natureza dual procede do Caos indiferenciado, assim chamado, sendo este último o aspecto primário de Mūlaprakṛiti, a matéria-raiz e a primeira ideia abstrata que se pode formar de Parabrahman” (DS [1] 1.536).

No sistema hindu da Vedānta, ākāśa é um princípio cósmico quase último, é a primeira coisa a emanar do princípio cósmico último, Brahman, a realidade última. Todas as escolas da Vedānta são baseadas nos Upaniṣads. O Taittirīya Upaniṣad 2.1.1 diz: “Daquele [Brahman], verdadeiramente, deste Ser [Ātman], ākāśa surgiu; de ākāśa, ar; do ar, fogo; do fogo, água; da água, terra; da terra, as plantas, das plantas, os alimentos; da comida, a pessoa "(brahma... tasmād vā etasmād ātmana ākāśaḥ sambhūtaḥ | ākāśād vāyuḥ | vāyor agniḥ | agner āpaḥ | adbhyaḥ pṛthivī | pṛthivyā oṣadhayaḥ | pṛthivyā oṣadhayaḥ | oṣ annḥ annu). No entanto, existem passagens nos Vedas e Upaniṣads nas quais ākāśa (ou o por vezes sinônimo vyoman) é usado para designar Brahman, a realidade última. Assim, os próximo textos da Vedānta mais confiável, os Brahma-sūtras, dizem que Brahman é ākāśā (1.1.22), em seguida é dito que Brahman é prāṇa (1.1.23), e Brahman é jyotis, "luz" (1.1.24 ), os comentadores acrescentam que este ākāśā deve ser distinguido do ākāśa como um elemento (bhūta-ākāśa). No entanto, este texto é entendido como dizendo apenas que este ākāśa é Brahman em um sentido. Visto que ākāśa descreve um aspecto de Brahman, ele pode ser usado para designar Brahman. Isso fica claro no Taittirīya Upaniṣad 1.6.2: “Brahman cujo corpo é ākāśa” (ākāśa-śarīram brahma). 

A Vedānta Advaita é a escola não dualista da Vedānta, ensinando que Brahman, a realidade última, e Ātman, o Ser, são um. Os instrutores desta escola concordam com a passagem do Taittirīya Upaniṣad dizendo que de Brahman, de Ātman, surgiu ākāśa. Seu pai fundador, Śaṅkarācārya, escreveu um pequeno tratado chamado Pañcīkaraṇa, no qual seu discípulo próximo Sureśvara escreveu um comentário em verso (Vārttika), dizendo (versículo 3) “daquele [param brahman] surgiu ākāśa” (param brahma . . . tasmād ākāśam utpannam). Num sistema não dual, nada pode realmente surgir de um Brahman separado dele. Portanto, ākāśa surge apenas por meio da entrada em jogo de māyā, o poder da ilusão ou aparência ilusória, um poder possuído por Brahman. De acordo com isso, o escritor posterior Vidyāraṇya em seu clássico Pañcadaśī escreveu (capítulo 13, versículo 67): “A primeira modificação [de māyā] é ākāśa” (māyāṃ... Ādyo vikāra ākāśaḥ). Na Vedānta Advaita, todo o universo é uma māyā ou aparência ilusória sobreposta a um Brahman. No entanto, neste sentido, ākāśa é aqui entendido como a primeira coisa a emanar de Brahman, a realidade última.

No sistema hindu Vaiśeṣika, ākāśa é um princípio cósmico quase último que não emanou do nada, mas é um entre outros princípios cósmicos eternos. É uma das nove realidades ou substâncias últimas (dravya): terra, água, fogo, ar, ākāśa, tempo (kāla), direção (dik), Ātman e mente (manas) (Vaiśeṣika-sūtra 1.1.4 ou 1.1.5) [3]. Como os outros oito princípios cósmicos, ākāśa é eterno ou permanente (nitya) (Vaiśeṣika-sūtra 2.1.28). É unitário ou um, não muitos (Vaiśeṣika-sūtra 2.1.29); ou seja, não consiste em átomos finais (paramāṇu) como os quatro elementos, terra, água, fogo e ar.  No entanto, é um elemento (bhūta), um dos cinco elementos junto com esses quatro. É onipresente ou todo-presente (Vaiśeṣika-sūtra 7.1.27 ou 7.1.22). Como tal, ākāśa fornece o meio no qual os outros quatro elementos eternos no sistema Vaiśeṣika pluralista podem se combinar para produzir o cosmos visível. 

No sistema Jaina ou jainista, ākāśa é um princípio cósmico quase último que não emanou do nada, mas é um entre outros princípios cósmicos eternos. É uma das seis realidades ou substâncias últimas (dravya): almas (jīva), meio de movimento (dharma), meio de repouso (adharma), ākāśa, matéria (pudgala) e tempo (kāla). Esses seis princípios cósmicos são eternos. Aqui, ākāśa não é um dos elementos, terra, água, fogo e ar. Em vez disso, é o princípio cuja função é fornecer espaço ou ser um receptáculo (avagāha) para os outros cinco princípios cósmicos (Tattvārthādhigama-sūtra 5.18). Como tal, é o “espaço-mundo” (loka-ākāśa). Além do mundo-espaço está o “espaço infinito” (ananta-ākāśa), no qual nada existe (Pañcāstikāya-sāra, versos 97-103 ou 90-96). No entanto, como uma das seis realidades ou substâncias últimas ou princípios cósmicos, ākāśa é real, algo em vez de nada.

Nos primeiros ensinamentos budistas do Abhidharma, sistematizados pelos Sarvāstivādins da Caxemira, chamados de Vaibhāṣikas, ākāśa é um dos três dharmas[1] não compostos ou não condicionados entre os setenta e cinco dharmas que constituem o cosmos. Além do ākāśa não composto, definido como anāvṛti, "aquilo que não obstrui" (Abhidharma-kośa 1.5d), há o elemento ākāśa, ākāśa-dhātu, definido como uma chidra [em sânscrito], um "buraco ou cavidade ou espaço delimitado" (Abhidharma- kośa 1.28a). O elemento ākāśa não é contado como um dharma, enquanto o ākāśa não composto é. Os dharmas são reais ou realmente existentes (dravyasat), sejam os setenta e dois dharmas compostos (saṃskṛta) ou os três dharmas não compostos (asaṃskṛta), já que uma única realidade última não é postulada. Como um dos três dharmas não compostos ou não construídos, junto com dois tipos de cessação (nirodha), ou seja, nirvāṇa, ākāśa não foi produzido por nada mais. É onipresente (sarvagata) e eterno ou permanente (nitya). Para mostrar que ākāśa é algo real e não nada mais do que um espaço vazio, como foi entendido por seus correligionários Sautrāntikas, os Vaibhāṣika Sarvāstivādins citam o que Gautama Buddha disse a um questionador brâmane nesta passagem escritural: "Sobre o que, Senhor Gautama, a terra se apoia? A Terra, ó Brahmin, apoia-se no disco de água. Em que, Senhor Gautama, apoia-se o disco de água? Apoia-se no ar. Em que, Senhor Gautama, o ar se apoia? Apoia-se no ākāśa. Em que, Senhor Gautama, ākāśa se apoia? Você foi longe demais, grande brâmane; você foi longe demais, grande brâmane. Akāśa, ó Brahmin, não tem suporte, não tem suporte.” (Abhidharma-kośa-vyākhyā no capítulo 1, versículo 5, no final) [4]. Além disso, eles dizem que ākāśa é tudo o que resta durante as eras (kalpa) depois que o mundo é destruído (Abhidharma-kośa-bhāṣya no capítulo 3, verso 90). Assim, no sistema pluralista Sarvāstivāda Abhidharma, ākāśa é um princípio cósmico eterno ou permanente não composto, que não emanou de nada, embora não seja a realidade última.

A distinção entre ākāśa como um dharma não composto e ākāśa como um elemento nem sempre é mantida, como no Abhidharma-kośa. Por exemplo, o Pitṛ-putra-samāgama-sūtra citado no Śikṣā-samuccaya [de Shantideva] (edição Bendall, p. 249) descreve o elemento ākāśa (ākāśa-dhātu) como indestrutível (akṣaya), estável (sthira), imóvel (acala), e como o elemento nirvāṇa não composto (asaṃskṛta nirvāṇa-dhātu), como todo-penetrante (sarvatra-anugata). Essa descrição é claramente do ākāśa não composto, mas é chamado de elemento ākāśa (ākāśa-dhātu). A razão para isso é que o termo dhātu, usado no Abhidharma-kośa e em outros lugares para distinguir ākāśa como um elemento, não é coextensivo com o termo mais específico para os elementos. Os quatro elementos, terra, água, fogo e ar, são chamados de “grandes elementos” (mahā-bhūta). Portanto, é possível que ākāśa seja um dhātu, mas não um mahā-bhūta. Aqui no Pitṛ-putra-samāgama-sūtra, até mesmo o nirvāṇa é chamado de dhātu.

No sistema Yogācāra budista Mahāyāna, ākāśa é um dos seis ou oito dharmas não compostos ou não condicionados entre os cem dharmas que constituem o cosmos [5]. Como tal, é o mesmo que o ākāśa não composto ensinado pelos Sarvāstivadins, descritos acima. Ou seja, é um princípio cósmico não composto, eterno ou permanente que não emanou do nada, embora não seja a realidade última.

No sistema Madhyamaka budista Mahāyāna, ākāśa é o mero espaço vazio em que as coisas estão e que está dentro das coisas, como o espaço em uma sala. O pai fundador do sistema Madhyamaka, Nāgārjuna, diz em seu Ratnāvalī, A Grinalda Preciosa, capítulo 1, versículo 99ab: “Porque é meramente a ausência de forma (rūpa), ākāśa é meramente um nome” (rūpasyâbhāva-mātratvād ākāśaṃ nāgarma-mtrakam) [6]. O filho espiritual de Nāgārjuna, Āryadeva em seu Caryā-melāpaka-pradīpa nos diz que ākāśa não é um elemento e que sua função é fornecer espaço para todas as coisas existentes (ākāśaṃ . . . na mahā-bhūtam . . . avakāśa-dānāt ākāśaṃ sarva-bhāvānām) [7]. Comentando sobre o Catuḥ-śataka de Āryadeva (capítulo 9, versículo 5), Candrakīrti, escritor Prāsaṅgika Madhyamaka, diz que ākāśa é meramente um nome (nāmadheya-mātra) de algo que realmente não existe (avastusat), um nada (akiṃcana) [8]. Visto que Prāsaṅgika Madhyamaka é a visão predominante no budismo tibetano, ākāśa é entendido da mesma forma por lá. Tsongkhapa, fundador da proeminente escola Gelugpa, diz em seu Legs bshad gser phreng que ākāśa não tem natureza inerente (svabhāva) e o descreve como “uma mera representação de uma mera ausência de contato obstrutivo ou impedimento” [9]. Assim, no sistema budista Madhyamaka, ākāśa nada mais é do que um espaço vazio.

No sistema Sautrāntika budista inicial, ākāśa nada mais é do que um espaço vazio, assim como no sistema Madhyamaka, presumivelmente posterior. Uma linha do Jñāna-sāra-samuccaya, versículo 23, resume a visão Sautrāntika de ākāśa, dizendo que é “igual ao filho de uma mulher sem filhos” (vandhyā-suta-samaṃ vyoma). Esta é uma metáfora comum para algo que não existe. Conforme relatado no Abhidharma-kośa-bhāṣya em 2.55d, os Sautrāntikas definem ākāśa como não real (adravya), não uma coisa existente (bhāva) como forma (rūpa), sensação (vedanā), etc. É a mera ausência do tangível (spraṣṭavya-abhāva-mātra), como não encontrar um obstáculo ou resistência (pratighāta) no escuro.

No antigo sistema Theravāda budista em sua forma atual, ākāśa (Pali: ākāsa) é um mero espaço vazio. Quando distinguido como o elemento ākāsa (ākāsa-dhātu), refere-se ao mero espaço vazio nas aberturas, como internamente no ouvido ou externamente nas portas [10]. Não é um dos grandes elementos (mahā-bhūta), como terra, água, fogo e ar. É meramente uma ideia abstrata, uma construção conceitual (paññatti-mattā) [11]. Isso difere dos dhammas, que são coisas reais, sendo estabelecidos por sua natureza inerente (sabhāva-siddha). Visto que ākāsa nem mesmo é um dhamma / dharma aqui, certamente não é um dhamma / dharma não composto, como era no antigo sistema budista Sarvāstivāda. O sistema Theravāda reconhece apenas um dhamma / dharma não composto (Pali: asaṅkhata dhamma), a saber, nirvāṇa (Pali: nibbāna). Fora do cânone Theravāda, há um texto em Pali, o Milinda-pañha, que diz que há duas coisas que não surgem do karma (Pali: kamma), nem de uma causa (hetu), nem da mudança física (utu): ākāsa e nibbāna [12]. Mas este não é o Theravāda convencional [13].

Como pode ser visto, o ākāśa no Livro de Dzyan é como o ākāśa no sistema hindu da Vedānta Advaita. Tanto o Livro de Dzyan, quanto a Vedānta Advaita são não dualistas. Em ambos, ākāśa é um princípio cósmico quase último, a primeira coisa a emanar do princípio cósmico último.

 Notas

1. O espaço é definido no Catecismo Senzar esotérico (The Secret Doctrine [A Doutrina Secreta], vol. 1, p. 9), ou no Catecismo Oculto (DS, vol. 1, p. 11), ou no catecismo esotérico (DS, vol. 1, p. 35). Neste último, Blavatsky comenta sobre o primeiro verso da primeira estrofe do “Livro de Dzyan”. Lá, o espaço do Progenitor eterno é descrito como estando envolto em suas vestes sempre invisíveis. Diz-se que essas vestes representam o númeno da matéria cósmica indiferenciada, e isso é chamado de mūla-prakṛti. Isso é descrito como “a fonte da qual ākāśa se irradia”. Especificamente, ākāśa é dito ser “a primeira irradiação da Raiz, Mūlaprakṛiti, a Substância Cósmica indiferenciada, que se torna Matéria Astral” (DS. 1.75). Portanto, “espaço” não pode ser a tradução de ākāśa aqui.

2. Livro de Dzyan, estrofe 3, versículo 7: “Eis, ó Lanu! O filho radiante dos dois, a glória refulgente sem paralelo: Espaço Luminoso Filho do Espaço de Trevas, que emerge das profundezas das grandes águas escuras. É Oeaohoo, o mais jovem, o * * * Ele brilha como o filho; ele é o resplandecente Dragão Divino da Sabedoria; o Um é Quatro, e o Quatro toma para si Três, * e a União produz o Sapta, no qual estão os sete que se tornam a Tridasa (ou as hostes e as multidões). Observe-o levantando o véu e desfraldando-o de leste a oeste. Ele fecha o que está acima e deixa o que está abaixo para ser visto como a grande ilusão. Ele marca os lugares para os que brilham, e transforma a parte superior em um mar de fogo sem margens, e aquele que se manifesta nas grandes águas. ”

3. Os números dos versos fornecidos são da edição em sânscrito e tradução em inglês dos Vaiśeṣika-sūtras, edição de Anantalal Thakur, publicada em Origin and Development of the Vaiśeṣika System, 2003, pp. 24-121. Eles são seguidos pelos números dos versos encontrados nas edições e traduções dos Vaiśeṣika-sūtras comentados por Śaṅkara-miśra. A de Thakur é de longe a edição e tradução mais definitiva disponível hoje. É baseada principalmente nas leituras encontradas no comentário anônimo que ele publicou em 1957 e encontrado no texto comentado por Candrānanda, publicado em 1961. Ele substitui completamente as outras edições, que tinham sido o padrão por muito tempo por serem as únicas disponíveis.

4. pṛthivī bho gautama kutra pratiṣṭhitā | pṛthivī brāhmaṇa ap-maṇḍale pratiṣṭhitā | ap-maṇḍalam bho gautama kva pratiṣṭhitam | vāyau pratiṣṭhitam | vāyur bho gautama kva pratiṣṭhitaḥ | ākāśe pratiṣṭhitaḥ | ākāśam bho gautama kutra pratiṣṭhitam | atisarasi mahā-brāhmaṇâtisarasi mahā-brāhmaṇa | ākāśam brāhmaṇâpratiṣṭhitam anālambanam |.

Esse mesmo ensinamento é encontrado no texto Mahāyāna, Ratna-gotra-vibhāga, capítulo 1, versículo 55:

pṛthivy-ambau jalaṃ vāyau vāyur vyomni pratiṣṭhitaḥ |

apratiṣṭhitam ākāśaṃ vāyv-ambu-kṣiti-dhātuṣu || 1.55 ||

5. The Abhidharma-samuccaya, edição Pradhan, p. 12, fornece oito dharmas não compostos, incluindo três tipos de tathatā, "talidade". O * Mahāyāna-śata-dharma-vidyā-mukha ou * Mahāyāna-śata-dharma-prakāśa-mukha-śāstra dá seis dharmas não compostos, contando apenas uma tathatā. Caso contrário, a lista de dharmas não compostos é a mesma.

6. Este versículo é citado no comentário Prasanna-padā de Candrakīrti sobre Mūla-madhyamaka-kārikā de Nāgārjuna, capítulo 21, versículo 4, edição de Louis de la Vallée Poussin, 1903-1913, p. 413, linha 11.

7. Āryadeva. Lamp that Integrates the Practices, editado por Christian K. Wedemeyer, 2007, p. 357.

8. Catuḥ – śataka-ṭīka, de Candrakīrti, no versículo número 202 na edição de 1914 de Haraprasād Śhāstrī, p. 483; versículo número 205 ou capítulo 9, versículo 5, em edições posteriores.

9. Tradução de Gareth Sparham, Golden Garland of Eloquence, vol. 1, 2008, p. 466.

10. The Dhammasaṅgaṇi, Pali Text Society edition por Edward Muller, parágrafo 638, tradução para o inglês como A Buddhist Manual of Psychological Ethics, por Caroline A. F. Rhys Davids, 2ª e 3ª edições, pp. 177-178; e seu comentário Atthasālinī, edição Pali Text Society, de Edward Muller, parágrafo 647, tradução para o inglês como The Expositor, por Pe Maung Tin, p. 425. The Vibhaṅga, edição da Pali Text Society pela Sra. Rhys Davids, p. 262, tradução para o inglês como The Book of Analysis, de Paṭhamakyaw Ashin Thiṭṭila (Seṭṭhila), parágrafo 605, e seu comentário Sammoha-Vinodanī, edição Pali Text Society, de A. P. Buddhadatta Thero, p. 72, tradução para o inglês como The Dispeller of Illusion, de Bhikkhu Ñāṇamoli, vol. 1, pp. 84-85.

11. “Time and Space: The Abhidhamma Perspective,” por Y. Karunadasa, Journal of the Center for Buddhist Studies, Sri Lanka, vol. 2, 2004, pp. 144-166.

12. The Milindapañho, Pali Text Society edition por V. Trenckner, pp. 268, 271, tradução para o inglês como Milinda’s Questions, por I. B. Horner, vol. 2, pp. 86-87, 90. Ver também: Pali, pp. 387-388, Inglês, vol. 2, pp. 261-262, descrevendo as características de ākāsa.

13. No Catecismo Budista, escrito por Henry S. Olcott em nome dos budistas Theravāda, o parágrafo 327 (na quadragésima quarta edição) diz: "tudo saiu de Ākāsha, em obediência a uma lei de movimento inerente a isto." Na verdade, esta é uma doutrina Teosófica, não uma doutrina Theravada. Por alguma razão, os professores Theravada que revisaram o catecismo a pedido de Olcott antes de sua publicação não entenderam isso. Infelizmente, isso foi citado por H. P. Blavatsky em A Doutrina Secreta (vol. 1, pp. 635-636). Também foi dada uma paráfrase da declaração que imediatamente a precedeu no Catecismo Budista, “O Buddha ensinou que duas coisas não têm causa, a saber, 'Ākāsha' e 'Nirvāna'”, dizendo "eles ensinam que apenas 'duas coisas são [objetivamente] eterno, ou seja, Ākāśa e Nirvāṇa. '” Este é o ensinamento de Milinda-pañha, mas não é o ensinamento do Budismo Theravada, muito menos do Budismo exotérico em geral.

Traduzido por Bruno Carlucci com permissão do autor para publicação na seção em português do Easter Tradition Research Archive em agosto de 2021. O original em inglês foi publicado em abril de 2021 e pode ser encontrado no blog do Prajna Quest


[1] Nota do tradutor: O termo “dharma” no contexto budista pode também se referir a fenômenos ou coisas. Dharma no sentido de doutrina, ensinamento ou sustentação é geralmente transliterado com “D” maiúsculo para se diferenciar dos outros sentidos abordados neste texto. 


[1] Nota do Tradutor: Aqui DS se refere à Doutrina Secreta, de H.P. Blavatsky. Porém, o autor se utilizou da edição em língua inglesa.